ele desejava morrer
esse foi o dia mais triste da minha vida. o homem que eu deveria matar não reagiu quando me viu.
sem choros, sem gritos, sem tentar fugir.
entrei naquele quarto claro de luz de outono, vista alta e mesa bem posta e ele só me olhou. olhou um olhar fundo, conciso, certo de que morrer seria uma boa saída. triste como nunca conheci ninguém.
a não reação me deixou tão constrangida, tão humanamente incomodada, que eu não soube o que fazer. como matar alguém para quem a morte seria um favor? nunca prestei favores a ninguém, como matá-lo então?
olhei inquisitiva, como quem cobra algo que falta, mas a tristeza não saía de lá, não se movia, apenas não segurava mais a xícara de café.
a tristeza, eu precisava vê-la mais de perto, saber melhor do que era feita.
decidi me sentar à frente dele, do homem que deveria morrer por minhas mãos. enchi uma xícara, peguei algo de comer e falei “você deveria reagir”.
“reação é uma energia vital que não me cabe mais. tudo que eu poderia viver, já vivi. não tenho arrependimentos, não tenho dores, tenho apenas muitas saudades. várias, principalmente da época em que eu achava que ainda não tinha vivido o suficiente. acho que me deram mais anos do que eu precisava. há 10 quero morrer e a morte não chega. eu soube tudo que quis aprender, mas não aprendi a morrer. fico feliz que agora você veio me ajudar, pois não quero, no meu ultimo respiro, ter que resolvê-lo sozinho”.
acabei de tomar minha xícara, deixei a arma onde estava. “como você quer morrer?”
“do jeito mais limpo que você souber”.
sem sangue, sem dor, sem grito.
um copo, o chá, o pó. pouco tempo depois, a asfixia.
aprendi nesse dia o que é tristeza.
agora ela mora em mim.