Chefe mulher, sabe como é.

Marília Chaves
Lean In SP
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5 min readApr 22, 2019

É muito complicado assumir certas coisas quando você é feminista, mas não dá para ignorar padrões que vivenciamos ao longo da carreira. Já pensei em começar esse texto me justificando, afinal, trabalho todos os dias para que o Lean In seja um grupo forte de mulheres que vão quebrar o teto de vidro para chegar aos cargos de chefia, PORÉM existe uma questão que sempre me incomodou.

Até hoje só tive problema com chefe mulher.

É dolorosa a minha urgência de falar sobre isso. Todos os dias penso no quanto ficamos barradas na imigração da gerência, e ao mesmo tempo, para quê apoiar mulheres se você só vai ser torturada por elas ou você mesma vai virar uma torturadora corporativa? Esse texto existe para abrir uma conversa necessária, não para dar respostas, porque vejo que a questão "chefe mulher" é uma caixa de Pandora quando aberta.

Socialização, noção de escassez. Falta de perdão quando tratamos com nossos pares. Pense em quantas falhas perdoamos dos homens e o quanto de perfeição exigimos das outras mulheres, simplesmente porque nos projetamos nelas?

Quantas vezes não somos mais duras ao absorver os comportamentos de uma chefe ou pior, de uma subordinada? Se fosse um homem, aquela ausência, aquela piada, aquele atraso, aquele feedback duro, aquela entrega não-tão-perfeita seria aceitável, parte da vida, "vamos focar no que tem de útil que ele nos passou". Então minha primeira proposta é: levar com boa fé as atitudes de outras mulheres. É um exercício consciente e difícil, e diário. Em poucos segundos você pode cair de volta no padrão de desconfiar de uma mulher.
O que me leva à segunda raiz do problema:

Brigar pelas migalhas.

Existem, sim, muitas chefes abusivas. Não tenho dados, falo apenas pela minha experiência profissional e pela vivência das reuniões do Lean In SP. Mas sabe por que um homem não precisa ser abusivo quando é seu chefe? Porque absolutamente nada vai tirar ele de lá. O mundo já é dele. E se sequer parecer que você vai ser essa ameaça, ele vai encontrar um jeito de te demitir sem ser questionado.

É muito fácil ler uma mulher de forma negativa. Não, ela não precisa ser sua amiga, nem falar as coisas de um jeito específico. E se a chefe for você, sua funcionária não precisa passar o tempo inteiro reafirmando que você é a chefe. Quem nunca chegou num cargo de gerencia cedo demais e começou a soltar frases como "vai ser assim porque eu estou dizendo?". Todo mundo sabe que liderança não é isso, é pura negociação. E o que vejo com muitas mulheres é essa síndrome do gerente jovem. Que eu já tive. Eu sei tudo, eu dou conta, faz porque eu estou dizendo. Pouco espaço para a dialética, para ser vulnerável com a equipe, porque isso pode abrir um espaço de questionamento que você ja faz internamente o tempo todo. É a sua insegurança dizendo "não dá bandeira, porque você já sabe que é uma farsa e agora eles vão saber também". E, claro, você vai disparar mais gatilhos de insegurança nas mulheres do que nos homens. Porque com elas o jogo é de espelho, com eles é de conquista. Porque o mundo já é deles e você não quer passar vergonha na frente dos reis.

E isso me traz ao terceiro tema relacionado à nossa dificuldade de lidar e de chefiar em ambientes corporativos. Enquanto pesquisava sobre a dificuldade de as pessoas lidarem com chefes mulheres trombei com o termo tokenismo.

Tokenismo é um termo que vem do inglês ‘token’ (símbolo) e consiste na prática de fazer pequenas concessões a um grupo minoritário para evitar eventuais acusações de preconceito ou discriminação. É um esforço superficial e simbólico, ou seja, migalhas.

O tokenismo é conhecido como um fenômeno psicológico inclusive, porque a sensação daquele grupo minoritário que recebeu uma "concessão" é que precisamos agora nos organizar para competir pelas concessões e não por todo o contingente de vagas e aumentos. Ou seja, se existem 10 cadeiras na diretoria e 2 são ocupadas por mulheres, a sensação entre as mulheres daquela empresa é que é necessário competir por 2 vagas sempre, e não por 10, porque a "cota" dominante já está reservada inclusive no nosso inconsciente.

cenas reais de mulheres brigando por apenas 20% dos cargos de chefia em vez de 100%

Quando atingimos cargos de chefia ou brigamos por eles, no fundo, estamos brigando por migalhas. Pesquisas mostraram que, quanto menos mulheres em posição de poder, menos elas vão se apoiar, pois terão a impressão psicológica de que precisam disputar aquele pequeno espaço. Em compensação se o número de mulheres for mais equilibrado, elas passam a se apoiar mais.
Estenda sua mão para mulheres ao seu lado, e, principalmente, se você é uma chefe lendo isso, analise no dia-a-dia como se dá o seu proceder, principalmente com funcionárias mulheres. Será que a insegurança não leva o seu melhor?
Na última reunião do Lean In SP presenciamos um momento muito bonito: uma participante que está sofrendo com os comportamentos abusivos de uma chefe trouxe à reunião uma amiga da mesma empresa, uma vez que as duas são estimuladas por essa mesma chefe a competirem. Para mim isso é como ouvir os sinais de um novo tempo, porque elas escolheram outro caminho para lidar com o assédio moral no trabalho. Talvez sua chefe abusiva não tenha acesso a esse texto, mas você pode começar a olhá-la com olhos de compaixão e, principalmente, não entrar no jogo tóxico. Torne-se aliada das outras mulheres, mesmo que, no primeiro momento, isso pareça uma doação de uma via só. Na dúvida, vale repetir o mantra:

Ninguém se cura ferindo o outro.

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Link interessante sobre Tokenismo para quem se interessar em saber mais :)

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Marília Chaves
Lean In SP

Ghost-writer, roteirista, editora, escritora, redatora, coordenadora Lean In SP. Trago o texto perdido em 3 dias ou seu dinheiro de volta.