As Mídias e o Poder Simbólico

Beatriz Rolim
LENS
Published in
5 min readMay 21, 2021

As mídias, tanto as tradicionais (rádio, televisão, jornais, revistas) quanto as digitais, como as diversas redes sociais que têm surgido e se desenvolvido, em especial nas últimas duas décadas, influenciam a nossa percepção da realidade, por meio das representações que fazem não apenas do mundo, como também de si mesmas.

Nesse texto, explorarei qual a relação entre as mídias e o poder simbólico, utilizando como base teórica a obra do sociólogo e pesquisador das mídias Nick Couldry Media, Society, World — Social theory and digital media practice.

As Mídias

O termo ‘mídia’ é extremamente abrangente. Em diversas obras e contextos, se refere aos conteúdos, como vídeos, imagens, textos ou áudio, veiculados através de variados meios, sejam eles digitais ou analógicos.

Porém, o termo também é usado para se referir às diversas estruturas e instituições por meio das quais tais conteúdos, cada qual com seu formato e contexto específico, são postados, distribuídos e consumidos.

Além disso, cada vez mais, e contando em grande parte com o avanço da internet, as mídias se conectam entre si próprias. Chegamos a tal ponto que, para esse tipo de discussão, o mais proveitoso é considerá-las de forma geral do que tentar partir de uma ou outra mídia em particular.

Isso inclui questionamentos sobre os ambientes gerados por elas e nos quais elas atuam, bem como as pessoas que as utilizam e como são utilizadas, não apenas em momentos específicos, mas no nosso cotidiano.

As mídias se encontram profundamente enraizadas nos nossos ‘espaços sociais’. Nosso próprio processo de socialização é baseado no convívio midiático. Percebemos as mídias como uma parte integral para a ordenação da sociedade.

Photo by camilo jimenez on Unsplash

O Mito do Centro Mediado

Dentro dessa suposta ordem, o papel das mídias é o de representar para nós a realidade. Em outras palavras, as mídias nos dizem ‘o que existe’, ou ao menos o que existe e é relevante de alguma forma.

Para isso, as mídias ‘naturalmente’ ocupam uma posição central na sociedade, de onde podem observar e nos relatar os ‘fatos’ que compõem a realidade. Essas noções já estão fincadas em nosso cotidiano de tal maneira que as tomamos como fato.

Porém, essa posição das mídias e instituições midiáticas no social, assim como as afirmações em relação ao papel que exercem, longe de serem naturais, foram sendo construídas e organizadas ao longo do tempo, com a contribuição de vários fatores políticos e econômicos.

A partir de então, as várias indústrias midiáticas (e não, como tendemos a pensar, um conceito tão unificado como ‘A Mídia’) mantém esse ‘mito’. Por isso, é importante pensa-lo não como um fato fixo e irrefutável e mais como uma “construção institucional contínua e específica”. Isso é o que Couldry denomina o ‘mito do centro mediado’.

“Nossa própria noção ‘da mídia’ é um exemplo: das dinâmicas discrepantes de múltiplas indústrias midiáticas, algo tão genérico e tão mítico como ‘a mídia’ emergiu. Essa noção é reproduzida por um funcionalismo social cotidiano.” (Couldry, 2012)

Tendo essa ideia como base, as mídias atualmente ocupam, no social, uma posição única. Ao mesmo tempo em que se posicionam no centro do emaranhado de fatores políticos, econômicos e culturais que compões as lutas travadas por poder, elas minimizam a nossa percepção de seu próprio envolvimento nesses conflitos.

Representação e Naturalização

Ao fazerem, ou deixarem de fazer, certas representações de uma realidade, as mídias gradualmente naturalizam ‘fatos’, dimensões e características acerca do mundo.

Quando esses padrões e ‘realidades’ construídas coincidem com os conjuntos de outros poderes, como o corporativo, por exemplo, o que ocorre é uma naturalização intensificada dos valores propagados (e consequentemente, da rejeição de outros tantos) em discursos políticos, econômicos, sociais e culturais.

No entanto, nem sempre os quadros apresentados combinam. Quando dois relatos da ‘realidade’ estão em conflito entre si, o resultado é uma possível desnaturalização de um ou outro conjunto. A legitimação de um relato, ou conjunto de relatos de diversas características e fatos, deslegitima quaisquer relatos alternativos que sejam oferecidos.

Tais relatos sobre uma ‘realidade’, em especial quando repetidos com frequência e por fontes aparentemente diversas, são então incorporados nas ações e maneiras de pensar cotidianas.

Poder Simbólico

As mídias se utilizam de símbolos para fazer representações sobre si mesmas, a sociedade e o mundo. Assim, o poder que exercem pode ser considerado uma forma de poder simbólico.

É a concentração desse tipo de poder que confere a elas a capacidade de determinar ‘aquilo que existe’. Consequentemente, isso acaba afetando a representação da ‘realidade’ em todos os campos do social.

Essa distribuição desigual desse tipo de poder, mesmo entre as próprias mídias e instituições midiáticas, gera também uma serie de consequências que afetam tanto a sociedade quanto os indivíduos.

“O resultado é uma ‘realidade’ que para muitos propósitos parece consistente, ordenada, inquestionável e, no entanto, cujas consistências são baseadas em uma série de discriminações e exclusões que estão em grande parte escondidas da vista, sem nem mesmo uma linguagem básica para descrevê-las. ” (Couldry, 2012)

Fonte: disney.pt/sobre-nos

Fala-se muito de uma aparente democratização das mídias e, de forma mais ampla, da informação, sobretudo com a chegada da internet. Porém, o que ocorre não é exatamente como o esperado.

Pelo contrário, o que se observa é uma luta cada vez mais violenta, em especial por parte das grandes organizações de mídia, pela manutenção da concentração desse poder.

Mesmo com o avanço e popularização da internet, assim como o surgimento de redes sociais como o Facebook, Instagram e o Youtube, o poder simbólico continua, em grande parte, concentrado nas mãos das grandes instituições midiáticas.

“(…) o que se costumava chamar de mito do centro mediado, o mito de que existe um centro da sociedade ao qual a mídia tem um acesso especial, não desapareceu com a internet, mas tornou-se cada vez mais essencial renová-lo, disputá-lo, por parte dos governos, mercados e empresas de televisão.” (Campanella, 2019)

Referências:

CAMPANELLA, B. Nick Couldry:. MATRIZes, v. 13, n. 2, p. 77–87, 4 set. 2019.

COULDRY, Nick. Media, Society, World: social theory and digital media practice. Cambridge: Polity Press, 2012.

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