O dia em que Ronaldinho fez cara de Seaman

Glauber Morais
Leitura de Jogo
Published in
4 min readMar 22, 2018
Foto: Naomi Matsui/Poder 360

Quantas pessoas você conhece que chegaram aos 38 anos milionárias, aposentadas e com fãs mundo afora? Ronaldinho não só é tudo isso, como se diverte tanto ou mais que nos tempos de profissional enquanto fatura alto.

Faz isso seja como embaixador do Barcelona em pleno Bronx, em evento da Champions League no México ou mitando em uma quadra de Bangalore.

Graças ao camisa 10 do Delhi Dragons, eu você e outros milhões soubemos que uma liga de futsal reúne na Índia nomes como Paull Scholes, Ryan Giggs, Deco e outras estrelas.

Só um detalhe. O que viraliza são os vídeos de Ronaldinho. Mesma naturalidade para entortar o marcador. A mesma magia. O sorriso de sempre.

“O quê que eu tô fazendo aqui?”

O famoso sorriso não apareceu esta semana em Brasília. Véspera do aniversário. O showman dos gramados confirmava uma inusitada aventura política noticiada há alguns meses. Flertou com Jair Bolsonaro, mas acabou no Partido Republicano Brasileiro, o braço político da Igreja Universal do Reino de Deus.

Tente ligar pontos em comum entre Ronaldinho e a agenda conservadora do PRB e bancada evangélica. Não vamos encontrar nada muito além de uma marota jogada de marketing da alusão ao 10, número do partido nas urnas epreferido do craque. Talvez a estratégia do candidato celebridade“puxa-voto” a exemplo do palhaço Tiririca.

Ronaldinho não sabe nem mesmo se será lançado à disputa à câmara ou ao senado. Se pelo Distrito Federal ou por Minas Gerais. O Rio Grande do Sul natal está descartado. O gaúcho não desperta paixões entre torcedores colorados, rivais do clube onde começou, e também dos tricolores após as circunstâncias de sua volta ao Brasil. Fez que ia pro Olímpico, acabou no Flamengo.

“Deixa a vida me levar” e “Vai rolar a festa”

Bem ao estilo dos hinos do Penta nas vozes de Zeca Pagodinho e Ivete Sangalo, o fato é que Ronaldinho sempre se mostrou alheio a política. Na verdade, a tudo que não fosse samba, praia e festas. Nem mesmo sobre futebol se tem registro de entrevistas ou declarações com algum posicionamento digamos mais contundente, polêmico que seja.

Nomeado pela ONU embaixador do Esporte, Desenvolvimento e Paz no auge da carreira em 2006, o melhor do mundo à época marca presença fazendo o que sabe como ninguém em eventos e jogos amistosos em prol da causa humanitária. Em abril, ele e o português Luís Figo serão os capitães dos times que se enfrentam no Jogo da Solidariedade em Genebra.

No social, ele e o irmão-empresário-mentor Assis chegaram a criar o Instituto Ronaldinho Gaúcho, algo comum a grandes estrelas globais.

Lembro da cena do então jogador do Milan pousando de helicóptero no Estádio de Pituaçu para um típico jogo beneficente de fim de ano. Outros parceiros de boleiragem participaram. Era 2009 e o instituto anunciava projeto de escolinhas esportivas para 2 mil crianças e jovens de comunidades de Salvador.

Em Porto Alegre, projeto semelhante e o próprio instituto encerraram atividades pouco mais de uma ano depois. Ronaldinho e Assis foram investigados por suspeita de irregularidades no convênio com a prefeitura da capital gaúcha. O inquérito acabou arquivado.

Os irmãos tiveram ali a oportunidade de transformar a realidade, de melhorar o país como, de forma rasa, declaram nesta fase R10, o político. Talvez seja o momento de esclarecer o que houve com o Instituto Ronaldinho Gaúcho. Por que fechou as portas? Qual a plataforma do projeto político?

Senador pelo PSB-RJ, Romário sempre teve isso muito claro. Se elegeu e se destacou pelos projetos em defesa de crianças com síndrome de down e pessoas com deficiência, além da forte oposição ao comando da CBF desde a primeira campanha para deputado federal.

Hang loose e sorriso

A aventura política de Ronaldinho é uma incógnita. Talvez até para o próprio potencial candidato. A quem serve esta empreitada? Como observou o jornalista escocês Euan Marshall, assistimos a um drible para a extrema-direita do futebol brasileiro.

Foto: Divulgação/ Twitter PRB

A cara dele nas fotos diz tudo. E a empolgação pra fazer o “10” com as mãos? O constrangimento é nítido. Em raros momentos se viu o extrovertido artista da bola tão deslocado.

Parece o incrédulo goleiro David Seaman na Copa de 2002. Aquele que tomou o gol sem querer querendo mais genial de todos os tempos.

Espero que a nova jogada não passe de mais um truque do malabarista da bola. Olha prum lado, toca pro outro e vai pra galera de hang loose e sorriso no rosto, Ronaldinho.

--

--

Glauber Morais
Leitura de Jogo

Jornalista| Editor de Conteúdo| Adepto do Fruta, pan y café