A rua de casa

O que, de fato, são os Cozinheiros do Bem?

Leonardo Ritta
Leonardo Ritta
2 min readOct 16, 2019

--

Foto: Cíntia Lima

É um coletivo. Ok, entendi. Mas como assim, se não parece haver a menor coesão entre essa gente toda? Como pode um coletivo ser mais parecido com uma Torre de Babel do que com um organizado exército assírio?

Não temos ligação política. Certo. Mas e se eu te dissesse que o que fazemos, desde a concepção da ideia até a última panela lavada depois de uma ação, é um ato político?

Também não temos ligação religiosa. Deus, Buda, Jesus, Mohamed, Alá, Krishna cozinham lado a lado. Também ao lado de quem é de axé. Também ao lado de quem não é de nada. Mas e se a gente olhar e ver que a parte boa de muitas dessas crenças diz para amarmos a todos sem distinção?

Sabe por que os Cozinheiros do Bem funcionam? Porque somos como uma família. Tem comparação mais clichê do que essa? Não importa. Nessa babel de estudantes e aposentados, de bancários e médicos, de donas de casa e magistrados, há um fio condutor que traduz todas as línguas. Os Cozinheiros não são nada sem cada uma dessas peças. São o que são porque são todos eles. Porque somos todos nós.

Uma família pode ser muitas coisas. Pode ter muitas formas. A nossa tem alguns papéis bem característicos. Tem a avó, matriarca do bando todo. Tem o sonhador, tem o fazedor. Tem os primos que brincam, brigam e trabalham juntos. Tem os tios e as tias, uns mais quietos, outros mais barulhentos. Todos trabalhando muito. O que me prova que somos uma família são duas coisas.

Primeiro: nós brigamos. Muito. Brigamos porque acreditamos, porque nos importamos. O que me surpreende é que, mesmo com os abalos momentâneos, quem é de casa volta. Quem é de casa pertence e faz pertencer. Segundo: ninguém escolhe de fato estar lá. Não caímos lá (e permanecemos!) por acaso. Não, não somos enviados do Divino para salvar a humanidade. Talvez precisássemos, por motivos diversos, canalizar nossas energias para algo relevante. Sabemos que tratamos apenas um sintoma. Mas é um sintoma que dói e que não podemos mais ignorar.

Nós somos uma família, bem brega assim mesmo. Somos gente que se cruzou e que hoje cozinha numa cozinha muito engraçada, que não tem teto, que não tem nada. Como muitas das pessoas que comem conosco. Nosso trabalho é todo para eles, mas acaba respingando em nós. Nos alimentamos de empatia. De Ágape, o amor sem razão de ser e sem condicionais. Levamos um pouco de casa para a rua, que serve de casa para tanta gente.

--

--

Leonardo Ritta
Leonardo Ritta

Para escrever bem, é preciso ter a coragem de escrever mal.