Pisca-alerta ou pisca-e-fodase

Léo Jianoti
Leo Jianoti
Published in
2 min readFeb 14, 2019

O que será que ela está pensando agora? Será que lembra de mim aqui? Tímido e esperançoso? Ou será que ela está curtindo a música que harmoniosamente toca em seu rádio do carro e inunda sua alma plena? Ou ainda, com a onda dos pensamentos que vão e vêm, ela sonha com um lugar paradisíaco ou simplesmente sente saudade de coisa boa?

Não, nada disso, amigo leitor. Esse ser de luz só está pensando nela! Pra dentro, em si mesma. Nada mais existe! O mundo é seu reino e sua vontade é obrigação global. Curvem-se plebeus, ela chegou.

Chegou e parou em mão dupla na frente da escola! Ah, essa abençoada que sequer cogita a existência do próximo. Se ela pensa em mim ou em você? Nenhum segundo! Em ninguém, diga-se de passagem.

Mas ela ligou o pisca-alerta. Claro, pisca-alerta ligado, licença concedida para o mal feito. Só mais uma situação corriqueira numa grande cidade: lá está mais um abençoado com seu pisca-alerta ligado, me fazendo parecer impaciente e subjugando toda a humanidade à sua conveniência.

“Oh mundo, curve-se aos pés de minha necessidade que sobrepõe a tudo e a todos, e à toda e qualquer existência vã e irrelevante neste plano terrestre” — essa é minha tradução livre do piscar de luzes no meio de um final de tarde tumultuado.

Sim, meus amigos, o uso do pisca-alerta precisa ser repensado. Acho que inclusive valeria a pena criar uma nova lei de trânsito para punir essas almas superiores. Eu até já teria uma sugestão de pena: pedalas-robinhos na cabeça.

Esses espíritos de luz — espero que percebam o sarcasmo aqui que evita o uso de palavras de baixo calão -, param seus veículos em ruas movimentadas, cruzamentos, garagens, vagas exclusivas, fila dupla e em frente ao sinal aberto para os mais diversos fins. Por vezes para buscar pessoas, outras vezes para buscar ou deixar um objeto ou algo parecido.

O problema está justamente quando sua necessidade (ou comodidade) está sobrepondo o incômodo causado ao outro. Um suposto direito adquirido gera um prejuízo para muitos outros.

Claro, vale lembrar que táxis e veículos oficiais podem se utilizar desse recurso.

Antes que comecem as críticas na linha de “largue mão de ser chato, é coisa rápida”, deixe-me explicar.

Meu ponto é que essas almas superiores não tem direitos maiores ou melhores que o seu. Viver no coletivo pressupõe sacrifícios em prol da convivência. Essa besteira de só um pouco ou ‘o que quê tem’, não funciona.

Só faz sentido se fizer bem para todos e não prejudicar ninguém. Agora já descarreguei a minha raiva, a abençoada já desligou o pisca e partiu. Vou lá buscar meu pequeno e correr pra casa, o terceiro turno está só começando.

--

--

Léo Jianoti
Leo Jianoti

Pai do João e do Bento, economista, educador e escritor amador.