Bricolagem e ready-made nos jogos digitais: ícones do cinema de horror em Dead by Daylight

Arthur Lima
LENS
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7 min readApr 30, 2021

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Fonte: <https://deadbydaylight.com/en/media?page=7>

NOTAS INTRODUTÓRIAS

Recorrer a referências de outros universos midiáticos é tendência contemporânea na indústria criativa publicitária, cinematográfica e dos jogos digitais. É o que acontece em Dead by Daylight, jogo digital lançado em julho de 2016, desenvolvido pela norte americana Behavior Interactive, do gênero Survival Horror, Multiplayer Online e Cooperativo.

Em resumo, o jogador pode assumir uma de duas funções: como sobrevivente, ele deve concertar 5 geradores para abrir o portão de saída e, assim, escapar do assassino; como assassino, ele deve capturar os sobreviventes e colocá-los em um gancho como sacrifício para uma entidade misteriosa, no qual o jogo fornece poucas informações. Para players que preferem jogar em grupo, sobrevivente é a melhor função, já que são 4 jogadores por partida. Inversamente proporcional, players na função de assassino não podem formar grupos.

Trailer do jogo Dead by Daylight

Não é incomum encontrar jogos digitais que foram baseados em filmes, em especial, quando estão ligados à uma grande marca, como Star Wars, Senhor dos Anéis e Harry Potter (os dois últimos baseados em livros). Aqui, entendemos estes exemplos como transmídia, que é esclarecido por Arnaut (2015) como uma obra que parte de um conteúdo principal evoluente, distribuído nas múltiplas plataformas de mídia. Porém, Dead by Daylight consegue ser um caso ainda mais específico.

BRICOLAGEM E READY-MADE

Entre os personagens jogáveis, sejam assassinos ou sobreviventes, encontramos àqueles conhecidos em produções famosas do cinema de horror. Não trata-se, assim, de um jogo licenciado como os já citados, mas de um jogo com personagens licenciados de filmes, séries e até outros jogos.

Partindo da compreensão de como funciona DbD, podemos nos aprofundar em aspectos mais contundentes e que nos oferecem subsídios para analisar a obra.

Na realização de trabalhos por profissionais da indústria criativa, faz-se necessário um repertório cultural de outras experiências para ajudar no desenvolvimento de um novo projeto (SILVA; CHAGAS; COVALESKI, 2016). Na criação de jogos digitais não é diferente e um dos recursos utilizados é a bricolagem que, segundo os autores é “a junção de vários elementos intertextuais que juntos formam um novo elemento” (SILVA; CHAGAS; COVALESKI, 2016, p. 4).

Outra técnica comumente usada pela indústria criativa é o ready-made, que busca inserir um conteúdo já existente em outro contexto (SILVA; CHAGAS; COVALESKI, 2016). Duchamp é um exemplo conhecido de artista que ressignificou um objeto ao deslocar um mictório de seu contexto atual para o sentido de arte moderna, nomeando a obra de “Fonte”. Ainda é importante ressaltar que, segundo os autores, a bricolagem e o ready-made são intimamente ligados pela intertextualidade (SILVA; CHAGAS; COVALESKI, 2016).

A Fonte de Duchamp, 1917

Fonte: <https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/fonte-marcel-duchamp/>

BRICOLAGEM E READY-MADE EM DEAD BY DAYLIGHT

Em uma partida de cenário procedural (ou seja, cada partida conta com objetos de cenário em locais aleatórios), DbD nos coloca de frente à alguns dos principais símbolos do cinema de horror do subgênero slasher (sobrevivente) ou na pele de um destes (assassino). Todos estão reunidos em algum cenário assustador graças a vontade da Entidade.

Entidade levando a personagem Meg

Fonte:<https://gamepedia.cursecdn.com/deadbydaylight_gamepedia_en/e/ef/EntityTaking.gif>

A Entidade foi desenvolvida para o jogo, não pertencendo à outras mídias, sendo portanto, um elemento específico do game como elo de ligação entre os distintos personagens do cinema que estão inseridos em uma nova ambiência. É quem cria esses cenários de confronto e alimenta-se da esperança dos sobreviventes e do ódio dos assassinos, que também a servem. Estes territórios, descritos pelo jogo como uma representação distorcida do mundo real, podem ou não ser um local familiar de alguns dos filmes de horror. Um dos personagens não jogáveis a descreve:

Essa coisa, que eu chamei de Entidade, é o mal na sua forma mais pura. Eu acho difícil de detectar, mas eu posso ouvir o som de rachar que essa coisa repugnante emana. Como uma divindade, ela envolve a área, aproximando-se de mim enquanto seus assassinos me caçam. Não parece ser perigoso por si só. Não até que você seja pego e o assassino o pendure num dos ganchos abomináveis. Eu acabei lá repetidas vezes e toda vez que eu anseio tanto por libertação quanto por fuga, a dor se derrete com medo de uma maneira horrível. No entanto, volto a isso mais ou menos todas as noites. Uma vez no gancho, a entidade assume o controle, puxando-o para cima e para outra coisa. Diário de Benedict Baker, Novembro de 1896 (DEAD BY DAYLIGHT, 2020).

Mapas (como são chamados os cenários do jogo) podem ser considerados potenciais exemplos de Bricolagem quando são localizações também presentes no cinema, pois apesar de não serem cópias perfeitas dos cenários dos filmes, são referências com pontos que remetem aos mesmos. A Travessa Lampkin é um dos locais mais importantes da série de filmes Halloween, enquanto Springwood é a cidade onde ocorrem os terríveis assassinatos retratados em A Nightmare on Elm Street.

Casa de Michael Myers em Halloween de 1978;

Fonte: < https://www.youtube.com/watch?v=T5ke9IPTIJQ>

A reprodução em Dead by Daylight

Fonte: https://gamepedia.cursecdn.com/deadbydaylight_gamepedia_en/thumb/0/07/IconMap_Sub_Street.png/300px-IconMap_Sub_Street.png?version=3e7b51cb19e5ecbfbd343604c7d50eff>

Além dos mapas referenciarem ambientes dos filmes de horror, os personagens licenciados são mais exemplos não só de bricolagem, mas também de ready-made. Michael Myers (Halloween, 1978) se fortalece cada vez mais ao observar os outros jogadores (sobreviventes) com a habilidade “Maldade Encarnada”, até o infeliz momento em que pode-se ouvir o sombrio tocar do piano, trilha inconfundível na obra original.

Áudio da “Maldade Encarnada”

O personagem, seu comportamento e aparência estão associados ao ready-made, visto que são idênticos à obra de 1978, além de estar inserido em um outro contexto e ambiente, servindo à Entidade. A trilha tem seu papel nostálgico, peça essencial do mesmo processo. “Maldade Encarnada” é a forma encontrada pelos desenvolvedores para justificar a melhor maneira de jogar com Myers (que observa suas vítimas antes de atacá-las), tratando-se assim, de uma bricolagem.

Michael Myers em Dead by Daylight

Fonte: https://thumbs.gfycat.com/AcclaimedUntriedHawk-max-1mb.gif

em Halloween de 1978

Fonte: https://lh3.googleusercontent.com/proxy/YuIKdLAWP-EBesqgWmU0a5DdlaSWiOwmK0uFiECfvM6Fw_MIk-IqaZjhQ-uAiVXBesRKQRvx9d4mZ4_igjIEb_81nHX5miZwwP2dzzlYVIX0ljaY38k1iQ4mgeME-wzYfc8

Quando uma motosserra é ouvida à distância, você pode ter entrado em uma partida contra Leatherface (The Texas Chain Saw Massacre, 1974), que derruba qualquer jogador com facilidade usando a habilidade “Serra Elétrica do Bubba”. Além da aparência física, o que inclui o corpo e as roupas, a dublagem do personagem muito assemelha-se aos grunhidos do filme, assim sendo exemplos de ready-made. “Serra Elétrica do Bubba” ativa a motosserra que é sacudida violentamente pelo personagem com o intuito de atingir algum sobrevivente, sendo assim, uma bricolagem que referencia o uso desta arma nos filmes.

Leatherface em Dead by Daylight

Fonte: <https://steamuserimages-a.akamaihd.net/ugc/863985618546793107/759E6738A7822A076C01B3B4E8E6D635AA315032/>

Em The Texas Chain Saw Massacre, 1974

Fonte: < https://media0.giphy.com/media/4gxrWGnlCUIPS/giphy.gif>

Amanda Young (Saw 3, 2007), com sua cabeça de porco, pode se aproximar silenciosamente de suas vítimas e por armadilhas na cabeça destas que, se não forem retiradas a tempo, matarão o sobrevivente. Estas armadilhas são idênticas a que foi colocada na cabeça da personagem em um dos filmes e fazem parte da habilidade “Batismo do Jigsaw”, mas, apesar disto, trata-se de uma bricolagem, já que a forma de retirá-la é diferente. Por outro lado, suas roupas e a cabeça de porco foram reproduzidas como em uma de suas cenas de crime no filme, tratando-se de um ready-made.

Amanda Young em Dead by Daylight

Fonte: < https://thumbs.gfycat.com/CarefreeLinearIndianelephant-size_restricted.gif>

Em Saw 3, 2007

Fonte: < https://pillowfortmedia.s3.amazonaws.com/posts/fa1f047dd043_03.gif>

Tanto a bricolagem, quando o ready-made repetem-se através dos personagens licenciados de formas específicas, seja por meio do design, trilhas sonoras ou habilidades que justifiquem um estilo de jogar (observar vítimas ou mover-se silenciosamente). Como uma menção honrosa, deve-se citar ainda Freddy Krueger (A Nightmare on Elm Street, 2010) e Ghostface (série de filmes Scream).

Trailer da DLC A Nightmare on Elm Street de Dead by Daylight
Trailer da DLC Ghost Face de Dead by Daylight

Mas, Dead by Daylight não adota apenas vilões como seus personagens. Embora não sejam tão debatidos em grupos do Facebook sobre o jogo, personagens licenciados em função de sobreviventes também estão disponíveis para serem encarnados por jogadores, como Laurie Strode (Halloween, 1978), Quentin Smith (A Nightmare on Elm Street, 2010) e o detetive David Tapp (Saw, 2004). É importante ressaltar que o jogo possui personagens criados pela própria desenvolvedora, tanto como assassinos quanto sobreviventes.

EM VIAS DE CONCLUSÃO…

Além do cinema, personagens licenciados de outros jogos como o sobrevivente Bill Overbeck (Left 4 Dead 2) e de séries como Nancy Wheeler, Steve Harrington e o Demogorgon (Stranger Things) podem ser encontrados também, com as características da bricolagem e ready-made.

Apesar de amantes do horror slasher encararem estes personagens como uma oportunidade de experimentar o que é estar na pele deles, é importante ressaltar que, para a desenvolvedora, trata-se de uma estratégia de mercado objetivando atrair público. O que não é necessariamente ruim, pois além de ser um aspecto criativo a ser considerado, também é uma forma de agradar os jogadores.

Fonte: <https://media.tenor.com/images/8f5393ee351a9eb8bb7f510ceba7ff92/tenor.gif>
Fonte: <https://media.tenor.com/images/8f5393ee351a9eb8bb7f510ceba7ff92/tenor.gif>

REFERÊNCIAS

ARNAUT, Rodrigo. Transmidia. São Paulo: APRO, 2015. Disponível em: < https://bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/a77638b6cb959f06633266e5bd1d0a4a/$File/7675.pdf> . Acesso em: 23 jul. 2020.

SILVA, E.; CHAGAS, H.; COVALESKI, R. Conteúdo de Marca do Audiovisual: Técnicas de Bricolagem e Ready-Made em Videoclipes. XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, São Paulo, 2016. Disponível em: < https://portalintercom.org.br/anais/nacional2016/resumos/R11-1572-1.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2020.

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