Mais do que empilhar palavras

O que é ler, e como isso pode mudar alguma coisa?

Leonardo Ritta
Leonardo Ritta
4 min readOct 21, 2019

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Eu gosto de ler. Ainda perco tempo com distrações e sinto que minha atenção, às vezes, fica comprometida mais facilmente. O fato é que descobri que ler me faz bem em vários aspectos, não só pelo conteúdo da leitura, mas porque ler funciona como uma musculação. Pensar fica menos difícil e mais organizado.

Pois eu li um texto com um título sexy: por que pessoas inteligentes deveriam ler menos livros. Logo de cara, o autor faz o desagravo de que soa contra-intuitivo. Não só soa como é.

A ideia é de que o custo de oportunidade de ler é muito alto. Basicamente, o tempo gasto lendo um livro pode ser usado para fazer outra coisa mais eficiente, inclusive ler um livro melhor. Economês do primeiro semestre da graduação e profundo como um pires.

Photo by Eli Francis on Unsplash

Supostamente, é mais eficiente ouvir um podcast ou uma entrevista com o autor. De fato, são atividades que podem fixar conteúdo. Mas envolvem menos esforço, menos músculos do que ler. Complementar a leitura com áudios e vídeos é necessário, mas não suficiente.

Parece haver, aqui, um problema em definir o que é ler. Existe, antes, o já batido argumento de que a informação hoje é mais dinâmica e é perda de tempo se debruçar num calhamaço de 300 páginas. Ok, mas vamos partir para o que interessa de verdade. Ler é sempre a mesma coisa? Trago algumas reflexões de como eu sinto o ler e de como eu organizo as minhas leituras.

Quanto ler?

Ler bastante é o ponto de partida. Seja por gosto, seja por hábito, é importante começar o caminho lendo em grande quantidade de horas e de páginas/obras. É o primeiro passo para se entender como ler. Alguns de nós começam na infância, outros adquirem o hábito com o passar do tempo. O negócio é começar lendo tudo que cai na mão.

O que fazer com tudo que cai na mão?

Aqui é o ponto de inflexão. Quando passamos um bom tempo lendo em grande quantidade, criamos resistência, capacidade de concentração, e, principalmente, um senso crítico sobre o que nos agrada e o que não nos agrada. Conseguimos filtrar o que nos prende e o que nos interessa. Neste ponto, descartamos os livros de má qualidade e devoramos os bons. Identificamos falhas no processo de escrita, na tradução ou na edição. Com o passar do tempo, então, vamos ficando craques em entender onde focar as energias.

Também vamos perdendo a vergonha de achar um livro ruim. Não é feio. Temos que ter a coragem de dizer que não vamos ler determinado título, seja ele um clássico, seja um lançamento. Não é para ler menos, é para ler melhor. Tem muito livro bom nesse planeta.

Ler é sempre a mesma coisa?

A resposta é um sonoro não. É imprescindível, nesse processo que começa por ler muito, depois filtrar as leituras e focar naquilo que nos interessa, entender as estratégias de leitura. Não é trapaça, é técnica!

Um livro de não-ficção merece atenção, afinco e compreensão do contexto. Leio a capa, a contracapa, as orelhas, o sumário, os títulos dos capítulos, nessa ordem. Depois, sim, passo para uma leitura do livro em si. Conforme fui me acostumando a fazer essa contextualização, a leitura foi ficando mais eficiente. Fui perdendo menos tempo porque já sabia previamente a que o autor estava se referindo em determinado capítulo.

Para quem não gosta disso e quer ler tradicionalmente, já existem aplicativos bem interessantes, que fazem com que a visão foque em apenas um ponto, enquanto o texto passa. Pretendo tentar, mas jamais em romances ou poesias.

Já esses dois últimos citados eu acredito que demandem não só atenção, mas também tempo de degustação. Ler um romance e, principalmente, ler uma coletânea de poemas demanda tempo para fazer conexões e para entrelaçar as várias interpretações que vão surgindo ao longo da leitura. Nestes, sim, ler é um ato de paciência, como se fosse uma maratona. Igualmente, com o tempo vamos entendendo de pronto a identificar um romance que nos prende. Eu não perco tempo se uma história não me satisfaz até uns 30% do livro.

“Yo siempre me había imaginado el Paraíso bajo la especie de una biblioteca” (JL Borges)

Dito isso, há uma série de “opcionais” que variam de acordo com o gosto do leitor. Ler vários livros ao mesmo tempo ou lê-los em sequência. Ler vários conteúdos intercalados/misturados ou dividir por áreas de interesse. Isso pouco me importa, às vezes mudo a estratégia de tempos em tempos sem regra definida.

A questão principal é que ler ajuda a pensar, facilita a organização das ideias e nos leva a uma forma mais completa de raciocinar. Isso sem falar no conteúdo: esses ganhos que eu citei são simplesmente por fazer uma atividade que demanda um esforço razoavelmente grande. Ler mexe com a cabeça. Se esse esforço for canalizado para leituras que nos satisfaçam, aumentamos ainda mais nosso potencial de aprendizado.

Principalmente no Brasil, onde se leu, em média, menos de 5 livros por ano em 2015, é necessário tornar a leitura um hábito. É preciso democratizar o livro, apresentar as literaturas como algo menos elitista e menos distante da realidade da grande maioria da população. Por isso, é preciso se despir dos preconceitos e entender que existem várias leituras e vários modos de fazê-las. É preciso, antes de tudo, começar a ler. Muito.

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Leonardo Ritta
Leonardo Ritta

Para escrever bem, é preciso ter a coragem de escrever mal.