O tempo, as tatuagens e os pensamentos de um jovem velho

Léo Jianoti
Leo Jianoti
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3 min readNov 27, 2018

O tempo sempre foi algo curioso pra mim, algo apaixonante e assustador, como os temperos baianos. A expectativa nunca reflete a realidade acachapante da passagem lenta dos ponteiros do relógio — por vezes rápida demais. As estações do ano, a noite e o dia, os aniversários e comemorações de datas especiais, sempre trouxeram mistérios dessa relatividade do passar do tempo. Já passou ou nunca acaba.

Sempre que ouço um pra sempre, sinto um incômodo. E foi, simples assim, que me fizeram desistir de fazer minha primeira tatuagem. Sim, uma tatuagem já com cabelos brancos. Desisti na boca do gol, no portão de embarque, com o garfo na mão e o prato cheio.

A meta era repetir duas pequenas tatuagens que meu irmão já havia feito: a assinatura dos meus pais, uma em cada antebraço. Não na parte de fora, como os boleiros — nada contra só me falta motivo e desapego -, mas na conexão entre bíceps e parte interna do antebraço. Bem ali onde escondíamos a moeda na mágica das crianças.

Simbólico e cheio de lembranças. Meu pai já anima os céus e sua assinatura era emblemática. Minha mãe assina como se escrevesse uma história. Criaria ainda uma conexão com meu irmão, algo nosso, emblema da parceria de algo que só pertencia a nós dois, a assinatura formal da carga genética.

Essa vontade não é novidade pra mim. Já ensaiei ter uma tatuagem tantas vezes que se tivesse feito toda vez que tive o impulso seria uma espécie de Mc Guimê do mercado financeiro. Até que uma frase do meu irmão me acendeu a chama da dúvida — o que pra um sujeito desconfiado como eu parecia um barulho de jato decolando na minha orelha.

Como assim “pra sempre”? — perguntei de sopetão. Percebendo meu espanto, mas não negativamente, ele reforçou o impacto dizendo que nada poderia tirar isso de nós e que seria uma marca pra sempre — não bastasse a herança paterna da cintura larga.

Mas pra sempre? Definitivo. Permanente. Imutável. E se um dia eu acordasse e quisesse tirar? Não dá. E se enjoar daquilo? Desenjoe rápido. Afinal, por que alguém gostaria de tirar algo que tanto gosta? Sei lá, eu mudo meus móveis de lugar toda semana no escritório. Já tentei mudar minha assinatura umas 10 vezes — a preguiça cartorial sempre me desestimulou.

Só topo o até a morte para coisas do coração, como casamento, amizades e parcerias. Para as outras coisas gosto de ter a opção de mudar, trocar, escolher outro caminho. E se ficar sem barba? Raspa. E cabelo pra trás? Pro lado? Curto, com gel, seco. Camisa pra dentro, pra fora. Até uma meia de cada par já usei. Por um tempo, e nada mais.

Como conviver com uma pintura no meu corpo que sempre será igual, no mesmo lugar e se que eu quiser mudar, só na faca?

Entre o vamos e minha negativa, foram alguns segundos, para o desapontamento do meu irmão. Não foi dessa vez. A vigésima tentativa de fazer uma tatuagem comigo foi frustada novamente. Vamos jogar um Playstation que é mais garantido.

E enquanto isso espero ter convencido de forma duradoura e que não tenha encarar essa jornada que eu mesmo animo tantas vezes. E quem achar que criei tudo isso para escapar das agulhas doloridas ou para encobrir um medo real, já digo de antemão que é fake news, tá ok?

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Léo Jianoti
Leo Jianoti

Pai do João e do Bento, economista, educador e escritor amador.