Ilustração de Lucas Nóbrega

Mídias Sociais e Desinformação

Rodolfo Marques
LENS
Published in
6 min readAug 27, 2020

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O LENS — Laboratório de Pesquisa em Mídia, Entretenimento e Sociedade, recebeu, no dia 06/08, a professora e pesquisadora Raquel Recuero para discutir sobre a relação entre as mídias sociais e a desinformação no Brasil.

A live iniciou com uma fala de Raquel sobre o seu histórico do trabalho com redes sociais, partindo dos trabalhos iniciais com o “fotolog”. Neste relato inicial, ela comentou como se deu sua aproximação com a temática de comunidade virtuais, e com isto embasou o seu trabalho de conclusão de curso, ingresso no mestrado e pesquisa no doutorado.

“O objetivo era tentar encontrar comunidades, clusters em redes de fotologs, e tentar entender esses clusters. […] Essa era uma época que a gente via tudo de forma muito positiva. A internet ia juntar todo mundo, era um espaço de encontrar pessoas que tinham interesses em comum. Era um espaço em construção. Só que é evidente que conforme a apropriação progride a gente começa a ter apropriações de coisas não tão positivas”.

Dinâmicas e comportamentos emergentes

Os pontos iniciais abordados foram sobre as definições teóricas de desinformação, e a caracterização da desinformação com uma dinâmica e comportamento que emerge nas mídias sociais.

Fake News e Propaganda são termos usualmente utilizados como sinônimos de desinformação, no entanto, do ponto de vista da pesquisadora, estes são termos ruins para explicar o fenômeno. Segundo sua concepção, desinformação é algo muito mais amplo do que um simples conteúdo falso que foi criado para parecer uma notícia. A desinformação tem uma série de estratégias discursivas, de opinião e recontextualização do conteúdo que não são acidentais, elas possuem intencionalidade.

“Eu não gosto muito disso, porque eu acho que normaliza a ideia de que o jornalismo produz conteúdo falso. E em que pese o fato de que o jornalismo nem sempre faz um bom trabalho, eu acho extremamente perigoso a gente normalizar isso em um momento como agora”.

Raquel continua ressaltando que o conceito desinformação é muito discutido na literatura, e ainda não há um desenho claro. Ela cita a abordagem de Claire Wardle sobre o tema, e reforça a ideia da desinformação como um conteúdo intencionalmente construído para tal propósito. Essa desinformação não é gerada por uma má interpretação de uma notícia, ou um mau jornalismo, é algo para além disso, e, por sua vez, está muito relacionado ao hiper partidarismo.

“Ela [desinformação] está relacionada com o hiper partidarismo, porque tem muitos sites hiper partidários que usaram essa estratégia, de se parecer com um veículo noticioso, para divulgar informações distorcidas, enganosas, teorias da conspiração e informações fabricadas”.

Desinformação com superpoderes

A pesquisadora continuou sua apresentação relembrando que a desinformação sempre existiu, mas com o seu ingresso nas redes sociais permitiu a disseminação massiva e homogênea deste tipo de conteúdo, além de alta reprodutibilidade, existência prolongada, e espaço para legitimação, tudo devido às características e affordances destas plataformas. Esse processo atribuiu “superpoderes” a desinformação.

O ativamento do desinformação, e seu direcionamento, está ligado a conversação e utilização das plataformas. Elas surgem e são resgatadas durante as conversações sobre determinados temas. A legitimação destes conteúdos está ligadas ao capital social e autoridades que legitimam a desinformação. “A gente tem contextos polarizados que facilitam a circulação de desinformação”.

Os contextos de polarização são mais propícios para a circulação de desinformação, pois as pessoas compartilham aquilo que elas concordam, e quanto mais as pessoas encontram reverberação do pensamento delas, mais radicalizadas elas ficam.

Ilustração de Lucas Nóbrega

Como a desinformação se espalha?

Raquel expôs particularidade de redes sociais e como o seus funcionamento influenciam na difusão da desinformação:

No Twitter, o processo inicia com um tweet sobre alguma informação falsa, que é replicado com um conjunto de bots na rede, que citam pessoas com autoridade (usuários verdadeiros da plataforma com grande probabilidade de reproduzir a informação). Uma vez que a informação tem a legitimação da autoridade (replicamentos e comentários sobre), ela viraliza na audiência deste usuário.

No Whatsapp e Facebook, a informação é distribuída através de grupos públicos (de preferência grupos partidários), e os participantes destes grupos repassam para seus grupos privados. Neste processo, os laços fortes são importantes, por validam o conteúdo para outros usuários da plataforma (a informação é enviada por alguém conhecido, alguém de confiança do interlocutor). A chamada para o compartilhamento (necessidade de urgência), e uso da autoridade de pessoas desconhecidas são elementos importantes nesta dinâmica.

A pesquisadora enfatiza que o Contexto político é muito importante para o espalhamento da desinformação, e que existem táticas e dinâmicas que geram o movimento deste fluxo de informação: como a estratégia de manipulação discursiva (discurso do bem contra o mal, teorias da conspiração, reenquadramento da notícia), a mudança da forma de consumo de informações na era digital (menos jornais, mais veículos partidários), e disputas discursivas em contextos de visibilidade (Trending Topics, teorias alternativas para os fatos). Segundo Raquel, existem evidências que comprovam a organização e uso da desinformação como arma política.

“Tem muita legitimação por autoridade. Essa desinformação, ela circula principalmente em grupos onde tem concordância. As pessoas sempre acham que ‘a desinformação é para me convencer que eu to errado’. Errado! Não é isso! A desinformação é pra te convencer que tu está certo! Que tu está coberto de razão. Que tu tem que ficar cada vez mais radical na tua posição”.

O debate

O debate sobre a apresentação começou discutindo o conceito de hiper partidarismo e quais são suas características.

As ferramentas informativas (sites, blogs, revistas) começaram a surgir com a polarização nas eleições de 2018 para defender visões a qualquer custo. O hiper partidarismo foi construído a partir desta conjuntura e foi apropriado teoricamente para representar estes espaços de desinformação, com o objetivo de legitimar narrativas alternativas. O descrédito da mídia tradicional, e seus meios jornalísticos fortaleceu os sites hiper partidários e sua ausência de verificação de fatos, ou rigor com a forma jornalística.

Sobre a regulamentação institucional, e coibição desses hiper partidários, a pesquisadora acredita ser bastante complicado. Raquel acredita que é necessário alguma estrutura para punir essa estratégias, e que a nossa legislação já tem material para gerir o assunto, não sendo necessário um regulamento próprio para o tema: “A constituição brasileira garante a liberdade de expressão, mas ela veda o anonimato. Eis que, a metade destes sites é o que? É anônimo”. Essa abordagem precisa ser discutida na esfera do que significa a desinformação.

A questão da regulamentação por meio de legislação esbarra na dimensão da territorialidade. As plataformas de mídias sociais são empresas sediadas ao redor do mundo, enquanto uma legislação é aplicada somente a um território. Essa estratégia não resolve o problema, apenas contorna.

Ilustração de Lucas Nóbrega

A educação para as mídias é um processo importante para coibir a desinformação. A pesquisadora argumenta que a educação dos mais jovens para as mídias é um primeiro passo para conter a evolução da desinformação nas redes sociais. Ela cita a curva de adoção de Everett M. Rogers para lembrar que os jovens acessam muito a internet, mas a adoção por parte dos mais velhos tem crescido bastante nos últimos anos. A importância da educação dos jovens reside também no fato de que estes vão educar os mais velhos.

Por fim, Raquel comentou como é feita a coleta de dados para as suas pesquisas. Ela paga por conta própria um servidor para coletar dados do Twitter através do Social Feed Manager, para fazer o arquivamento de tweets. Os dados do Facebook e Instagram são obtidos através de Crowd Tangle, que coleta dados diretos da api das plataformas. O Whatsapp é a ferramenta com maior dificuldade de acesso a dados. O acesso aos dados é feito via UFMG, pelo projeto Whatsapp Monitor, através de grupos políticos públicos.

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Rodolfo Marques
LENS

Este espaço será um local para exercícios de produção textual. Um local para praticar pequenos salto e quedas pouco dolorosas.