Léo Jianoti
Leo Jianoti
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3 min readOct 17, 2018

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Esperança

Dizem que homens e mulheres são afeitos à rotina. Isso nos ajuda a economizar a energia das escolhas. Quanto menos escolhas, mais energia sobra para outras coisas. Existe até uma teoria que se você tem menos peças de roupa, fica mais fácil se vestir e isso otimiza seu tempo e força vital. Parece pouco, mas esses pequenos grãos de gasto podem consumir boa parte da sua carga.

Somado à isso, sinto que gostamos de memórias sentimental-geográficas. O café favorito, a mesa predileta na época da escola e o parque inesquecível. Ah, vamos ali mesmo que já conhecemos, é familiar. O famoso de sempre.

Eu sou um desses, para desespero da minha família que gostaria de conhecer novos lugares e sabores e eu sempre opino pelo conhecido. Não é que não goste de novidades, mas é que no dia a dia gosto do tradicional. Me orgulho em dizer que vou naquele restaurante desde pequeno ou corto cabelo no mesmo lugar há 15 anos.

Mesmo quando geograficamente aquele lugar não faz mais parte da minha rotina, volto por lá de tempos em tempos para manter a tradição. Essa semana por exemplo estive no café que frequento desde os tempos de faculdade – e isso é bastante tempo.

Nesse ponto já passaram uma livraria – super tradicional na Curitiba daquela época -, um restaurante e agora funciona um café. A estrutura ainda é a mesma, muita madeira e revestimentos. Um térreo espaçoso com um mezanino que garante um espaço reservado para quem precisa – sempre útil para reuniões de trabalho ou conversas ao telefone de vozinha fina no começo do namoro. Uma das coisas que nunca muda nesse espaço é a presença sempre atenciosa e prestativa da Dona Esperança.

A guardiã desse portal da tranquilidade atua hoje como caixa do café funcionando por lá, mas eu costumo brincar que sua missão mesmo é nos trazer o sopro de um sorriso – convenhamos que um bom café em boa companhia é um sopro de vida e energia positiva. A Dona Esperança sempre tem uma mensagem bacana para compartilhar. Me lembro das inúmeras vezes que ela me falou: faça alguém feliz hoje, hein! Pode deixar Dona Esperança, vou me esforçar.

Lembro-me uma vez que ao me ver um pouco estressado – por essas coisas que não deveriam valer aquele sentimento -, ela mandou um “o que vale isso daqui 10 anos, menino?”. Parecia um guindaste tirando aquele piano das suas costas e te dando forças para tocar o f*&%-se para seguir em frente com alegria. E ainda haviam mensagens de motivação como “vamos porque camarão que bóia a onda leva” e “nada que um café não resolva”.

Ontem foi um daqueles dias de reviver essa memória afetivo-geográfica e estive no café. Dona Esperança não estava lá. Um colega da casa se aproximou e com um olhar pesado me entregou o cardápio. O que é isso, companheiro, tá desanimado?, perguntei já folheando um cardápio cenograficamente porque afinal pediria a mesma coisa de sempre. Por onde anda a Esperança?

A demora da resposta me deixou sem chão. Seres humanos como ela não tem o direito de deixar esse plano. Seu papel é maior que as simples coisas mundanas, como vida e morte. Elas precisam existir, sempre, em qualquer lugar, fazem parte do difícil equilíbrio desse planeta. Ela está de folga, veio a tão demorada resposta – mais pela sonolência do colega do que pelo fato em si. Respondi ainda me endireitando, claro, claro, afinal esperança é a última que morre.

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Léo Jianoti
Leo Jianoti

Pai do João e do Bento, economista, educador e escritor amador.