Taça-níquel

A triste transformação de uma manifestação coletiva

Leonardo Ritta
Leonardo Ritta
3 min readOct 16, 2019

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A paixão pelo futebol não escolhe classe social. O espetáculo das quatro linhas, porém, parece escolher. O futebol, que move pessoas aos milhões, atrai os olhos de um público muito interessante para quem procura consumidores, e não é à toa que se veem as lindas camisas dos times de futebol quase como macacões de pilotos de F1, repletas de marcas muitas vezes alheias ao esporte. A capitalização do futebol, além de tornar difícil a identificação do escudo do clube em meio a um emaranhado de formas e cores no uniforme, tem trazido outros efeitos colaterais que excluem a maior parcela de interessados, apaixonados pelos clubes de futebol no Brasil.

Foto: Delmiro Junior/Raw Image

As últimas décadas mostraram uma grande alavancagem social no Brasil. Milhões de pessoas foram inseridas numa lógica de consumo próxima à da classe média. Com isso, valorizou-se a exposição proporcionada pelos clubes e, consequentemente, todos os valores envolvidos foram proporcionalmente inchados: salários de jogadores, cotas de patrocínio, investimentos. O aumento dos recursos, aliados a uma suposta propensão maior do torcedor em pagar por entretenimento, haja vista a tal “alavancagem”, levou a um movimento fatal aos amantes do futebol: a elitização dos estádios.

Ela passa, antes de tudo, pelo processo de transformar os clubes de futebol em empresas. Não há dúvidas de que os clubes brasileiros deveriam ser mais bem administrados, principalmente para tornarmos nosso futebol sólido novamente, e não uma incubadora de talentos para as canchas pecho frío do velho mundo. O problema se dá quando a atividade fim (o futebol!) passa a dar lugar à obtenção de resultados financeiros que independem do sucesso esportivo. A venda de jogadores, a aquisição de ativos, as cotas de patrocínio são importantes, mas devem ser o meio para o qual se chega às taças e à redenção de qualquer time de futebol.

Naturalmente, essa conta foi repassada ao elo mais fraco da cadeia: os torcedores. A transformação dos clubes em SAs permitiu às diretorias encarecer os ingressos, sob pretexto de que havia a necessidade de recuperar os investimentos em estádios e arenas modernos. Além disso, com pessoas dispostas a pagar por ingressos mais caros, a conta fecha para o clube. Só não fecha para os milhares (ou milhões) de torcedores que ficam impedidos de ver seu clube do coração jogar, pelo simples fato de que os ingressos para o jogo são proibitivos. Isso resulta numa elitização sem precedentes no futebol brasileiro. Há, claramente, um esforço para se tornar o jogo de futebol um “evento social” no pior sentido da expressão. O que antes era um respiro do povo, de tribunas diversas e repletas de trabalhadores e trabalhadoras, de estudantes, de apaixonados pelas cores que defendiam, hoje é um reduto de altos salários, de jogos de torcida única, em termos de sociedade. Amor ao clube, hoje, é apenas uma das condições para se ver o futebol das arquibancadas: não basta amar, tem que poder pagar (caro!).

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Leonardo Ritta
Leonardo Ritta

Para escrever bem, é preciso ter a coragem de escrever mal.