Luisa D.
Lean In SP
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4 min readAug 31, 2020

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Por que errei?

Eu sempre tive um desejo muito grande de ser uma boa profissional, e para mim isso inclui não apenas poder desempenhar bem as minhas atividades, mas também saber agir de maneira adequada em diferentes situações envolvendo colegas, parceiras, chefes e clientes.

Justamente por isso, os meus próprios erros ou inadequações sempre me tomaram muito a atenção. Quando me dou conta de que não soube me colocar, fico presa na situação até que consiga entender as minhas próprias razões, levantar hipóteses a respeito da conduta dos demais envolvidos, imaginar outras soluções.

Eu trabalho desde os dezessete anos (mais de metade da minha vida) e já fiz muitas coisas diferentes ao longo desse tempo: já fui recepcionista, secretária, fiscal de provas, assessora de imprensa, repórter (policial, jurídica, científica). Tive muitas oportunidades, portanto, para aprender com os mais variados erros. Para mim, a melhor maneira de fazê-lo é discutindo as situações com as pessoas, para que eu possa ter diferentes pontos de vista e, assim, considerar mais e mais variados fatores.

A troca com mulheres é especial nesse sentido, pois, quanto mais escuto outras experiências, divido as minhas vivências e converso, mais sinto que os obstáculos são comuns, inclusive quando pessoais. Empiricamente constato, então, que muitos deles devem ter a ver com gênero.

Para organizar um pouco desse aprendizado, decidi fazer esta rápida análise de uma situação que vivi há muitos anos no trabalho. Aparentemente banal, este episódio ajuda a explorar diferentes dificuldades que não só eu, mas muitas mulheres, vivenciamos.

Eu seria contratada para produzir algumas resenhas para uma revista – o tipo de trabalho que eu mais gosto de fazer, porque envolve justamente escrever sobre literatura. Depois de uma longa troca de e-mails, fui informada do valor que seria oferecido como pagamento. Era baixo. Eu me exaltei, fiquei ofendida, encerrei a conversa. Desse canal nunca mais saiu outro trabalho.

Hoje sei que, independentemente de qualquer deslize que a outra pessoa possa ter cometido, eu errei feio. Depois de me perguntar durante muito tempo sobre os possíveis porquês da minha própria conduta, imaginei as seguintes razões:

  1. Tendência pessoal para reagir impulsivamente a situações emocionais desconfortáveis. É o caso óbvio da dificuldade de ouvir críticas, mas não apenas. Nesse caso específico, a questão emocional era mais funda: eu tomei a remuneração pelo trabalho como uma espécie de valoração que a outra pessoa poderia estar atribuindo à minha pessoa de modo geral. Não só confundi relação profissional e relação pessoal, dinheiro e estima, mas também agi como se uma pessoa aleatória tivesse o poder de avaliar financeiramente o valor da minha subjetividade. Quanta coisa errada em um só pensamento!
  2. Dificuldade para lidar com o dinheiro. Eu trabalho atualmente na área de cultura e educação, na qual sabidamente há uma espécie de aversão ao dinheiro. Talvez porque historicamente o setor tenha sido dominado por pessoas de classes altas que não precisavam se sustentar, há um pudor geral quando o assunto são valores. Outro fator histórico diz respeito às mulheres, que, não tendo sido as principais responsáveis pelo dinheiro por séculos, talvez permaneçam menos escoladas em educação financeira. Estimar valor e negociar podem ainda parecer dois atributos de homens de negócios.
  3. Resistência a situações que exigem impessoalidade e objetividade. Essa é uma característica bem brasileira – está na raiz do famoso “homem cordial” descrito por Sérgio Buarque de Holanda. Quantos ambientes de trabalho não são travados por atitudes e comportamentos sem qualquer profissionalismo? No caso das mulheres, que ficaram excluídas do espaço público até o século XX, a dificuldade pode ser ainda maior. A objetividade e a assertividade são geralmente vistas como atributos de uma figura diabólica e megera. É esperado que saibamos agir antecipando e cuidando das emoções e reações dos outros – e isso, que não se confunde com respeito e empatia, provavelmente não corresponde às atribuições da maior parte das profissões e atividades.
  4. Ausência de modelos que orientem em algumas situações. Há duas formas de sabermos qual a melhor maneira de agir em uma situação difícil: ou já erramos uma ou algumas vezes e agora estamos mais preparadas, ou nos inspiramos na experiência de outra pessoa (há também sempre alguém que nasceu sabendo). A experiência de trabalho não está mais se acumulando de uma geração para a outra: o que meus pais viveram ajuda a iluminar pouco o que vivo agora, sobretudo no ambiente corporativo, que parece estar sempre reinventando o seu presente. Para complicar, há certa tradição masculina de mentoria e troca de experiências, mas entre as mulheres isso está longe de ser um hábito. Uma jovem profissional precisa errar sozinha muitas vezes antes de encontrar o caminho que considera correto.

Gosto de pensar que, se aquela situação se repetisse hoje, eu teria serenidade para explicar que a remuneração abaixo de determinado valor não compensa meu tempo de trabalho – e que, por mais que eu desejasse aceitá-la, aquela demanda não caberia na minha vida no momento. Em outras situações, julgando que fosse o caso, eu talvez pudesse negociar o valor.

Mas isto é muito tempo e alguma experiência depois. Ser profissional pode parecer a coisa mais óbvia para quem trabalha, mas não é fácil sê-lo de fato. Estou longe, aliás, de me sentir pronta nesse sentido, mas sigo aprendendo e tentando. Quem mais tem me ensinado são sem dúvida outras mulheres, que me inspiram com seus pontos de vista sobre erros, conquistas e sucessos.

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Luisa D.
Lean In SP

Escrevo, pesquiso, ensino. Escuto, convivo. Aprendo.