Lean-Agile não é para desenvolvimento de software

Fabio Jascone
Lean Space
Published in
9 min readMar 20, 2018

Conforme escrevi no artigo Agile no RH: Oportunidade ou ameaça?, agilidade é muito mais que uma metodologia, é uma cultura, uma nova forma de pensar e agir. Não basta conhecer e aplicar um ou outro método ágil, seja Scrum, Kanban, XP, para conseguir de fato obter os resultados prometidos. Deve-se encarar uma mudança de pensamento, estudar e incentivar a área e a organização a respirar novos conceitos e quebrar paradigmas.

Podemos dizer que “agilidade” virou uma buzzword (palavra popular do momento utilizada muitas vezes somente para ganhar créditos), onde muitos se dizem ágeis apenas para se promoverem, mas poucos realmente entendem o seu conceito, praticam certo e usufruem de seus benefícios. E ninguém pode dizer que sabe tudo o que permeia no mundo ágil, há sempre algo novo, melhorado, adaptado, experimentado, para se conhecer e aprender.

O foco de todo agilista — outra buzzword — deve ser sempre o resultado estratégico, a qualidade da entrega, a produtividade e a aderência do negócio ao mercado. A sua principal atuação é transformar o meio de forma a atingir essa plenitude. O objetivo de um agilista não deveria ser implementar uma métrica ágil ou adotar um framework qualquer, mas sim dar visibilidade e resolver problemas através dos métodos ágeis.

Lean

O conceito Lean (enxuto do inglês), que praticamente dá origem ao mundo ágil, vem do período de reconstrução do Japão após a Segunda Guerra Mundial, através do Sistema Toyota de Produção (ou Lean Manufacturing) criado por Taiichi Ohno, executivo da Toyota na época. O sistema de produção da Toyota também era conhecido como Just-in-Time, que basicamente elimina ou reduz significativamente os estoques.

Estoque é custo, desperdício, seja na indústria, no desenvolvimento de software ou em qualquer outra área. Estoque é qualquer atividade pronta parada em uma fila por conta de um gargalo. Criar estoque significa que gastamos tempo em algo que ainda não gerou valor para o cliente e, pior, poderá sofrer alteração (retrabalho), ser descartado ou ficar obsoleto. Por isso a filosofia Lean é baseada em sistema puxado (Just-in-Time), ou seja, começar algo (ou um lote) novo somente após terminar aquele que está em andamento, balanceando esse fluxo conforme a capacidade disponível.

No livro Implementando o Desenvolvimento Lean de Software, Mary e Tom Poppendieck comentam que uma das lições fundamentais com a iniciativa Just-in-Time é a de parar de querer maximizar as eficiências locais, pois melhorar a eficiência local dentro de um fluxo caótico só aumentará o estoque e as filas, não melhorará a saída. Com a prática Just-in-Time as filas e estoques desaparecem e o desempenho do fluxo melhora significativamente.

Manifesto Ágil

Percebe-se então que apesar do Manifesto Ágil direcionar seus valores e princípios para o desenvolvimento de software, o conceito Lean e os métodos ágeis aplicam-se a qualquer área da organização, não somente a produção. Algumas técnicas podem fazer mais sentido para algumas áreas e nem tanto para outras, porém o objetivo sempre é melhorar a eficiência do fluxo de entrega, seja um produto ou um serviço.

Nossa maior prioridade é satisfazer o cliente, através de entregas de valor adiantadas e contínuas. — Manifesto Ágil

Ouso dizer que este talvez seja o princípio mais importante do manifesto e a base para entender a essência da metodologia ágil. Em outras palavras podemos dizer que agile significa fazer entregas rápidas (eficiência) e de valor (eficácia) para os clientes.

Hoje em dia vemos muitos conceitos se misturando e fazendo sentido para mais de um método, como é o caso dos três pilares do Scrum — uma das metodologias ágeis mais utilizadas: transparência, inspeção e adaptação.

O Scrum, assim como outros, também nos ensina que a aplicação de um método ágil deve se dar de forma empírica, buscando sempre executar, errar, aprender e melhorar a cada ciclo sem esperar pelo resultado excelente logo no primeiro momento. O importante é conhecer os princípios e iniciar. A excelência virá com a prática!

Outro método muito utilizado, fácil para iniciar e com grande potencial é o Kanban, que “combina a quantidade do trabalho em andamento (WIP) com a capacidade da equipe e proporciona um planejamento mais flexível, saída mais rápida, foco mais claro e transparência ao longo do ciclo de entregas”.

Por isso é importante pesquisar e entender qual é o melhor método para cada área e processo da organização.

É comum começar com um, aprender e evoluir para outro. Como no caso de times de desenvolvimento de software que começam utilizando Scrum e migram para o Kanban. Não porque um é melhor ou pior que o outro, mas sim por conta de fatores como a maturidade do time, o contexto, o cliente.

Há também os frameworks para escalar os métodos ágeis em grandes empresas, com muitos times. Da mesma forma é comum começar com um (SAFe, LeSS, Nexus) e depois de ganhar maturidade, evoluir para algo mais Lean. O framework, nestes casos, serve como um molde para iniciar, depois que o conceito virou prática, remove-se o molde para ganhar ainda mais agilidade.

Agilidade além da TI

Mas afinal, como métodos ágeis podem tornar áreas além da TI mais produtivas?

Conforme cito no artigo Os mitos que sustentam a ignorância ágil, agilidade não significa somente fazer mais rápido, mas sim evitar o desperdício de fazer mais do que o necessário.

É assim que torna-se possível ganhar produtividade em qualquer área da empresa e até em casa. Identificar e eliminar em cada processo a redundância de informação e o excesso de burocracia motivado pela falta de confiança.

A burocracia sempre será proporcional a falta de confiança.

Dicas para conseguir sair da inércia:

Confie e seja mais produtivo.

Contrate quem possa confiar.

Identifique e anule os sabotadores velados.

Esteja próximo dos influenciadores.

Além disso, é necessário gerenciar o fluxo e não somente atividades individuais tentando desesperadamente maximizar a eficiência local, como dito antes. Deve-se manter uma dinâmica de transparência, inspeção e adaptação a cada ciclo, buscando um processo de melhoria contínua, como orienta o Scrum, sem sobrecarga.

Expondo a Ferida

A maior dificuldade para colocar isso tudo em prática é a pesada rotina das áreas, onde todos são consumidos diariamente pela operação e não encontram tempo para respirar, refletir e evoluir. A melhoria contínua é praticamente anulada pelas atividades do dia a dia. E práticas inovadoras ficam dependentes de iniciativas isoladas dos heróis incomodados e inconformados.

É aqui que ouvimos as famosas frases “não posso parar agora”, “estou sem tempo para pensar em melhoria”, “nós sempre fizemos assim”, “isso só funciona para empresas pequenas”. Parece ironia, mas aposto que você já ouviu uma destas frases em tom sério.

Obviamente esse comportamento cria um problema cíclico, onde não há tempo para melhorar os processos por causa da rotina, que justamente é pesada por causa do processo, por não haver um momento de inspeção para identificar os pontos de melhoria e espaço para adaptar o que deve ser feito diferente. É preciso assumir o risco e ter coragem para quebrar esse ciclo, dar um passo atrás e investir em melhoria para permitir aprimorar a execução.

Quando falamos de Gestão de Pessoas, um dos principais objetivos é, sem dúvidas, satisfazer as pessoas — seus “clientes”, os gestores e demais colaboradores da empresa. Um meio de conseguir isso é contratando pessoas incríveis para lidar com pessoas, capacitando e também contando com o apoio da tecnologia, através de ferramentas inovadoras que prometem automatizar muitos dos processos operacionais. Porém o mais importante não é observado, que são os processos. Pouco adianta pessoas gabaritadas, com expertise de primeiro mundo, ferramentas inovadoras, mas com processos jurássicos, e o pior de tudo é forçar essa adaptação. São peças de quebra-cabeças distintos, não se encaixam e mesmo que se encaixem não fará sentido algum.

Atualize seus processos assim como a tecnologia que utiliza, para conseguir aproveitar melhor o tempo e o conhecimento das pessoas incríveis e reverter esse trabalho em resultado para a empresa.

O Novo RH

Seja lá qual for o nome bonito da área que cuida dos colaboradores e da organização, ela precisa ter sua atuação cada vez mais focada na estratégia da empresa do que ser somente uma área operacional, responsável pelo cumprimento da legislação trabalhista e afundada em processos pesados.

Além disso, precisa adaptar-se para conduzir a sua própria transformação digital e apoiar as demais áreas, pensar estrategicamente para contribuir com o futuro da organização e em quais competências serão necessárias para atingir esse objetivo. E outro aspecto importante que deve ser considerado é a experiência do colaborador, que se torna cliente da marca e patrocinador das mudanças no processo de evolução do modelo de gestão. O quanto os colaboradores estão felizes como parceiros da empresa em que trabalham?

Com base nessa abordagem sugiro criar o Manifesto Ágil do RH, para orientar as ações, alinhar o propósito da área e compartilhar com toda a empresa, de maneira simples, sem muito texto, apenas com os quatro valores abaixo:

Foco na estratégia mais que atividades operacionais

Visão longo prazo mais que somente tarefas diárias

Transformação digital mais que processos manuais

Experiência do colaborador mais que somente cumprir a legislação

Mesmo considerando haver valor nos itens à direita, a intenção é priorizar aqueles à esquerda.

O Novo RH precisa aproveitar melhor o seu tempo para de fato contribuir com o resultado da empresa, e é aqui que métodos ágeis podem contribuir.

Fácil falar, mas como começar?

Toda mudança exige coragem em assumir riscos. Essa coragem deve ser fortalecida por aquilo que está incomodando. Não é fazendo mais do mesmo que teremos resultados diferentes, é fazendo diferente.

Tudo começa com a pergunta “O que se quer resolver?”.

A seguir apresento algumas dicas de como iniciar essa jornada, sem maiores impactos. Adapte essas dicas a sua realidade e faça tudo no seu tempo.

#1 Aprenda

Estude a metodologia ágil, seus valores e princípios. Na agilidade não há mágica. Procure identificar qual método faz mais sentido para a sua realidade. Se o resultado esperado não está aparecendo, talvez a prática não está acontecendo como deveria. Não basta aplicar por si só, deve-se fazer certo entendendo os motivos e acompanhar para manter o processo evolutivo. Se for para errar, que seja rápido. Mude sempre que precisar e fizer sentido.

Estude para adquirir conhecimento e poder argumentar e combater as dúvidas que irão surgir, principalmente dos mais resistentes, que o atacaram explicitamente. Tenha paciência e esteja preparado para os conflitos.

#2 Empodere

Não adianta praticar agilidade na base do comando e controle, por imposição. Tudo que é imposto não engaja. Basta perceber como a palavra “imposto” soa de forma negativa.

Alguém deve puxar essa mudança, na base da confiança plena, com autonomia e conhecimento para aplicar certo e envolver quem for necessário. Empodere um agente da mudança e acompanhe os resultados.

#3 Observe

Entenda as suas necessidades, cada processo de negócio da sua área. Faça o mapeamento do fluxo de valor (VSM) de cada processo e obtenha o coeficiente de eficiência do fluxo. Identifique os pontos de gargalo, falta de confiança, redundância e ruídos. Elimine tudo aquilo que não irá agregar valor ao seu cliente.

Conhecer bem o estado atual para conseguir projetar o estado futuro é fundamental.

#4 Envolva

Envolva as pessoas para promover o engajamento. Dê autonomia com responsabilidade para conquistar a confiança. E favoreça a interação entre as pessoas, pois esta é a forma mais eficaz de comunicação.

Evite realizar reuniões para discussão, somente quando realmente fizer sentido, como em um momento inicial, de brainstorming. Quando for necessário, busque apoio individualmente e faça reuniões para expor o resultado. Dessa forma será mais fácil convencer aqueles mais resistentes a mudanças.

Se ainda houver muita resistência, promova pilotos como forma de testar a dinâmica. Assim será possível convencer através dos resultados obtidos ou partir para outra solução, com fatos e dados.

Lembre-se que quando há resistência a mudança, significa que a mudança já está ocorrendo.

#5 Comece

Dê o primeiro passo sem esperar pelo resultado excelente no primeiro momento. O importante é manter o ciclo de melhoria contínua. Erre, mas que seja rápido. Os erros ajudando a fortalecer o processo.

Comece pequeno, faça um piloto — como dito antes — em uma determinada área, antes de promover uma grande virada para toda a empresa. Seja sensato, apesar de tudo.

Por onde começar?

Um dos processos de negócio da área de RH que considero mais fácil de praticar agilidade é o recrutamento e seleção, gerenciando todo o fluxo desde a tratativa da vaga, passando por todas as etapas do processo seletivo até a efetivação do candidato.

É possível dar transparência a cada etapa e suas atividades, incentivar a interação de todos os envolvidos e focar nas atividades prioritárias para conseguir ter saídas mais rápidas.

Assim aprende-se a usar os métodos para aplicar em outro processo, de forma empírica, avaliando cada ciclo para mudar o que não está dando certo e manter o que está funcionando.

E por fim, Lean-Agile não é somente para desenvolvimento de software. Pode ser praticado em qualquer área!

--

--