Bibliotecar

É possível tornar a biblioteca pública um vetor de ocupação urbana?

Leonardo Ritta
Leonardo Ritta
3 min readOct 28, 2019

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Foto: Helena Rocha/PMPA

Ocupar espaços públicos é uma necessidade. É uma parte da solução para vários problemas que temos, em especial no modelo de desenvolvimento urbano brasileiro. Notadamente, a violência aumenta quando permitimos “vácuos" na cidade: onde não circula gente, ronda o perigo. A primeira coisa que me vem à cabeça são praças e parques. Às vezes negligenciados pelo poder público, a falta de manutenção afugenta as pessoas e vice versa.

Há não muito tempo me dei conta de que negligenciamos largamente um tipo de espaço público menos óbvio. As bibliotecas públicas podem desempenhar um papel fundamental na ocupação vibrante da cidade. Nem só de bares hype e áreas industrias gentrificadas (re)vive uma cidade.

No início do ano me associei à Biblioteca Pública Municipal Josué Guimarães. Depois de alguns meses como feliz usuário dos seus serviços, trago algumas inquietações que me mostraram a biblioteca pública como possível epicentro duma ocupação viva e sustentável do tecido urbano.

Talvez pareça absurdo pensar na biblioteca como vetor de ocupação pública, especialmente no Brasil. O processo de encastelamento capitaneado pelas classes ricas e toscamente mimetizado pelas classes médias deixou muitas ruas vazias, as cidades voltadas aos carros e as oportunidades perfeitas para quem quer praticar atos, digamos, pouco cidadãos. Logo, pensar na biblioteca - um lugar silencioso, de aparente pouca interação e ainda razoavelmente elitista - como espaço democrático e vivo pode parecer errado.

Também existe o fato de que o consumo de conteúdo vem se tornando cada vez mais eclético. E-books, podcasts e videos estão ocupando cada vez mais espaço nas cestas de consumo.

Essas duas questões são respondidas se pensarmos que a biblioteca de 2019 já não é simplesmente um aglomerado de livros. Sabemos que faltam recursos para bibliotecas modernas, mas mesmo assim a grande maioria delas está conectada com tendências atuais. Da mesma forma, atividades que envolvam a comunidade tiram o ar pesado e catedrático do ambiente.

Se há um movimento, mesmo que ainda tímido, de convidar as pessoas à rua novamente, por que não convidá-las a entrar na biblioteca? Se fizermos esse convite desde cedo, talvez se crie um hábito. Talvez aquele ambiente perca o ar tedioso e sisudo. Ainda mais, se mobilizarmos as bibliotecas em áreas carentes de equipamentos públicos, falando a língua da localidade, talvez vejamos um engajamento.

É necessário engajar as pessoas no ato da leitura. Trazer para a sua realidade uma leitura descomplicada. Mostrar que não precisamos prejudicar a renda mensal, já que a biblioteca está lá com os livros de mão beijada. Quem sabe utilizar suas instalações para outras ações de inclusão digital, cursos de Excel e afins, que possam trazer um diferencial para quem está correndo atrás. A biblioteca pode se vestir de várias formas e atender diferentes públicos.

Para isso acontecer, precisamos ocupar novamente esse espaço quase obsoleto. Aproximar as pessoas da literatura passa por trazê-las para um ambiente que as convide a ler. Ouvir os bibliotecários e os profissionais das Letras. Associar-se a uma biblioteca. Frequentar. Convidar. É de graça e é nosso.

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Leonardo Ritta
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Para escrever bem, é preciso ter a coragem de escrever mal.