Cobertor curto

A juventude brasileira sem dinheiro e com vontade de comprar

Leonardo Ritta
Leonardo Ritta
4 min readMar 16, 2020

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Nós, encaixotados dentro da Geração Y, com a pecha de millenials, nos acostumamos a idealizar uma vida que vimos em Friends. Se formos pensar, nada demais, certo? Nem vou questionar a factibilidade da vida deles, mas vou focar num aspecto menos problemático. Idealizamos uma vida de jovens de classe média. Praticamente tínhamos um fetiche sobre ela. Nosso modelo não era uma vida extravagante de gastos excessivos e consumo desenfreado, e isso tem um lado positivo: sociedades mais justas parecem ser as menos desiguais, onde a maioria anda no caminho do meio (mesmo que isso não seja exatamente uma escolha).

Fonte: Ghiphy

Acontece que aqui nos trópicos as coisas mudaram um pouco. Depois de uma década de ascensão, essa classe média que mimetizava os habitués do Central Perk anda patinando mais do que gostaria. Nos tempos de bonança, os preços subiram, mas os salários também. Novos empreendimentos fizeram as cestas de consumo dessa juventude ficar bastante recheada. Mais do que isso, eles começaram a testar os limites da elasticidade-renda dessa demanda.

E aí o caldo entornou

Até onde a renda aumentou, a brincadeira teve graça. Ainda nos primeiros engasgos da economia brasileira lá pelas idas da Copa do Mundo de 2014, o consumo estava aquecido. As coisas pareciam ir bem.

Avancemos um par de anos e estamos no Brasil de hoje. A situação veio se deteriorando muito e a renda achatou. A inflação, embora não galopante como nos tempos em que o Brasil tinha só um mundial de vantagem em relação à Argentina, veio lentamente corroendo o poder de compra dessa parcela jovem, que logo se viu desempregada, endividada e acostumada com um padrão e consumo relativamente caro, já descolado da sua realidade financeira.

Com a piora da economia em 2019, adivinha quem sofreu mais com a inflação? Fonte e elaboração: IPEA.

Além de indicadores econômicos de metodologia consagrada, existem alguns termômetros mais lúdicos -e proporcionalmente mais toscos- para entender a situação. Um dos mais esdrúxulos, porém talvez mais efetivos, é a movimentação na internet. As páginas de memes, por exemplo, que se proliferam nas redes sociais, são veículos que mostram a rapidez da vida real. As postagens de diferentes páginas são razoavelmente alinhadas e as nuances de linguagem e de conteúdo permitem encaixá-las em espectros de classe média baixa ou alta. Inclusive, não é muito difícil identificar as suas propensões políticas. As diferenças somem quando começamos a ver um padrão em postagens: o número de posts falando sobre a dificuldades financeiras é tão grande quanto aqueles que falam de ansiedade, doenças mentais e transtornos em geral. Falam de boletos, cheque especial, cartão de crédito e algumas citam até agiotas. É uma brincadeira que, no fundo, traz uma realidade dura. Se não são cientificamente relevantes, as postagens são observações que podem gerar hipóteses. Se olharmos os comentários desses posts, a sensação de pertencimento do público àquela realidade é enorme.

E agora?

É fato que esse achatamento da renda de jovens de classe média vai continuar por alguns anos. O que está acontecendo -e creio que deve continuar- é que os padrões de consumo mudarão e essas classes médias terão que buscar formas mais baratas de entretenimento. O renascimento dos blocos de rua no carnaval não se deu ao acaso. O sucesso da Corote tampouco.

Não se deve, contudo, romantizar esse relativo empobrecimento da nascente classe média da geração Y. Nesse contexto, qualquer organização financeira individual será mais ou menos insuficiente frente à corrosão do poder de compra. Mas deve ser feita.

Ver uma massa razoavelmente instruída patinando para fazer a contas fecharem é preocupante. O consumo vai continuar baixo até os preços se adequarem e um novo ciclo de expansão de renda começar. Aí veremos, novamente, uma classe média se empanturrando de coisas de necessidade questionável, provavelmente fruto duma demanda reprimida.

Esse causo todo diz respeito apenas a consumo de curto prazo, na sua maioria de serviços e de bens não-duráveis. O cenário é um pouco mais sombrio e requer outra análise se a gente pensar, por exemplo, no mercado imobiliário e no quanto isso fica cada vez mais distante da realidade dos jovens. Como vão se comportar as pessoas em relação a comprar uma casa? O padrão vai ser parecido com o europeu mesmo com as discrepâncias de renda?

Enquanto isso, sem tornar a situação mais bonita do que é, teremos que adequar o consumo à renda e aproveitar o que é bom e barato. Até sairmos do atoleiro, viver como a Phoebe ou o Joey vai ser mais uma vontade (reprimida!) do que uma realidade. Afinal, morar em Manhattan ou no Bom Fim custa mais caro do que podemos pagar.

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Leonardo Ritta
Leonardo Ritta

Para escrever bem, é preciso ter a coragem de escrever mal.