VRChat — Novas pontes de comunicação no horizonte

Anderson Martins
LENS
5 min readJul 15, 2020

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Enquanto a inserção de tecnologias de Realidade Virtual (VR) ganham mais popularidade nestes últimos anos, um grande fenômeno chamado VRChat (Virtual-Reality Chat) vem crescendo e, dentro dele, comunidades extremamente peculiares estão redefinindo a valiosidade do jogo.

Abro este breve texto referenciado Steve Benford em sua publicação sobre “ Collaborative Virtual Environments “, pois nos traz uma pergunta extremamente pertinente, (dentro de um ambiente Colaborativo Virtual) até que ponto o ciberespaço é realmente um espaço?

Avatar, identidade e comunidades virtuais

O VRChat, sendo um programa sandbox a princípio limitado apenas para interação social, cai exatamente dentro desta categoria colaborativa, porém, talvez pela sua popularização, trouxe um grande fenômeno peculiar que vem tomando o youtube por tempestade, sendo este as trocas extremamente pessoais em forma de entrevistas casuais ou chats dentro do aplicativo.

A plataforma, acessível através do site VRChat (vrchat.com), ou de serviços indiretos como a Steam, oferece aos usuários em potencial a capacidade de “criar e jogar em mundos virtuais” : “fazer amigos“, “criar avatares“ , “criar mundos” e por fim “adentrar na comunidade”.

Com “avatares“, “personas“ e suportes visuais como backgrounds e mundos de sandbox pessoais, o “ser virtual“ dentro da experiência social é um fator em metamorfose constante, porém necessário no programa.

Em seu estudo sobre mundos virtuais colaborativos (CVEs), Steve Benford aponta que os CVEs têm o potencial de fazer seus participantes negociarem o engajamento social, formando dinamicamente subgrupos ou comunidades; Já obras como Ready Player One, Homestuck, Black Mirror e etc são ficções que flertam ha tempos como seriam os sistemas sociais e comunicativos dentro de uma “ realidade virtual” popular e integrada. Jogos como Second Life, Club Penguin e Habbo, apesar de não contarem com realidades virtuais, são nomes familiares na mesma proposta: Criar um avatar e engajar em comunidades.

Suponho que a ideia não seja nova, nós já conhecemos ou pelo menos temos uma imagem mental suposta de como funciona a coisa toda. Não obstante, ainda existe algo extremamente surreal- mas também extremamente humano- em de fato ver as pessoas se conectarem através do jogo, usando a máscara do VR como escudo para poder contar de suas vidas pessoais sem ter medo de julgamento, principalmente em programas como VRChat onde a integração e customização é praticamente inteira.

O antropólogo Tom Boellstorff explorou o ser virtual em Coming of age in second life. (2008) e descreveu culturalmente ‘Second Life’, — jogo já citado acima — como

“Uma interação entre formas de individualidades e comunidades com espaço e tempo, todos reunidos sob a rubrica da intimidade.” ;

Declaração que a pesquisadora Lucia Santaella também se assemelha ao explorar comunidades virtuais no ciberespaço, apontando ‘comunidades virtuais’ como grupos de pessoas e diferentes formas culturais, conectadas globalmente na base de interesses e afinidades.

Ao olhar o VRChat, não é ousado acreditar que tais descrições se encaixam aqui também, por se tratar de um jogo sandbox que tem seu foco no engajamento, criação de comunidades, e relação social humana; As semelhanças e convenções são perceptíveis.

Pessoalmente, considero o canal “ Syrmor “ como um dos pioneiros do VRChat, sendo este também um dos criadores que deram a internet memes como o “ungandan knuckles “, que puxaram o VRChat ao mainstream fora dos nichos do jogo. Apesar de criar memes e cia, Syrmor é, primeiramente, um canal de entrevistas dentro do VRChat, sendo reconhecido como o primeiro da plataforma a criar este tipo de conteúdo para o youtube. Até como uma forma de terapia, Syrmor explora não o VR(a realidade virtual em si), mas sim seus usuários, coletando histórias das pessoas que conhece lá.

Em um de seus vídeos, uma adolescente conta a história de como foi abusada na infância e foi salva pelos pais adotivos. Já em outro temos um avatar de cogumelo vivendo seus últimos dias de vida no VRChat, feliz por poder andar no jogo virtual, enquanto é incapaz de andar na vida real, consequência de sua doença terminal. Mais um exemplo é o vídeo onde celebram o aniversário de um menino com avatar de Kermit the Frog, que passaria seu aniversário sozinho no jogo, mas acaba fazendo muitos amigos.

Todas essas relações se tornam extremamente pessoais através da máscara do anonimato. As paredes caem e acabamos conseguindo uma visão intima de pequenos pedaços da vida de todos estes usuários que existem e vivem vidas reais.

Criando um novo nicho

Com milhões de views e milhares de comentários em cada vídeo, Syrmor colaborou em criar um nicho que apenas cresce, seja no Twitch ou no Youtube, canais como Life Progress, IListen, Mr.Wobbles e etc são apenas alguns dos (intermináveis) produtores de conteúdo do youtube que passaram a criar este tipo de conteúdo, também explorando os usuários do VRChat.

Do lado do VRChat, isso tornou-se algo comum. Relatos de pessoas que vão ao VRChat apenas para conversar sobre assuntos e pensamentos pessoais são cada vez mais recorrentes. Infelizmente, ainda sem termo para este “ ritual “, basta uma pesquisa rápida de “ humans of vrchat “ ou “ vrchat stories “ no youtube e o site te redirecionará para infinitos vídeos e relatos pessoais de usuários do chat

Não me entenda mal, não estou propondo que isso é algo inédito ou inovador dentro de qualquer tipo de jogo/plataforma social, as pessoas vêm usando estas tecnologias para criação e compartilhamento de histórias pessoais há anos, suponho apenas que uma curadoria independente da própria comunidade deu a luz a um nicho específico de conteúdo do youtube e que esse fenômeno vem para ficar.

Pessoalmente, são canais e novos “fenômenos” como estes que me fazem pensar bastante, principalmente em como serão as nossas relações interpessoais nos anos que estão por vir. Não é novidade que a internet nos aproximou, mas talvez o contraste surreal (mas real) de alguns destes vídeos do VRChat chega a ser chocante.

Então fazendo uso da pergunta de Benford ao estudar CVE’s ‘até que ponto o ciberespaço é realmente um espaço?’ ouso adaptá-la para algo mais adequado aqui : Até que ponto estes espaços evoluirão ao passo que a modernização das tecnologias traz novos recursos para a troca social virtual?

‘ Desligar-se ‘ do mundo real não é mais uma ideia, e sim uma realidade. Porém, de maneira digna de um capítulo de Ready Player One ou Black Mirror, essas comunidades virtuais que vêm do avanço e popularização dessas tecnologias surpreendem; Especialmente quando esse tipo de conteúdo floresce de forma orgânica de dentro da comunidade, com todo seu contraste cartunesco, mas extremamente íntimo.

“ The most human, and down to Earth channel on YouTube, and it’s all in VR. “

— Comentário dentro do canal Syrmor

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Anderson Martins
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Writes about Media Studies, thinks about visual arts.