“ESTE É O MEU PAÍS”

Leon Lucius
Leon Lucius
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4 min readFeb 21, 2018

Após ser agredido verbalmente e ter o carrinho de salgados árabes destruído em uma esquina de Copacabana, no Rio, o cozinheiro refugiado Mohamed Ali Kenawy, sírio de nascença e egípcio por criação, viu sua história se tornar símbolo de luta contra a xenofobia no estado. Em setembro de 2017, ele recebeu o Título de Cidadão Fluminense pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

Mohamed tem 33 anos e é filho de mãe síria e pai egípcio. Começou a estudar Direito no país onde cresceu, mas largou o curso para seguir sua vocação: cozinhar. Por conta da crise política no Oriente, seu negócio não alavancou e ele viu no Brasil a oportunidade de se integrar em uma cultura marcada pela diversidade. Em entrevista ao Jornal da Alerj, Mohamed falou sobre o caso, sua trajetória até o país e a importância do respeito às diferentes culturas.

Mohammed, o seu caso impactou muita gente. O que aconteceu?

Foi muito ruim porque foi a primeira vez que eu sofri preconceito no Brasil. Estava trabalhando quando um rapaz começou a falar com um sotaque diferente, me dizendo para “sair da cidade dele”. Eu não estava assustado, mas surpreso, e o perguntava o porquê. Ele me dizia que eu era um terrorista, que matava crianças.

Na minha opinião, esse homem não teve educação, pois não sabia nada sobre o meu país e minha religião. Quem é ele para me fazer sair? Se seu governo me recebeu, porque me dizer isso? Esse cara quebrou o meu carro, mas isso eu pude consertar. Eu senti que ele quebrou a minha felicidade.

E isso mudou sua percepção sobre os brasileiros?

Não! Eu não poderia dizer que o brasileiro é ruim, como não posso dizer que os árabes são. Existe gente de todo o tipo. Se há, por exemplo, uma página rasgada em um livro, não é certo dizer que ele todo está danificado. Você tem que cuidar dele se não todas as outra páginas vão rasgar.

Foto: Thiago Lontra/ALERJ

O seu caso ganhou destaque nas redes sociais e as pessoas organizaram um movimento apelidado de “Esfirraço”, convidando a população a conhecer o seu trabalho e se manifestar contra a xenofobia. Como foi pra você?

Depois de uns dias, apareceram pessoas me pedindo desculpas e eu fiquei perplexo em ver que todo mundo sabia o que tinha acontecido comigo. A partir daí, minha vida mudou totalmente. Fiquei muito surpreso e pensei “Meu deus, eles fizeram tudo isso por mim!”. Foi um momento em que me senti cheio de amor.

Você já está no Brasil há três anos, tendo inclusive se casado com uma brasileira. Porque você decidiu vir para cá?

Eu vim por conta da situação política do Egito, país onde cresci, que está marcado pela crise, pela guerra e pelo Estado Islâmico. A princípio, tirei um visto de turista para ver as condições do país em me receber, mas já tinha procurado muito na internet sobre a cultura brasileira e vi que ela é muito diversa. Pensei que seria melhor vir para cá do que ir para Europa ou para os Estados Unidos e ser ignorado.

Foto: Thiago Lontra/ALERJ

E quando você chegou? Quais foram os principais desafios?

Eu tive que descobrir muitas coisas, como a língua, por exemplo. Cheguei sabendo só inglês e árabe. Uma vez, pedi uma informação a um rapaz dizendo “por favor, eu quero vai ao metrô” e ele me explicou que era “ir ao metrô”. Eu pensei “que incrível! As pessoas estão me ensinando a maneira correta de falar”. Eu acredito que isso não aconteça em qualquer lugar.

Como você disse, a experiência e preconceito foram um caso isolado no país. Fora isso, como tem sido viver no Brasil?

Este é meu país, por que isso não diz respeito ao lugar que você nasceu, mas onde está o respeito a sua religião e a quem você é como pessoa Algumas pessoas me perguntam minha nacionalidade, mas que diferença faz se eu sou indiano, russo ou americano? Esqueça a minha religião, a minha cor e a minha nacionalidade. Eu sou humano.

No Brasil, vocês têm liberdade e é preciso lutar por este país porque, mesmo com uma crise tão grande, em não muito tempo ele voltará a crescer.

*Com a colaboração do jornalista Gustavo Natário.

**Este texto é uma versão estendida da matéria publicada no Jornal da Alerj nº 330.

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Leon Lucius
Leon Lucius

Jornalista em formação | Repórter e Assessor de Imprensa na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj)