Conselhos de escrita que todo editor gostaria de dar, uma série

Marília Chaves
Lean In SP
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7 min readJul 25, 2019

Episódio 1 | A ecologia dos textos

Sofremos pela necessidade de nos comunicar. Queremos ser compreendidos e fazer pontes para cobrir a distância entre o que sabemos e sentimos e o mundo das outras pessoas. Criando essas pontes, acreditamos, vai ser possível vencer a discordância e a solidão. E por isso, escrever ao longo dos séculos foi matéria para estudo no mundo inteiro. A questão é que muita gente escreve, especialmente agora em que postar é fácil, é de todo dia, mas pouca gente vai ser lida. Como já aprendi em um curso com a (maravilhosa) Cris Lisboa: escrever é um ato de cura, publicar não necessariamente. Escrever é um exercício de organização mental, porque é uma atividade que faz você pensar sobre o pensamento. É presença e foco. Se você precisa melhorar sua capacidade de concentração, escrever é um ótimo exercício.

Essa talvez seja a primeira lição de escrita. Existem tipos diferentes de escrita e nem tudo precisa ser publicado. A sua escrita “curativa” precisa existir, especialmente se você for alguém que usa a escrita de outras formas, que ganha dinheiro com isso. Você precisa ter a escrita de “brincar” e a de “trabalhar”. E saber separar isso pode transformar seu texto, porque a consciência do que ainda não está bom o suficiente para ser publicado SALVA o ser humano. Se for para o seu processo de cura pessoal, é desabafo, é fluxo, é batidão louco. Se for para publicar, você pega esse batidão e começa a revisar, adequar, padronizar, a colocar o potencial leitor no centro. Texto que não servir ao leitor de forma objetiva não deve ser publicado.

Escrever é o processo de pensar em você, editar é o processo de pensar no outro. Publicar é coragem e nada mais.

Isso serve para, a partir de agora, só falarmos aqui daquilo que é escrito para que outra pessoa leia. Se você não é da área de texto, provavelmente escreve hoje documentos com menos de 500 caracteres. E-mails, bilhetes, mensagens de chat. E, mesmo que tenha passado por um mestrado ou pós-graduação e teve aulas de metodologia científica, você escreve sob essa metodologia, que faz boa parte do texto por você (o que vem antes, depois, como posicionar opiniões e argumentos). Sair da metodologia para ser mais informal pode ser um processo de mais de uma etapa.

O primeiro passo para escrever bem é aceitar que a gente não escreve tão bem quanto acha e está tudo bem. Somos alfabetizados, mas não temos o cuidado do bom escritor, porque o bom escritor reescreve muitas vezes a mesma coisa. Ele se desgasta, ele apaga muito, ele submete o texto para a ferocidade do público (que na internet consegue das duas, uma: te ignorar se o texto for ruim e o assunto irrelevante, ou te tratar como um assassino se o texto for ruim e o assunto polêmico). O escritor corrige o texto como você corrige suas entregas no trabalho. É o trabalho dele.

Amadurecer como produtor de conteúdo é entender que você já saiu da faculdade, quando seu professor era pago para ter tempo reservado para prestar atenção em você. Aceitar que amigo e parente têm a obrigação de gostar do que fazemos, então o tempo e o elogio dessas pessoas nada mais é que uma forma de cultivar o relacionamento. Não é atestado de que você deveria estar publicando.

E entrando mais longe na diferença entre os processos da escrita: assim como escrever não é publicar, não existe escrever sem editar.

Ninguém quer ler a sua bagunça mental ou o seu processo de cura, ninguém quer ler um texto que começa com dois longos parágrafos sobre como você ama escrever quando está angustiado e como sempre gostou de se expressar por cartas. Se você está trabalhando em algo que será publicado, vá direto ao que precisa ser dito, o leitor não liga para você!

Para publicar, antes você tinha que convencer um editor a investir capital na sua ideia, e para esse convencimento era necessário ser especialista em algo ou artista. Hoje qualquer um aperta “enviar” e isso está fazendo a gente enviar muita página de diário que vai ficar gravada nas redes sociais para sempre, em vez de dormir no quentinho do anonimato que deixaria você pensar um pouco melhor sobre aquilo. Quando escrevemos algo, precisamos pensar que ponte aquilo constrói e que problema resolve para quem vai ler. Lembro quando li Sobre fotografia, da Susan Sontag, e ela falava sobre fazer uma ecologia de imagens. O conceito era simples: estamos com tanta facilidade de criar e compartilhar imagens que isso vai se tornando banal, confuso e menos interessante, isso faz com que a poluição nos dessensibilize. E olha que não existia Instagram quando o livro foi lançado. Acredito muito em pensar em uma ecologia do texto da mesma forma que a Sontag sugeria a ecologia de imagens. Nossa contribuição consciente na hora de publicar pode criar um mundo menos poluído e gerar menos ansiedade nas pessoas.

O primeiro passo ao começar um texto é considerar se você está resolvendo algum problema para alguém e deixar a solução desse problema guiar a sua organização de informação. A pergunta-base é: “o que eu vim fazer aqui?”

Comece a escrever falando que questão é essa, por que você enxerga que as pessoas sofrem com ela, quem são essas pessoas, dê a solução e no final argumente provas sobre como essa solução funciona e por que você deseja que a pessoa a experimente. Sempre nesse esquema. Você vai se surpreender como fazer da escrita argumentativa a arte de resolver um problema facilita as coisas, e se aplica a tudo! Desde textão até uma carta de amor. Existe um objetivo ali.

Você está pensando sobre uma questão, escreve tudo o que sabe e o que concluiu sobre isso. Com o objetivo cumprido, segure a onda sobre o botão de publicar. Você vai sentar 24 horas em cima desse texto e abri-lo de novo só no dia seguinte para editar. O primeiro exercício foi só escrever, sem reler, sem corrigir as batidas erradas no teclado, a falta de pontuação ou de coerência. No dia seguinte você encara a dura realidade. Passe revisando e cortando. Pergunte-se mais uma vez se você conseguiu resolver o que tinha para resolver com aquelas linhas. E mais do que isso: tire todo o excesso de expressão pessoal daquilo. Mesmo quando estamos trabalhando uma escrita afetiva não é com frases como “eu acho, eu sou, sempre fui e sempre gostei” que você vai se colocar de forma pessoal e vulnerável ali. Entregue o que você é por exemplos, associações e metáforas eficientes. Pronto, ali você estará. Sente em cima do texto novamente. No terceiro dia você está liberado para subir aos céus, depois de revisar de novo e cortar todos os adjetivos.

Adjetivo, meu amor, não serve para nada.

Imagine que você está descrevendo uma sala e fala “era uma sala grande”. Grande para mim não é grande para o resto. Mas se você falar “era uma sala que poderia abrigar mais de 100 pessoas e dois elefantes dançarinos” vai ser possível enxergar uma puta sala. O adjetivo em geral é aquele momento que você está vivendo uma egotrip e qualificando um monte de coisa no texto de acordo com o seu umbigo.

Para a escrita, faça como faz na vida: se pergunte "Eu resolvo algo?", "Eu agrego?". Ou só estou trazendo meu monólogo interior — que está tão desorganizado quanto a minha alma e tão autocentrado que com um pouco de avaliação percebo rapidinho que não ajuda nem interessa a ninguém?

E uma palhinha do próximo episódio: não queira ser Saramago, não queira reinventar a forma, não ignore regras de pontuação, gramática e manuais de estilo. Você tem uma mensagem: é tão importante assim que a forma seja mais interessante do que essa mensagem ser entendida? A forma é a segunda parte. Hoje, qual é a sua missão?

Se deu conta de que escreve mal? Precisa escrever mais. Começa hoje, bb!

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*Este texto é bem focado em textos de não ficção. No próximo capítulo da série vamos falar sobre ficção. Oba!

**Algumas dicas de manuais de estilo que resolvem dúvidas direta e concretamente: Manual da Folha de S. Paulo, Manual do Estado de S. Paulo. Gramáticas: procure as do Evanildo Bechara e do Celso Cunha. Dicionários: Houaiss é o meu preferido. Invista em dicionários de regência verbal e nominal, fica parado 364 dias do ano, mas naquele UM DIA que você precisa, minha amiga…

*** Quando esse texto ainda estava no forno me chamaram para uma Imersão em Ghostwriting na Universidade do Livro, se você quer ter o curso intenso e total de 4 dias para escrever não-ficção, CLICA AQUI!

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Marília Chaves
Lean In SP

Ghost-writer, roteirista, editora, escritora, redatora, coordenadora Lean In SP. Trago o texto perdido em 3 dias ou seu dinheiro de volta.