O Trabalho da Liderança

Texto traduzido e adaptado — Harvard Business Review

Amanda Gauss
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28 min readJan 11, 2024

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Às vezes, um estudo surge e revoluciona o pensamento convencional sobre um assunto, não virando-o de cabeça para baixo, mas do avesso. É exatamente o que acontece com este artigo marcante de Ronald Heifetz e Donald Laurie, publicado em janeiro de 1997.

Os autores não apenas introduzem o conceito inovador de mudança adaptativa — o tipo de mudança que ocorre quando pessoas e organizações são forçadas a se ajustar a um ambiente radicalmente alterado — mas também desafiam a compreensão tradicional da relação líder-seguidor.

Segundo o pensamento convencional, os líderes são como pastores, protegendo seu rebanho de ambientes hostis. Mas não é isso que os autores defendem. Líderes que verdadeiramente se importam com seus seguidores os expõem à dolorosa realidade de sua condição e exigem que eles elaborem uma resposta. Em vez de dar aos indivíduos a falsa garantia de que seu melhor é suficiente, os líderes insistem para que as pessoas superem a si mesmas.

Em vez de resolver conflitos superficialmente, os líderes trazem disputas à tona. Ao demonstrar a sinceridade que incentiva nos líderes, os autores não mascaram os custos emocionais da mudança adaptativa. Poucas pessoas provavelmente agradecerão ao líder por provocar ansiedade e revelar conflitos. No entanto, líderes que cultivam a fortaleza emocional logo aprendem o que podem alcançar ao priorizar o bem-estar de seus seguidores em vez do conforto destes.

Para permanecer vivo, Jack Pritchard teve que mudar sua vida. O cirurgião cardíaco informou que a cirurgia de ponte de safena e a medicação poderiam ajudar, mas nenhuma solução técnica poderia liberar Pritchard de sua própria responsabilidade por mudar os hábitos de toda uma vida.Ele precisava parar de fumar, melhorar sua dieta, fazer exercícios e reservar tempo para relaxar, lembrando-se de respirar mais profundamente a cada dia. O médico de Pritchard poderia fornecer conhecimento técnico sustentável e tomar ações de apoio, mas somente Pritchard poderia adaptar seus hábitos enraizados para melhorar sua saúde a longo prazo. Enquanto o médico encarava o desafio de incentivar o paciente a realizar mudanças comportamentais cruciais, Jack Pritchard enfrentava a tarefa adaptativa de identificar quais mudanças específicas fazer e como incorporá-las à sua rotina diária.

As empresas atualmente enfrentam desafios semelhantes aos que confrontaram Pritchard e seu médico. Elas enfrentam desafios adaptativos. As mudanças nas sociedades, nos mercados, nos clientes, na concorrência e na tecnologia ao redor do mundo estão obrigando as organizações a clarificar seus valores, desenvolver novas estratégias e aprender novas formas de operar. Muitas vezes, a tarefa mais difícil para os líderes ao efetuar mudanças é mobilizar pessoas em toda a organização para realizarem trabalho adaptativo.

O trabalho adaptativo é necessário quando nossas crenças profundamente arraigadas são desafiadas, quando os valores que nos levaram ao sucesso se tornam menos relevantes e quando perspectivas legítimas, porém concorrentes, surgem. Enfrentamos desafios adaptativos todos os dias em todos os níveis do ambiente de trabalho — seja durante reestruturações, desenvolvimento ou implementação de estratégias, ou fusões empresariais. Encontramos desafios adaptativos quando o marketing enfrenta dificuldades para trabalhar com operações, quando equipes multifuncionais não colaboram bem, ou quando executivos seniores reclamam: “Não parecemos capazes de executar efetivamente”. Problemas adaptativos frequentemente são problemas sistêmicos sem respostas prontas.

Mobilizar uma organização para adaptar seus comportamentos, a fim de prosperar em novos ambientes de negócios, é crucial. Sem uma mudança desse tipo, qualquer empresa hoje teria dificuldades. De fato, motivar as pessoas a realizarem trabalho adaptativo é o sinal de liderança num mundo competitivo. No entanto, para a maioria dos altos executivos, oferecer liderança, e não apenas expertise autoritária, é extremamente desafiador. Por quê? Vemos duas razões. Primeiramente, para efetuar essa mudança, os executivos precisam romper com um padrão de comportamento estabelecido: o de fornecer liderança na forma de soluções. Essa inclinação é natural, já que muitos executivos alcançam posições de autoridade devido à sua competência em assumir responsabilidades e resolver problemas. No entanto, quando uma empresa enfrenta um desafio adaptativo, a responsabilidade de solucionar problemas precisa ser compartilhada com sua equipe.

As respostas para desafios adaptativos não estão na sala dos executivos, mas na inteligência coletiva dos funcionários em todos os níveis, que precisam se apoiar mutuamente como recursos, muitas vezes ultrapassando barreiras, e descobrir em conjunto essas soluções.

Em segundo lugar, a mudança adaptativa é angustiante para as pessoas que passam por ela. Elas precisam assumir novos papéis, novos relacionamentos, novos valores, novos comportamentos e novas abordagens no trabalho. Muitos funcionários têm sentimentos ambíguos em relação aos esforços e sacrifícios exigidos. Frequentemente, eles esperam que o executivo sênior resolva os problemas por eles. Porém, essas expectativas precisam ser desfeitas. Em vez de cumprir a expectativa de oferecer respostas, os líderes precisam fazer perguntas difíceis. Em vez de proteger as pessoas de ameaças externas, os líderes devem permitir que elas sintam a pressão da realidade para estimulá-las a se adaptarem. Em vez de direcionar as pessoas para seus papéis atuais, os líderes devem desafiar esses papéis para permitir o surgimento de novos relacionamentos. Em vez de evitar conflitos, os líderes precisam expor as questões. Em vez de manter as regras habituais, os líderes devem questionar como conduzimos nossos negócios e ajudar os outros a separar os valores essenciais das práticas antigas que não são mais eficazes.

Baseando-nos em nossa experiência com gestores de todo o mundo, oferecemos seis princípios para liderar o trabalho adaptativo: “subir para o terraço”, ou seja, observar de uma posição mais distante, identificar o desafio adaptativo, regular o desconforto, manter uma atenção disciplinada, delegar o trabalho às pessoas e proteger as vozes de liderança de baixo para cima. Nós ilustramos esses princípios com um exemplo de mudança adaptativa na KPMG Holanda, uma empresa de serviços profissionais.

Subir para o Terraço

A grandeza de Earvin Johnson em liderar sua equipe de basquete veio em parte de sua habilidade de jogar intensamente enquanto mantinha a visão geral da situação do jogo, como se estivesse em uma cabine de imprensa ou em uma sacada acima do campo de jogo. Bobby Orr jogava hóquei de maneira similar. Outros jogadores podem não perceber os padrões mais amplos do jogo tão rapidamente quanto jogadores como Johnson e Orr, pois estão tão imersos na partida que acabam se deixando levar por ela. Eles se concentram no movimento rápido, no contato físico, no barulho da torcida e na pressão para executar. No contexto esportivo, muitos jogadores simplesmente podem não identificar quem está livre para receber uma bola, quem está falhando em bloquear um adversário, ou como a defesa e o ataque se complementam. Jogadores como Johnson e Orr prestam atenção a esses detalhes e usam suas observações para orientar suas ações.

Os líderes de negócios precisam ter uma visão ampla das situações, como se estivessem observando de uma posição mais afastada, para entender os padrões de comportamento da empresa. Não é produtivo se envolver demais apenas na ação imediata. Eles devem proporcionar aos funcionários uma compreensão profunda da história da empresa, enfatizando o que funcionou bem no passado, ao mesmo tempo em que entendem as forças do mercado no presente e incentivam a responsabilidade das pessoas em moldar o futuro. Os líderes devem identificar conflitos internos sobre valores e poder, reconhecer comportamentos de evasão de responsabilidades e observar outras reações que surgem durante a mudança.

Sem a capacidade de se distanciar um pouco e refletir constantemente sobre como os hábitos da organização podem impedir a adaptação, um líder pode facilmente se tornar sem perceber prisioneiro do próprio sistema. As mudanças adaptativas são tão complexas que é difícil acompanhar e influenciar se os líderes permanecerem apenas focados na situação imediata.

Encontramos vários líderes, alguns mencionados neste artigo, que conseguem reservar tempo importante para analisar a situação de forma mais abrangente, como se estivessem em uma posição mais elevada, enquanto orientam suas organizações durante mudanças. Sem essa perspectiva, provavelmente teriam dificuldades em motivar as pessoas para realizar trabalhos adaptativos. Ter essa visão mais abrangente é, portanto, essencial para aplicar os próximos cinco princípios.

Identificar o Desafio Adaptativo

Quando um leopardo ameaça um grupo de chimpanzés, raramente consegue capturar um membro isolado. Os chimpanzés sabem como responder a esse tipo de ameaça. Porém, quando um homem com um rifle automático se aproxima, as respostas habituais falham. Os chimpanzés correm o risco de extinção em um mundo de caçadores, a menos que descubram como neutralizar essa nova ameaça. Da mesma forma, quando as empresas não conseguem aprender rapidamente a se adaptar a novos desafios, é provável que enfrentem sua própria forma de extinção.

Pense na famosa situação da British Airways. Ao notar as mudanças revolucionárias na indústria aérea nos anos 1980, o CEO na época, Colin Marshall, viu nitidamente a necessidade de mudar uma companhia aérea conhecida entre seus próprios passageiros como extremamente desagradável, transformando-a em um exemplo de excelência no atendimento ao cliente. Ele também compreendia que essa ambição exigiria, mais do que qualquer outra coisa, mudanças nos valores, práticas e relacionamentos por toda a empresa. Uma organização cujos funcionários se apegavam a departamentos isolados e valorizavam mais agradar seus chefes do que satisfazer os clientes não poderia se tornar a companhia aérea favorita do mundo. Marshall precisava de uma organização dedicada a servir às pessoas, baseada na confiança, respeitando o indivíduo e promovendo o trabalho em equipe independentemente de fronteiras. Os valores precisavam mudar em toda a British Airways. As pessoas tinham que aprender a colaborar e a desenvolver um senso coletivo de responsabilidade pela direção e desempenho da companhia aérea. Marshall identificou o desafio adaptativo essencial: criar confiança em toda a organização. Ele foi um dos primeiros executivos que conhecemos a priorizar “criar confiança”.

Para liderar a British Airways, Marshall teve que fazer com que sua equipe executiva entendesse a natureza da ameaça criada por clientes insatisfeitos: Representava um desafio técnico ou adaptativo? Seriam suficientes conselhos especializados e ajustes técnicos dentro das rotinas básicas, ou as pessoas em toda a empresa teriam que aprender maneiras diferentes de fazer negócios, desenvolver novas competências e começar a trabalhar coletivamente? Marshall e sua equipe se empenharam em diagnosticar de forma mais detalhada os desafios da organização. Eles buscaram informações em três lugares. Primeiro, ouviram as ideias e preocupações das pessoas dentro e fora da organização — encontrando-se com tripulações em voos, comparecendo ao centro de reservas com 350 funcionários em Nova York e circulando pela área de manuseio de bagagens em Tóquio, ou visitando o lounge de passageiros em qualquer aeroporto onde estivessem. As perguntas principais eram: Quais valores, crenças, atitudes ou comportamentos teriam que mudar para que o progresso ocorresse? Que mudanças de prioridades, recursos e poder eram necessárias? Que sacrifícios teriam que ser feitos e por quem?

Segundo, Marshall e sua equipe interpretavam os conflitos como sinais — manifestações dos desafios adaptativos. As divergências entre as áreas eram apenas aspectos superficiais; era necessário diagnosticar os verdadeiros conflitos.Questões aparentemente técnicas, como procedimentos, horários e autoridades, escondiam, na verdade, embates mais profundos relacionados a valores e normas.

Na terceira etapa, Marshall e sua equipe se autoavaliaram, percebendo que refletiam os desafios adaptativos da organização. No início da transformação da British Airways, valores e normas em conflito se manifestavam na equipe executiva de maneira prejudicial, afetando a capacidade do restante da empresa de colaborar entre diferentes áreas e unidades, e de fazer as escolhas necessárias. Nenhum executivo pode se esconder do fato de que sua equipe reflete o melhor e o pior dos valores e normas da empresa, sendo assim um exemplo que oferece insights sobre a natureza do trabalho adaptativo futuro.

Portanto, identificar o desafio adaptativo foi crucial na tentativa da British Airways de se tornar a companhia aérea favorita do mundo. Para que a estratégia fosse bem-sucedida, os líderes da empresa precisavam compreender a si mesmos, suas equipes e as possíveis fontes de conflito. Marshall reconheceu que o próprio desenvolvimento estratégico demanda trabalho adaptativo.

Regular o desconforto

O trabalho adaptativo gera desconforto. Antes de direcionar as pessoas para desafios para os quais não existem soluções prontas, um líder precisa compreender que as pessoas só podem aprender até certo ponto e em determinado ritmo. Ao mesmo tempo, elas devem sentir a necessidade de mudança à medida que a realidade apresenta novos desafios. Elas não conseguem aprender novas formas quando estão sobrecarregadas, mas eliminar todo o estresse remove o estímulo para realizar trabalho adaptativo. Porque um líder deve encontrar um equilíbrio delicado entre fazer com que as pessoas sintam a necessidade de mudar e evitar sobrecarregá-las com mudanças, o papel de liderança é como uma lâmina afiada.

Um líder deve dedicar atenção a três tarefas fundamentais para ajudar a manter um nível produtivo de tensão. Seguir essas tarefas permitirá que ele motive as pessoas sem desabilitá-las.

1. O líder deve criar o que pode ser chamado de um ambiente de contenção.

Usando a analogia de uma panela de pressão, um líder precisa regular a pressão, aumentando o calor, mas também permitindo que parte do vapor escape. Se a pressão exceder a capacidade da panela, ela pode explodir. No entanto, nada cozinha sem um certo calor.

Nas fases iniciais de uma mudança corporativa, o ambiente de contenção pode ser um “espaço” temporário no qual um líder cria condições para que grupos diversos possam dialogar sobre os desafios que enfrentam, discutir e debater questões e esclarecer as suposições por trás de perspectivas e valores concorrentes. Com o tempo, mais questões podem ser introduzidas conforme se tornam pertinentes. Na British Airways, por exemplo, a transição de um foco interno para um foco no cliente ocorreu ao longo de quatro ou cinco anos e abordou questões importantes sequencialmente: formação de uma equipe executiva confiável, comunicação em uma organização altamente fragmentada, estabelecimento de novos critérios de desempenho e remuneração, e desenvolvimento de sistemas de informação avançados. Durante esse período, funcionários em todos os níveis aprenderam a identificar o que e como precisavam mudar.

Então, um líder precisa sequenciar e determinar o ritmo do trabalho. Com muita frequência, gestores sêniores transmitem a ideia de que tudo é importante. Eles iniciam novas iniciativas sem interromper outras atividades, ou começam muitas iniciativas ao mesmo tempo. Eles sobrecarregam e desorientam exatamente as pessoas que precisam assumir a responsabilidade pelo trabalho.

2. O líder é responsável pela direção, proteção, orientação, gestão de conflitos e definição de normas.

O cumprimento dessas responsabilidades é importante também para um gerente em situações técnicas ou rotineiras. No entanto, um líder envolvido em trabalho adaptativo utiliza sua autoridade para cumpri-las de maneira diferente. Um líder oferece direção ao identificar o desafio adaptativo da organização e apresentar as principais perguntas e questões. Um líder protege as pessoas ao gerenciar o ritmo da mudança. Um líder orienta as pessoas para novos papéis e responsabilidades ao esclarecer as realidades comerciais e os valores-chave. Um líder ajuda a expor conflitos, vendo-os como o motor da criatividade e aprendizado. Por fim, um líder ajuda a organização a manter as normas que devem perdurar e desafiar aquelas que precisam ser modificadas.

3. O líder deve ter presença e equilíbrio.

Regular o desconforto é talvez o trabalho mais difícil de um líder. As pressões para restaurar o equilíbrio são enormes. Assim como moléculas batem fortemente contra as paredes de uma panela de pressão, as pessoas colidem com líderes que estão tentando sustentar as pressões de um trabalho difícil e repleto de conflitos. Embora a liderança exija uma compreensão profunda da dor da mudança — dos medos e sacrifícios associados a uma grande readequação — também requer a capacidade de manter a firmeza e manter a tensão. Caso contrário, a pressão escapa e o estímulo para o aprendizado e mudança é perdido.

Um líder precisa ter a capacidade emocional de tolerar incerteza, frustração e dor. Ele deve ser capaz de fazer perguntas difíceis sem ficar excessivamente ansioso. Funcionários, colegas e clientes observarão cuidadosamente as pistas verbais e não verbais da capacidade de um líder de se manter firme. Ele precisa comunicar confiança de que ele e eles podem enfrentar as tarefas que estão por vir.

Manter a Atenção Disciplinada

Pessoas diferentes dentro da mesma organização trazem consigo experiências, pressupostos, valores, crenças e hábitos diversos para o seu trabalho. Essa diversidade é valiosa, pois a inovação e a aprendizagem surgem das diferenças. Ninguém aprende algo novo sem estar aberto a pontos de vista contrastantes. Contudo, muitas vezes os gerentes em todos os níveis se mostram relutantes — ou incapazes — de lidar coletivamente com as perspectivas concorrentes. Eles frequentemente evitam prestar atenção a questões que os perturbam e restauram rapidamente o equilíbrio, muitas vezes com manobras para evitar o trabalho. Um líder precisa fazer com que os funcionários confrontem escolhas difíceis relacionadas a valores, procedimentos, estilos operacionais e poder.

A realidade é a mesma tanto no topo da organização quanto em níveis inferiores. Se a equipe executiva não for capaz de demonstrar como executar o trabalho adaptativo, a organização inteira sofrerá. Se os gestores de nível sênior não conseguirem abordar e resolver questões decisivas, como é que os funcionários em outros níveis da organização mudarão seus comportamentos e ajustarão suas relações? Como bem disse Jan Carlzon, o lendário CEO da Scandinavian Airlines System (SAS), ‘Um dos desafios mais fascinantes da liderança é conseguir que as pessoas da equipe executiva se ouçam e aprendam uns com os outros. Por meio do debate, as pessoas podem encontrar soluções coletivas quando compreendem os pressupostos uns dos outros. O papel do líder é trazer os conflitos à tona e utilizá-los como fonte de criatividade”

Como a evasão de trabalho é comum nas organizações, um líder precisa combater distrações que impeçam as pessoas de lidar com questões adaptativas. Culpar, negar, concentrar-se apenas nos problemas técnicos atuais ou atacar indivíduos em vez das perspectivas que representam — todas essas formas de evasão de trabalho são esperadas quando uma organização enfrenta desafios adaptativos. É fundamental identificar as distrações quando surgem para que as pessoas possam recuperar o foco.

Durante o processo de regular o desconforto das pessoas, um líder encara diversas responsabilidades-chave e pode ter que utilizar sua autoridade de maneira diferente, dependendo do tipo de situação de trabalho.

Quando um conflito substitui o diálogo, um líder precisa intervir e direcionar a equipe para reestruturar as questões. É necessário aprofundar o debate por meio de questionamentos, desmembrando os problemas em partes, ao invés de permitir que o conflito fique polarizado e superficial. Se as pessoas se concentram em culpar fatores externos, a alta gerência ou uma carga de trabalho intensa, um líder precisa reforçar o senso de responsabilidade da equipe para encontrar tempo e seguir adiante. Quando a equipe se fragmenta e os indivíduos se preocupam apenas com seu território, os líderes precisam mostrar a importância da colaboração. É fundamental que todos percebam o valor de consultar uns aos outros e se apoiarem mutuamente no processo de solução de problemas. Por exemplo, um CEO que conhecemos utiliza reuniões executivas, mesmo aquelas focadas em questões operacionais e técnicas, como oportunidades para ensinar à equipe como trabalhar de forma colaborativa em problemas adaptativos.

Claro, apenas poucos gestores têm a intenção de evitar o trabalho adaptativo. Em geral, as pessoas se sentem ambivalentes em relação a isso. Embora queiram progredir em problemas difíceis ou viver de acordo com valores renovados, também desejam evitar o desconforto. Assim como milhões de cidadãos dos EUA querem reduzir o déficit orçamentário federal, mas não querem abrir mão de seus impostos, benefícios ou empregos, da mesma forma, os gestores podem considerar o trabalho adaptativo uma prioridade, mas têm dificuldade em sacrificar suas maneiras familiares de fazer negócios. As pessoas precisam de liderança para ajudá-las a manter o foco nas questões difíceis. A atenção disciplinada é a moeda da liderança.

Delegar o trabalho para as pessoas

Cada colaborador na empresa tem acesso a informações específicas de acordo com a sua posição dentro da organização. Cada um pode identificar diferentes necessidades e oportunidades. Aqueles que percebem mudanças precoces no mercado frequentemente estão nos limites da organização. Porém, esta se beneficiará ao utilizar essas informações para embasar suas decisões táticas e estratégicas. Quando as pessoas não agem com base nesse conhecimento especial, as empresas falham em se adaptar.

Com frequência, as pessoas se voltam para a hierarquia esperando que a liderança sênior lide com os desafios do mercado, embora esses desafios sejam de sua própria responsabilidade. De fato, as dificuldades mais intensas e duradouras associadas ao trabalho adaptativo agravam essa dependência. As pessoas tendem a se tornar passivas e os executivos mais experientes, que se orgulham de resolver problemas, tomam ações decisivas. Essa abordagem restaura a estabilidade a curto prazo, mas, ao longo do tempo, resulta em complacência e em hábitos de evasão do trabalho que protegem as pessoas da responsabilidade, do desconforto e da necessidade de mudança.

Fazer com que as pessoas assumam mais responsabilidade não é fácil. Muitos funcionários de níveis mais baixos não apenas se sentem confortáveis sendo direcionados, mas muitos gestores estão acostumados a tratar os subordinados como se fossem máquinas que precisam de controle. Permitir que as pessoas assumam a iniciativa na definição e solução de problemas significa que a gestão precisa aprender a apoiar em vez de controlar. Os trabalhadores, por sua vez, precisam aprender a assumir responsabilidades.

Jan Carlzon incentivou a tomada de responsabilidade na SAS ao confiar nos outros e descentralizar a autoridade. Um líder precisa permitir que as pessoas carreguem o peso da responsabilidade. “A chave é deixá-las descobrir o problema”, disse ele. “Você não terá sucesso se as pessoas não carregarem o reconhecimento do problema e da solução dentro delas mesmas.” Para isso, Carlzon buscou um engajamento amplo.

Por exemplo, nos dois primeiros anos à frente da SAS, Carlzon investiu até metade do seu tempo comunicando-se diretamente em reuniões amplas e, de maneira indireta, explorando uma variedade de métodos inovadores: workshops, sessões de brainstorming, atividades de aprendizado, newsletters, panfletos e exposição na mídia pública. Ele exemplificou, através de uma série de gestos simbólicos — como a eliminação da sala de jantar executiva, assim como a de milhares de páginas de manuais e guias — o quão dominantes as regras haviam se tornado na empresa. Tornou-se uma presença constante, interagindo e ouvindo pessoas dentro e fora da organização. Além disso, escreveu o livro ‘Moments of Truth’ (Harper Collins, 1989) para compartilhar seus valores, filosofia e estratégias. Como Carlzon salientou: ‘Se mais ninguém lesse, ao menos minha equipe o faria’.”

Um líder também deve desenvolver a autoconfiança coletiva. Novamente, Carlzon expressou isso de maneira precisa: ‘As pessoas não nascem com autoconfiança. Mesmo as mais seguras de si podem se abalar. A autoconfiança vem do sucesso, da experiência e do ambiente da organização. O papel mais importante do líder é estimular confiança nas pessoas. Elas precisam se atrever a correr riscos e assumir responsabilidades. E é fundamental apoiá-las caso cometam erros.’

Proteger vozes da liderança de baixo para cima

Dar voz a todas as pessoas é fundamental para uma organização que está aberta a experimentar e aprender. No entanto, é comum que pessoas com ideias originais e outros indivíduos criativos sejam silenciados e ignorados no ambiente organizacional. Essas vozes disruptivas tendem a gerar desconforto, e a maneira mais simples para uma organização recuperar sua estabilidade é suprimir essas vozes, muitas vezes justificando isso em nome do trabalho em equipe e da ‘harmonia’.

As perspectivas das pessoas em diferentes níveis frequentemente não são tão claras quanto desejamos.Às vezes, falar fora da sua posição gera insegurança e, para ser ouvido, pode ser necessário expressar opiniões com muita emoção. Isso, no entanto, torna mais difícil comunicar-se bem. Muitas vezes, escolhem o momento ou lugar errado para falar, e não usam os canais de comunicação apropriados. Porém, mesmo em uma intervenção mal apresentada, pode haver uma ideia valiosa que merece ser considerada. Descartar essa contribuição devido ao momento inadequado, falta de clareza ou parecer pouco razoável significa perder informações importantes e desmotivar potenciais líderes na organização.

Isso é o que aconteceu com David, um gerente em uma grande empresa de manufatura. Ele ouviu quando seus superiores encorajaram as pessoas a procurarem por problemas, falarem abertamente e assumirem responsabilidades. Então ele levantou uma questão sobre um dos projetos favoritos do CEO — um problema que foi considerado “muito delicado” e que havia sido ignorado por anos. Todos entenderam que não estava aberto para discussão, mas David sabia que prosseguir com o projeto poderia prejudicar ou desviar elementos-chave da estratégia global da empresa. Ele trouxe a questão diretamente em uma reunião com seu chefe e o CEO. Ele apresentou uma descrição clara do problema, uma análise de perspectivas concorrentes e um resumo das consequências de continuar com o projeto.

O CEO interrompeu a discussão com raiva e reforçou os aspectos positivos de seu projeto favorito. Quando David e seu chefe saíram da sala, seu chefe explodiu: “Quem você pensa que é, com essa atitude de superioridade?” Ele insinuou que David nunca havia gostado do projeto favorito do CEO porque David não havia tido a ideia por si próprio. O assunto foi encerrado.

David tinha um conhecimento maior na área do projeto do que seu chefe ou o CEO. No entanto, seus superiores não demonstraram curiosidade, nenhum esforço para investigar o raciocínio de David, e não tiveram consciência de que ele estava agindo de forma responsável, com os interesses da empresa em mente. Rapidamente ficou claro para David que era mais importante entender o que importava para o chefe do que focar nos problemas reais. O CEO e o chefe de David juntos sufocaram a visão de um líder de uma posição inferior e, assim, minaram seu potencial de liderança na organização. Ele deixaria a empresa ou nunca mais iria contra o senso comum.

Os líderes precisam contar com outros dentro do negócio para levantar questões que possam indicar um desafio adaptativo iminente. Eles devem dar apoio às pessoas que apontam as contradições internas da empresa. Esses indivíduos frequentemente têm a perspectiva para provocar um novo pensamento que as pessoas em autoridade não têm. Assim, como uma regra geral, quando as figuras de autoridade sentem a urgência reflexiva de olhar fixamente ou de outra forma silenciar alguém, elas devem resistir. A vontade de restaurar o equilíbrio social é bastante poderosa e vem rapidamente. É preciso se acostumar a se afastar, atrasar o impulso e perguntar: sobre o que essa pessoa realmente está falando? Há algo que estamos perdendo?

Realizando trabalho adaptativo na KPMG Holanda

A KPMG Holanda, reconhecida por seu sucesso, exemplifica como uma empresa pode enfrentar desafios adaptativos. Em 1994, Ruud Koedijk, presidente da empresa, identificou um desafio estratégico. Apesar de ser líder na indústria holandesa de auditoria, consultoria e preparação de impostos e apresentar alta rentabilidade, a firma estava enfrentando limitações nas oportunidades de crescimento nos segmentos em que atuava. As margens de lucro no setor de auditoria estavam sendo pressionadas devido à saturação do mercado, e a concorrência na área de consultoria estava aumentando. Koedijk reconheceu a necessidade de explorar áreas de crescimento mais rentáveis, mas não tinha clareza sobre quais seriam essas áreas ou como a KPMG poderia identificá-las.

Koedijk e seu conselho estavam confiantes de que possuíam as ferramentas para realizar o trabalho estratégico analítico: analisar tendências e descontinuidades, compreender as competências essenciais, avaliar sua posição competitiva e mapear oportunidades potenciais. Contudo, estavam consideravelmente menos certos de que conseguiriam se comprometer com a implementação da estratégia que surgiria desse trabalho. Historicamente, a parceria resistiu a tentativas de mudança, principalmente porque os sócios estavam satisfeitos com o status quo. Eles haviam sido bem-sucedidos por muito tempo, então não viam motivo para aprender novas formas de fazer negócios, seja com seus colegas sócios ou com alguém de nível inferior na organização. Mudar essa mentalidade dos sócios e seu impacto profundo na cultura organizacional representava um desafio adaptativo enorme para a KPMG.

Koedijk observava de cima que a estrutura da KPMG impedia a mudança. Na realidade, a KPMG era mais uma reunião de pequenos feudos do que uma parceria, onde cada sócio era como um senhor feudal. O sucesso da empresa era o resultado cumulativo de cada um dos sócios individuais, não o resultado unificado de 300 colegas trabalhando juntos para alcançar uma ambição compartilhada. O sucesso era medido estritamente pela rentabilidade de cada unidade. Conforme descrito por um sócio, “Se os números estavam corretos, você era um ‘bom colega’”. Como resultado, um sócio não se intrometia no território do outro, e aprender com os demais era um evento raro. Devido à alta valorização da independência, os confrontos eram raros e os conflitos eram mascarados. Se os sócios queriam resistir a mudanças na empresa como um todo, não rejeitavam o problema diretamente. A expressão operacional era “dizer sim, fazer não”.

Koedijk também sabia que esse senso de autonomia prejudicava o desenvolvimento de novos talentos na KPMG. Os diretores recompensavam seus subordinados por duas coisas: não cometer erros e entregar um alto número de horas faturáveis por semana. O foco não estava na criatividade ou inovação. Os sócios estavam à procura de erros ao revisar o trabalho de seus subordinados, não por novos entendimentos ou insights frescos. Embora Koedijk pudesse vislumbrar os desafios adaptativos enfrentados por sua organização, ele sabia que não podia impor uma mudança comportamental. O que ele poderia fazer era criar condições para que as pessoas descobrissem por si mesmas como precisavam mudar. Ele iniciou um processo para que isso acontecesse.

Para começar, Koedijk convocou uma reunião com os 300 sócios e direcionou sua atenção para a história da KPMG, a realidade atual dos negócios e as questões empresariais que poderiam enfrentar. Em seguida, levantou a questão de como eles mudariam como empresa e pediu suas perspectivas sobre os problemas. Ao iniciar a iniciativa estratégica por meio do diálogo, em vez de céticos, ele construiu confiança entre os parceiros. Com base nessa confiança emergente e em sua própria credibilidade, Koedijk persuadiu os sócios a liberarem 100 parceiros e não parceiros de suas responsabilidades diárias para trabalhar nos desafios estratégicos. Eles dedicariam 60% do tempo por quase quatro meses a esse trabalho.

Koedijk e seus colegas estabeleceram uma equipe de integração estratégica composta por 12 sócios seniores para trabalhar com os 100 profissionais (chamados de “os 100”) de diferentes níveis e disciplinas. Envolvendo pessoas abaixo do cargo de sócio em uma grande iniciativa estratégica era inédito e sinalizava um novo enfoque desde o início: Muitas dessas opiniões nunca haviam sido valorizadas ou procuradas por figuras de autoridade na empresa. Divididos em 14 grupos de trabalho, os 100 iriam atuar em três áreas: avaliando tendências futuras e descontinuidades, definindo competências essenciais e enfrentando os desafios adaptativos da organização. Eles foram instalados em um andar separado, com sua própria equipe de suporte, e estavam livres das regras e regulamentos tradicionais. Hennie Both, diretora de marketing e comunicações da KPMG, assumiu como gerente de projeto.

À medida que o trabalho estratégico começava, os grupos encaravam desafios culturais na KPMG. Por quê? Porque simplesmente não podiam desempenhar suas novas tarefas seguindo as regras antigas. Eles se deparavam com dificuldades quando um forte respeito pelo indivíduo prejudicava a eficácia do trabalho em equipe, quando crenças individuais atrapalhavam discussões genuínas e quando lealdades a unidades específicas impediam a resolução de problemas entre áreas. O problema maior era que os membros dos grupos evitavam conflitos e não conseguiam discutir essas questões. Como resultado, vários grupos não conseguiam realizar o trabalho estratégico necessário.

Para direcionar a atenção para o que precisava mudar, Both auxiliou os grupos a mapearem a cultura que desejavam em comparação com a cultura atual. Eles descobriram que havia muito pouco em comum. Os principais descritores da cultura atual eram: desenvolver visões opostas, exigir perfeição e evitar conflitos. Enquanto isso, as principais características da cultura desejada eram: criar oportunidades para a autorrealização, desenvolver um ambiente acolhedor e manter relações de confiança com os colegas. Ao expressar essa diferença, o desafio adaptativo que Koedijk identificou na KPMG tornou-se tangível para o grupo. Em outras palavras, as pessoas que precisavam mudar finalmente enquadraram o desafio adaptativo para si mesmas: Como a KPMG poderia ter sucesso em uma estratégia baseada em competências que dependia da cooperação entre várias unidades e camadas se seus colaboradores não conseguissem ter sucesso nesses grupos de trabalho? Compreendendo isso, os membros dos grupos poderiam se tornar representantes para o restante da empresa.

Em um nível mais pessoal, cada membro foi solicitado a identificar seu próprio desafio adaptativo. Que atitudes, comportamentos ou hábitos cada um precisava mudar e quais ações específicas ele ou ela tomariam? Quem mais precisava estar envolvido para que a mudança individual se enraizasse? Atuando como treinadores e consultores, os membros dos grupos de trabalho deram uns aos outros feedbacks e sugestões de apoio. Eles aprenderam a confiar, ouvir e aconselhar com genuíno cuidado.

O progresso nessas questões elevou drasticamente o nível de confiança, e os membros dos grupos de trabalho começaram a compreender o que adaptar seu comportamento significava em termos do dia a dia. Eles entenderam como identificar uma questão adaptativa e desenvolveram uma linguagem para discutir o que precisavam fazer para aprimorar sua habilidade coletiva de resolver problemas. Conversavam sobre diálogo, evitação do trabalho e utilização da inteligência coletiva do grupo. Sabiam como chamar a atenção um do outro sobre comportamentos disfuncionais. Tinham começado a desenvolver a cultura necessária para implementar a nova estratégia de negócios.

O avanço nesses assuntos significou um aumento considerável na confiança entre os membros da equipe, ajudando-os a compreender o significado prático de adaptar seus comportamentos no dia a dia. Eles compreenderam como identificar um problema adaptativo e desenvolveram uma linguagem para discutir o que precisavam fazer para aprimorar sua capacidade coletiva de resolver problemas. Conversaram sobre diálogo, evitação de trabalho e uso da inteligência coletiva do grupo. Sabiam como apontar comportamentos disfuncionais uns nos outros. Tinham começado a desenvolver a cultura necessária para implementar a nova estratégia de negócios.

Apesar das conquistas cruciais para desenvolver um entendimento coletivo do desafio adaptativo, regular o nível de estresse foi uma preocupação constante para Koedijk, a diretoria e Both. A natureza do trabalho era estressante. O trabalho estratégico implica tarefas amplas com instruções limitadas; na KPMG, as pessoas estavam acostumadas com tarefas altamente estruturadas. O trabalho estratégico também exige criatividade. Em uma reunião matinal, um membro da diretoria subiu em uma mesa para desafiar o grupo a ser mais criativo e descartar antigas regras. Esse comportamento radical e inesperado elevou ainda mais o nível de estresse: nunca antes alguém havia visto um sócio se comportar dessa maneira. As pessoas perceberam que sua experiência de trabalho as havia preparado apenas para realizar tarefas rotineiras com pessoas ‘como elas’ de suas próprias unidades.

O processo permitia o conflito e direcionava a atenção das pessoas para as questões difíceis, ajudando-as a aprender a lidar com o conflito de forma construtiva. Mas a tensão era mantida em uma faixa tolerável de algumas das seguintes maneiras:

  • Em uma ocasião em que as tensões estavam excepcionalmente altas, os 100 foram reunidos para expressar suas preocupações ao conselho em uma reunião no estilo Oprah Winfrey. O conselho sentou-se no centro de um auditório e respondeu a perguntas diretas do grupo ao redor.
  • O grupo estabeleceu medidas disciplinares usando uma analogia ao futebol. Todos os participantes receberam cartões amarelos, similares aos usados por árbitros no esporte, para sinalizar uma infração quando alguém começasse a argumentar sem ouvir ou entender as suposições e perspectivas dos demais participantes. Esses cartões eram utilizados para interromper tais comportamentos.
  • O grupo criou símbolos. Compararam a antiga KPMG a um hipopótamo, grande, pesado e resistente a mudanças em seus hábitos. Aspiravam ser golfinhos, caracterizados como animais brincalhões, dispostos a aprender e colaborativos. Até mesmo refletiram essa transformação na vestimenta: alguns clientes se surpreenderam ao ver gerentes circulando pelos escritórios da KPMG no verão usando bermudas e camisetas.
  • O grupo fez questão de se divertir. “Tempo de diversão” poderia significar longos passeios de bicicleta ou jogos de lazer em um parque de diversões local. Em um momento espontâneo nos escritórios da KPMG, uma discussão sobre o poder das pessoas mobilizadas em direção a um objetivo comum levou o grupo a sair e usar sua força coletiva para mover um bloco de concreto aparentemente imóvel.
  • O grupo participava de frequentes reuniões fora das dependências da empresa, com duração de dois a três dias, para concluir etapas do trabalho.

Essas ações, quando consideradas em conjunto, alteraram atitudes e comportamentos. A curiosidade passou a ser mais valorizada do que a obediência às regras. As pessoas não mais se curvavam à autoridade sênior na sala; o diálogo genuíno neutralizou o poder hierárquico na batalha das ideias. A tendência de cada indivíduo promover sua solução favorita cedeu lugar à compreensão de outras perspectivas. Surgiu uma confiança na capacidade das pessoas de diferentes unidades trabalharem juntas e resolverem questões. Aqueles com mentes mais curiosas e perguntas interessantes logo se tornaram os mais respeitados.

Como resultado de enfrentar desafios estratégicos e adaptativos, a KPMG como um todo migrará da auditoria para a garantia, da consultoria operacional para a definição da visão corporativa, da mudança dos processos de negócio para o desenvolvimento de capacidades organizacionais, e do ensino de habilidades tradicionais para seus próprios clientes para a criação de organizações de aprendizagem. As forças-tarefa identificaram oportunidades de negócios no valor de $50 milhões a $60 milhões.

Muitos sócios seniores que acreditavam que uma empresa dominada pela mentalidade de auditoria não poderia conter pessoas criativas ficaram surpresos quando o processo desbloqueou a criatividade, paixão, imaginação e disposição para correr riscos. Duas histórias ilustram as mudanças fundamentais que ocorreram no modo de pensar da empresa.

Vimos um gestor de nível médio desenvolver a confiança para criar um novo negócio. Ele identificou a oportunidade de oferecer serviços da KPMG para organizações virtuais e alianças estratégicas. Viajou pelo mundo, visitando os líderes de 65 organizações virtuais. Os resultados de sua pesquisa inovadora foram um recurso para a KPMG ao adentrar nesse mercado em crescimento. Além disso, ele representou a nova KPMG ao proferir uma palestra sobre suas descobertas em um fórum mundial. Também testemunhamos uma auditora de 28 anos conduzir habilmente um grupo de sócios sêniores mais velhos, do sexo masculino, por um dia complexo de análise das oportunidades associadas à implementação das novas estratégias da empresa. Isso não teria sido possível no ano anterior. Os sócios sêniores jamais teriam ouvido uma voz semelhante vinda de uma posição inferior.

Liderança como Aprendizado

Muitos esforços para transformar organizações por meio de fusões e aquisições, reestruturação, reengenharia e trabalho estratégico falham porque os gestores não conseguem entender as exigências do trabalho adaptativo. Eles cometem o erro clássico de tratar desafios adaptativos como problemas técnicos que podem ser resolvidos por executivos determinados e decididos.

O cerne do trabalho dos líderes nas organizações atualmente. Líderes que elaboram estratégias têm acesso à expertise técnica e às ferramentas necessárias para calcular os benefícios de uma fusão ou reestruturação, compreender as tendências futuras e as descontinuidades, identificar oportunidades, mapear competências existentes e identificar os mecanismos de direção para apoiar sua direção estratégica. Essas ferramentas e técnicas estão prontamente disponíveis tanto dentro das organizações quanto em diversas empresas de consultoria, e são muito úteis. Em muitos casos, no entanto, estratégias aparentemente sólidas falham em ser implementadas. E frequentemente a falha é diagnosticada erroneamente: “Tínhamos uma boa estratégia, mas não conseguimos executá-la efetivamente.

Na verdade, a estratégia em si muitas vezes é deficiente porque foram ignoradas muitas perspectivas durante sua formulação. A falha em realizar o trabalho adaptativo necessário durante o processo de desenvolvimento da estratégia é um sintoma da orientação técnica dos gestores seniores. Com frequência, os gestores derivam sua solução para um problema e tentam vendê-la a alguns colegas, ignorando ou desestimulando outros no processo de construção de compromisso. Com muita frequência, líderes, suas equipes e consultores falham em identificar e enfrentar as dimensões adaptativas do desafio e em se questionar: quem precisa aprender o quê para desenvolver, compreender, se comprometer e implementar a estratégia?

A mesma mentalidade técnica limita as iniciativas de reformulação de processos e de reestruturação, nas quais consultores e gestores têm habilidades para conduzir o trabalho técnico de estabelecer objetivos, criar um novo fluxo de trabalho, documentar e comunicar resultados, e identificar as atividades a serem executadas pelas pessoas na organização. Em muitos casos, essas iniciativas ficam aquém do esperado porque tratam a reformulação de processos como um problema estritamente técnico: os gestores deixam de identificar o trabalho adaptativo e de envolver as pessoas que precisam passar por mudanças. Os executivos de alto escalão não investem seu tempo e sua dedicação para compreender essas questões e guiar as pessoas durante a transição.

A mesma mentalidade técnica limita as iniciativas de reformulação de processos e de reestruturação, nas quais consultores e gestores têm habilidades para conduzir o trabalho técnico de estabelecer objetivos, criar um novo fluxo de trabalho, documentar e comunicar resultados, e identificar as atividades a serem executadas pelas pessoas na organização. Em muitos casos, essas iniciativas ficam aquém do esperado porque tratam a reformulação de processos como um problema estritamente técnico: os gestores deixam de identificar o trabalho adaptativo e de envolver as pessoas que precisam passar por mudanças. Os executivos de alto escalão não investem seu tempo e sua dedicação para compreender essas questões e guiar as pessoas durante a transição. Na verdade, a abordagem de engenharia é inadequada para essa situação.

Liderança é reduzida a uma combinação de grande conhecimento e habilidades de venda. Tal perspectiva revela um equívoco fundamental sobre a forma como as empresas têm sucesso ao enfrentar desafios adaptativos. Situações adaptativas são difíceis de definir e resolver precisamente porque demandam o trabalho e a responsabilidade de gestores e pessoas em toda a organização. Elas não são passíveis de soluções fornecidas por líderes; soluções adaptativas exigem que os membros da organização assumam a responsabilidade pelas situações problemáticas que enfrentam.

A liderança precisa acontecer todos os dias. Não pode ser responsabilidade de poucos, um evento raro ou uma oportunidade única na vida. Em nosso mundo, em nossos negócios, enfrentamos desafios adaptativos o tempo todo. Quando um executivo é solicitado a reconciliar aspirações conflitantes, ele e sua equipe enfrentam um desafio adaptativo. Quando um gerente identifica uma solução para um problema — técnico em muitos aspectos, exceto pelo fato de requerer uma mudança nas atitudes e hábitos dos subordinados -, ele enfrenta um desafio adaptativo. Quando um funcionário próximo à linha de frente identifica uma lacuna entre o propósito da organização e os objetivos que lhe são atribuídos, ele enfrenta tanto um desafio adaptativo quanto os riscos e oportunidades de liderar de baixo para cima.

Liderança, vista sob essa perspectiva, requer uma estratégia de aprendizado. Um líder, seja de cima para baixo, com ou sem autoridade, precisa envolver as pessoas no enfrentamento do desafio, ajustando seus valores, mudando perspectivas e aprendendo novos hábitos. Para uma pessoa autoritária que se orgulha de sua capacidade de lidar com problemas difíceis, essa mudança pode ser um despertar brusco. Mas também deve aliviar o fardo de ter que ter todas as respostas e carregar todo o peso. Para a pessoa que espera receber a ligação do treinador ou “a visão” para liderar, essa mudança pode parecer uma mistura de boas e más notícias. As demandas adaptativas do nosso tempo exigem líderes que assumam a responsabilidade sem esperar por revelação ou pedido. É possível liderar apenas com uma pergunta em mãos.

FONTE: Escrito por Ronald Heifetz e Donald L. Laurie. Publicado em Harvard Business Review (Dezembro, 2001).

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