Sobre depressão, indo direto ao ponto

Ana Lucia Abdulkader
Lean In SP
Published in
6 min readJun 4, 2020

Eu sempre brinquei que é mais tabu falar sobre dinheiro do que falar sobre sexo. Mas nos últimos tempos cheguei à conclusão de que se há algo sobre o que não queremos falar é sobre saúde mental. E eu queria me colocar na fogueira e falar sobre isso. Do ponto de vista da minha própria experiência, dos meus pré-julgamentos e das minhas conclusões, que de nenhuma forma são verdades universais, mas que posso atestar que são muito reais para mim. Por mais que doa ou que me exponha mais do que gostaria. Porque é preciso quebrar o tabu.

Achava que não tinha preconceitos com relação à depressão ou o impacto da saúde mental nas atividades de uma pessoa, isso porque tenho pessoas próximas que têm ou tiveram a doença (sim, é uma doença). Mas a verdade é que até algum fato bater na nossa porta a gente não reconhece em si os próprios preconceitos. É aquela história: a gente acha que sabe como vai reagir a um assalto, mas só teremos certeza quanto vivermos um (espero que não aconteça com ninguém, by the way!).

Bom, vamos lá, dois acontecimentos reais que se passaram comigo há algum tempo e que hoje me fazem ponderar minhas atitudes na época:

  1. Quando fui gestora em uma grande empresa tinha um colaborador da equipe com quem inicialmente gostava muito de trabalhar. Porém, me marcou, quando fiz a reunião de passagem de bastão com o gestor anterior, seu julgamento de que aquela pessoa era "vôo de galinha": se animava no começo, mas depois eu ia ver que ele teria problemas de performance. Demorou um pouco para isso acontecer, mas efetivamente aconteceu. De repente aquela pessoa começou a ficar distraída e ineficiente, e consideramos inclusive na reunião de gerentes seu desligamento, já que o processo de avaliação de performance estava próximo. A verdade é que eu não trabalhava com ele há tempo suficiente e não tinha elementos graves para justificar uma demissão, por isso me limitei a dar uma avaliação um pouco mais dura. Me envergonho muito disso, mas a verdade é que até o dia do seu feedback eu nunca o chamei para um café e perguntei "o que está acontecendo com você? Precisa de algo?". Me limitava a cobrar e apontar seus erros. Daí chegou o dia do feedback. Estava um pouco nervosa, mas também um pouco sem paciência para a ineficiência daquela pessoa com quem antes adorava trocar dicas de restaurantes, quem apresentava números tão bem, quem tinha ideias tão interessantes em muitas reuniões, mas que estava cometendo erros elementares. Não sei o que me deu, mas no dia da reunião, olhando para os seus olhos, de repente me veio: "cara, eu gosto tanto de trabalhar com você, está acontecendo alguma coisa? Não precisa me contar o quê, mas se você não está bem, eu preciso saber." Nem preciso dizer que estavam acontecendo coisas graves na vida pessoal dele que obviamente não o permitiam estar em seu melhor potencial. Até aquele dia não tinha considerado essa hipótese. Nem eu, nem seu gestor anterior.
  2. Também já tive o caso de uma pessoa que havia sido da minha equipe em uma empresa. Um cara bem apessoado e simpático, porém em geral bem fechado. Havia nele sempre uma ironia por fazer e um sentimento meio abafado de raiva do mundo. Depois de poucos meses que saí da empresa eu soube que ele se suicidou. Foi muito triste para todos, lógico. E não estou aqui querendo dizer que a depressão leva ao suicídio (mas pode levar). O que queria alertar é sobre uma frase que ouvi do seu gestor na época, um amigo muito querido e uma pessoa muito gentil: "Não sei porque ele fez isso. Com certeza não estava deprimido, estava sempre sorrindo". Reparem como temos uma visão limitada do que é depressão: a gente acha que vai perceber se alguém próximo está com depressão. Aqui vem um alerta: a depressão tem muitas formas, e não quer dizer que uma pessoa funcional e capaz de sorrir não esteja deprimida. Há muitos outros sinais, como irritação, negação, que também podem significar que a pessoa não está em seu melhor estado mental e que pode estar vivendo algo muito sério.

Contei essas histórias para dizer que apesar de tudo isso, só quando me vi deprimida é que entendi o que alguém deprimido está passando. Também tenho vergonha de dizer isso, mas no fundo, no fundo, antes eu achava que tinha um pouco de fraqueza mental e emocional em quem se deprime. Que se a pessoa quisesse mesmo, ela não se colocaria nesse estado. Mas, cara, como isso não é verdade! Eu sempre me gabei da minha super eficiência em todos os aspectos da vida. Dava conta de tudo, sempre era forte, não queria pedir ajuda. Já imaginam o quanto a vida precisava me ensinar sobre vulnerabilidade, né? E nada melhor para isso do que o turbilhão de mudanças que me atingiram desde o final do ano passado, mais uma quarentena e uma depressão. Meio que Universo está me falando: se não aprender assim desencana! Deixamos para sua próxima encarnação! Kkkk….

Devo dizer que, em parte, é verdade que trabalharmos nossa mente ajuda muito a mudarmos padrões e nos sentirmos melhor. Mas isso leva tempo e muitas vezes os sintomas são tais que a gente precisa de ajuda externa. Quando fui tomada por ataques de angústia, eles foram reais. Eu realmente não conseguia sair da cama, meu peito realmente pesava, eu realmente não conseguia comer (perdi 10 quilos nessa, e quem me conhece sabe que há tempos brigava com alguns quilinhos a mais). Sério, para você que nunca passou por isso, queria te dizer que é real, é físico e não temos controle na hora. É igual a você estar com febre e dizer para o seu corpo "não se sinta mal, não tem porque estar assim". Não! Tem que tomar Novalgina, um banho morno e se cuidar. Daí vai se sentir melhor. Entende?

Claro que ficar prostrado e se entregar à doença não ajuda. Minha mãe, que é médica, me disse há algum tempo que muitas vezes conta mais no prognóstico de uma pessoa em uma UTI o quanto esta luta pela vida do que quão grave é seu estado inicial. Se isso é real, como negar que esse mesmo mecanismo de "lutar para se curar" não seja o que nos ajuda a vencer uma doença mental? Porém o difícil da depressão é, exatamente, que ela nos deprime. Ela tira nossa vontade e desejos de realizar. A gente fica preso a pensamentos ruins. A sensação física é tão horrível que só queremos dormir para não ter que sentir aquilo de novo. E se a gente não se conhece o suficiente pode não entender o que está acontecendo e acabamos nos "apaixonando pelo estado de fossa" e ficamos nessa muito mais tempo que precisa. Felizmente não foi esse meu caso: já estou me cuidando e me sinto muito melhor.

Enfim, se pude de alguma forma te convencer de quão real é a depressão, queria aproveitar e sugerir que você pense mais sobre esta doença e sobre saúde mental em geral:

  • Como podemos trazer essa discussão para as empresas? Afinal não somos uma pessoa na PJ e outra na PF. Nossa saúde mental impacta nosso trabalho. Como podemos abrir canais para que as pessoas falem sobre isso?
  • Se você tem gestão sobre pessoas ou trabalha em equipe já iniciou genuinamente a conversa sobre como as pessoas estão se sentindo? Como você pode criar mecanismos para sempre considerar a hipótese da pessoa estar com a saúde mental desbalanceada antes de julgar uma atitude ou um erro?
  • Como você está se sentindo? Este momento de quarentena não é fácil para ninguém. Você está se cuidando? Precisa de ajuda? Peça!
  • Você está atento a seus amigos e familiares, principalmente pessoas mais propensas a se deprimirem? Pesquise como pode ajudá-las, não julgue saber o que não tiver lido ou ouvido de fonte confiáveis. Principalmente: ligue para quem ama, ofereça ajuda e as lembre o quanto são queridas. Isso ajuda muito!
  • Às vezes quem está deprimido vai precisar, sim, de um remédio para ajudar. Então não tenha preconceitos! Para mim foi muito difícil admitir ter que ser medicada. Mas saiba que a medicação é só a "Novalgina". O antibiótico sempre vai ser ter pessoas queridas perto e trabalhar suas questões (muita terapia, ou o que quer que funcione para você!).

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Ana Lucia Abdulkader
Lean In SP

Practical mother, despite trying to stay in-tune with the Payments and Fintech Sectors in Brazil, still cultivates appreciation of beauty and moments of pause.