O desabafo de Marta na eliminação da Copa do Mundo é, na verdade, um chamado a todas as mulheres

Raissa Coppola
Lean In SP
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4 min readJul 5, 2019

*** Por Raissa Coppola

Esse texto não é sobre a valorização do futebol feminino brasileiro. A essa altura, com a Copa do Mundo de Futebol Feminino da França rolando e as diversas manifestações que ela tem provocado, você já deve saber que nossas jogadoras enfrentam muito mais que um time adversário ao entrarem em campo: elas jogam contra o amadorismo do setor, a falta de patrocínios e a disparidade salarial absurda.

Esse texto é uma reflexão sobre o que podemos aprender com o esporte. Com Marta, principalmente. Marta, a filha ilustre de Dois Riachos, Alagoas. Marta, sete vezes vencedora da Bola de Ouro da FIFA. Marta, a maior artilheira da história das Copas, destronando o alemão Miroslav Klose — entschuldigung, Klose! A mesma Marta que chegou à maior competição do mundo sem patrocínio por se recusar a receber menos que um atleta homem de mesmo nível receberia.

Ao final do jogo em que o Brasil foi eliminado, no domingo, 25 de junho, visivelmente emocionada, Marta fez um desabafo que, para mim, é a maior contribuição que um esportista brasileiro fez nos últimos tempos. Sem esconder sua emoção, ela externa sua preocupação com as próximas gerações de jogadoras. Mas, mais que isso, Marta faz um chamado. Um chamado que deveria ser atendido por todas as mulheres.

Valoriza! A gente pede tanto apoio…a gente também precisa valorizar. É querer mais, é treinar mais, é se cuidar mais, é estar pronta para jogar 90 minutos. E mais 30 e quantos minutos for. Chore no começo para sorrir no final”.

Essas palavras mexem com você? Por aqui, elas causaram barulho.

Nunca falamos tanto de empoderamento feminino. A expressão não é a minha favorita, porque não acredito em um poder que venha de fora de nós. Ao contrário, ele está dentro. Ele ajuda a resumir a escalada de importância da mulher, que tem sido cada vez mais destacada em todos os ambientes. Aos poucos, rompemos fronteiras no mercado de trabalho. Já somos 49% da força profissional no País. Continuamos a batalha por melhores salários. Por sermos donas de nossos corpos e destinos.

Os obstáculos externos já são conhecidos por nós. Falo aqui sobre as amarras internas, aquelas que começam ainda dentro de nós e nos impedem de tentar “chegar lá” — seja lá o que/onde você quiser. Qual é o gargalo pessoal que faz com que nós ainda nos recusemos ao papel de protagonistas? Suspeito que um processo de auto sabotagem no qual a procrastinação é o maior dos vilões.

Suponhamos que você queira ser uma roteirista de cinema. Você sabe o que tem que fazer para conquistar o seu lugar. Escrever bem não é suficiente, você tem que treinar algumas horas por dia. Tem que fazer cursos para aprofundar seu conhecimento sobre este ou aquele gênero específico. Precisa aumentar seu networking, conhecer pessoas que apostem no seu talento. Tem que ler muito e não estou falando dos posts dos seus amigos no Instagram. Mas, mais: tem que se expor. Mostrar para o mundo que você está aí. Não, ficar sentada em frente ao seu computador desejando que a Netflix subitamente descubra o seu talento não vai ajudar.

Já que começamos falando de futebol, vale a relação: o desabafo de Marta nos provoca a não esperar que a oportunidade perfeita caia em nossos pés e nos encontre prontíssimas para fazer aquele golaço de bicicleta. Não, muitas vezes a gente vai ter que armar a jogada lá de trás. Vamos ter que carregar a bola e por vezes até atrasá-la para impedir a afobação. Em outros momentos vamos ter que aceitar a substituição no meio do jogo — ainda que injusta — e encarar aquele amargo banco de reservas. Trabalhar dobrado para voltar e jogar mais. Outras horas vamos ter que esticar tanto a perna num movimento de dar inveja a um contorcionista para que ela não passe por nós. Vai dar cãibra, vai doer, mas pode sim terminar em gol. Pode ser que ele seja daqueles bem feinhos, aquela empurradinha sem graça. Ainda assim, gol é gol. Feio é não marcar. Ah, também vamos perder muitas partidas. Muitas mesmo, é bom se acostumar.

Cada uma deve fazer a sua reflexão pessoal e, claro, entender o que está disposta a fazer (e abrir mão) para chegar lá. Formar seu time, construir suas aliadas, confiar naquele técnico. E entender se isso é o que vai trazer felicidade. Não, não acredito em meritocracia. Em um país como o Brasil, seria loucura acreditar que somente o esforço seja a receita para o sucesso. Seria desconsiderar uma cultura baseada em privilégios. Mas, sem ser piegas ou cafona (ou já sendo), acredito que a força de vontade aliada à ação efetiva deve nos mover. A gente nunca perde um jogo só de entrar em campo. A gente perde quando desiste de tentar.

Por isso, as frases de Marta estão desde domingo estão ecoando em mim. “Tem que querer mais, tem que estar pronta para jogar 90 minutos. Valoriza!”. Hoje, por causa de Marta e suas companheiras, eu acredito que posso fazer ainda mais por mim.

*** Raissa Coppola é jornalista e, assim como você, também está procurando o caminho para chegar lá.

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