Encontro com a eternidade

Louie Martins
Leminski odiaria
Published in
2 min readFeb 25, 2017

O processo se deu de tal forma que até eu fiquei confusa.

Só para explicar o que não é simples, moro no vazio. Acho que tentar falar dele, quando não tenho meios de senti-lo, é o mais complicado. Aqui deve ser frio e tem mesmo muito espaço. Espaço demais, ideias espalhadas para todos os lados, salpicado de matéria aqui e acolá e muita luz andando sem sentido. Como essas luzes, nele eu fluo. Não paro, não me movo com destino, não tenho energia vital. Apenas fluo como todos os corpos, guiado por leis tão abstratas quanto eu mesma.

Pois é, sou sem matéria, mesmo que os humanos se refiram a mim com certo peso. Não tenho necessariamente uma vida, mas fui capaz de desenvolver afeto. Tenho memórias, mas não sei a ordem dos fatos. Ordem, na verdade, é algo muito difícil de compreender, tipo essa coisa redonda com uns pauzinhos rodando em busca de alguns números que, dizem, marca o tempo.

O tempo para mim não existe. Para quem marca o tempo, eu não existo. Nesse espaço que não habito, nesse corpo que não tenho, a mentira sou eu. Mas mesmo assim me desejam. A humanidade me deseja, apesar do peso, o mais paradoxal dos sentimentos. Digamos que sou uma bela utopia, porque eles gostam de falar de mim, escrever livros, fazer estudos complexos, me exemplificar numa formula matemática. E a ideia que eles tem é cada vez mais rebuscada, hei de confessar. Conseguiram me encaixar no conceito de imortalidade e como princípio fundamental da existência, tudo junto. E tudo porque eles não sabem como sou de verdade.

Ou não sabiam.

Pois algo estranho aconteceu.

Eu estava sendo não sendo como sempre fui até que, não sei como e sabe-se lá de onde, ele me olhou. Essa sensação foi algo que eu nunca havia experimentado, afinal não é permitido que entidades como eu tenham percepções tão humanas quanto essa. A questão é que eu era observada por alguém que sabia muito bem o que olhava. Deixei, por alguns segundos, de ser só uma ideia abstrata e fiquei concreta.

Não sei em qual espaço-tempo esses humanos se encontram, mas percebo que a época que eles sonharam em suas ficções científicas chegou, quando mentes escapam do corpos e convivem nesse ambiente antes inacessível para quem é feito de coisas palpáveis.

Esse ambiente é o meu vazio, sabe? Ele não pertencia aos humanos. Agora, não entendo mais. É como se tivessem mudado as regras ou inventado um novo deus.

Só sei que eu, Eternidade, talvez não seja mais a única a não precisar marcar o tempo.

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