Dia da Mulher é dia de Luta

Agradecemos as flores, porém o que queremos mesmo, todos os dias, é respeito e igualdade de gênero

Lais Godinho
levantelab
4 min readMar 10, 2020

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O dia da mulher não é uma data comercial como outras, e tratá-la como tal é uma maneira de apagar o protagonismo feminino. Não é sobre presentear as mulheres que você ama com flores, maquiagem e roupas. É uma data política conquistada pela luta das mulheres. E seguimos lutando pela conservação, reafirmação e promoção de direitos às mulheres.

Escutamos diversas histórias sobre a criação do Dia Internacional da Mulher — entre elas, a famosa sobre o incêndio que matou operárias na fábrica têxtil Triangle Shirtwaist Company, em Nova York — mas a verdade é que a não tem uma causa única. Sabe-se, em 1910, a militante Clara Zetkin propôs a criação da data para abordar sobre mulheres no trabalho e o sufrágio feminino, no II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhague. Diversas manifestações de trabalhadoras aconteceram na Europa desde a proposta de Zetkin, sendo a mais conhecida delas ocorrida no dia 8 de março de 1917, quando operárias russas da indústria têxtil entraram em greve.

No Brasil,em junho de 1917, uma greve de operários, em sua maioria mulheres foi realizada em São Paulo dentro de uma fábrica têxtil. Entre as reivindicações estavam o aumento de salários e redução das jornadas de trabalho, questões que ainda não eram garantidas por lei naquela época. Essa greve, onde as mulheres se colocaram na linha de frente, se espalhou por outros setores da economia, tomou os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Foi a primeira “greve geral” no país (leia mais aqui).

Desde então, evoluímos na conquista de direitos, mas o caminho pela igualdade tão sonhada ainda é longo. Isso porque não alcançamos a equiparidade de salários, o fim da violência de gênero, do feminicídio, do abuso sexual, entre outros direitos fundamentais para existirmos.

Créditos: Freepik

Lutamos pelo direito de trabalhar e ter direitos

A luta das mulheres por melhores condições de trabalho começou no chão da fábrica, em meio a revolução industrial. Dois séculos depois e o número de desempregadas no Brasil ainda é 29% maior que o de homens. Quando se trata de posições de liderança, os dados são ainda mais significativos: as mulheres representam apenas 2,8% dos cargos de liderança no Brasil, de acordo com o International Business Report.

A estimativa do Fórum Econômico Mundial é de cem anos para alcançar a equiparação salarial. Cem anos. Hoje, as mulheres recebem 74,5% do salários dos homens ocupando os mesmos cargos, apesar de ser a maioria da população brasileira e possuir mais educação formal. As mulheres negras são as que mais sofrem com a desigualdade, tendo que trabalhar o dobro de tempo para receber o mesmo salário de um homem branco. De acordo com levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em São Paulo, as trabalhadoras negras têm remuneração média R$ 10,82 a hora, enquanto os homens brancos têm R$ 21,84.

No ramo da tecnologia, o qual estamos inseridas enquanto Levante Lab, a desigualdade de gênero é ainda maior. As mulheres ocupam apenas 20% dos cargos do mercado de tecnologia da informação (TI) e têm salários 34% menor que os homens, embora possuam maior grau de instrução. De acordo com a ONU Mulheres Brasil, 74% das meninas expressam interesse no campo da ciência, mas apenas 30% das pesquisadoras do mundo são mulheres. Em que parte do caminho perdemos essas meninas?

Entre os principais motivos para as mulheres não entrarem no ramo, Maria Klawe, presidente do Harvey Mudd College, aponta a falta de interesse, não acreditarem ser boas em tecnologia e não acharem que irão trabalhar com pessoas com as quais se sentiriam confortáveis ou felizes. Essas desmotivações são geradas, principalmente, pelas diferenças com as quais criamos os meninos e as meninas desde a primeira infância. Enquanto os meninos são estimulados a lidarem com ciências, tecnologias e engenharias, as meninas são estimuladas à maternidade, culinária e demais afazeres domésticos.

As mulheres que empreendem também encontram barreiras. Nos negócios de impacto social, de acordo com estudo da Pipe.Social, elas têm menos acesso a investimentos que os homens. Entre as empresas estudadas que foram fundadas apenas por mulheres ou que as têm maioria como sócias, apenas 25% já conseguiram captar investimentos, contra um percentual de 55% dos negócios fundados por homens.

A pesquisa também mostrou que os negócios comandados majoritariamente por homens tendem a acessar recursos por mecanismos como equity e dívida conversível. Já as lideradas por mulheres, captam recursos por fontes como crowdfunding, instituições públicas, bancos de fomento, empréstimos e doações. Eles também são maioria entre os negócios de impacto social com maior faturamento. Entre as empresas com faturamento de até R$ 50 mil, 67% são comandados por homens. O percentual é de 74% na faixa acima de R$ 4,1 milhões.

Esses dados revelam uma grande desigualdade entre os gêneros, mesmo após décadas de mobilização das mulheres na luta por direitos iguais, bandeira de uma sociedade republicana. A conquista da igualdade esbarra na desproporção nas divisões de tarefas domésticas e responsabilidade parental entre homens e mulheres, assédio físico ou moral no ambiente de trabalho, falta de representatividade.

Ainda que estejamos cansadas, é preciso continuar lutando, ação de reconhecimento pelo esforço realizado durante séculos pelas mulheres que nos antecederam. Acreditamos que é a mulher do presente que pode mudar a sociedade e por isso seguimos juntas, reconhecendo nossos talentos, nosso trabalho por um mundo mais justo e onde possamos ser tudo aquilo que quisermos sem medo.

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