Empreendedorismo materno sempre existiu

A nossa história é o trabalho das mulheres

Milene Loio
levantelab
4 min readMar 13, 2020

--

Quando sentei para conversar com minha mãe sobre como a minha vó conciliava o trabalho doméstico com o cuidado dos filhos, ela me fez perceber que além do trabalho doméstico também tinha um trabalho que só começou a ser reconhecido recentemente. Um trabalho erroneamente chamado durante muito tempo como “complementação da renda familiar”. Erroneamente porque esse título se dava para não “roubar” o espaço que o homem tinha como aquele que garantia a estrutura financeira do lar.

Minha vó sempre plantou e vendeu. Plantava milho, mandioca, todos os verdes que usamos para salada, tinha pé de laranja, tangerina, e até de castanhas. Além de uma vaca que gerava renda para a família a partir do seu leite vendido pela minha mãe e meus tios e tias para os vizinhos.

Ou seja, as mulheres e mães sempre trabalharam além do lar, responsáveis muitas vezes por duplicar a renda da família.

Créditos: Sebastian Staines

O termo “empreendedorismo materno” é uma forma de nomear o que as mulheres sempre fizeram: construir fontes de renda conciliando o trabalho doméstico com o cuidado dos filhos. Mas então, qual seria a novidade? Além de ser um comércio que tem como direcionamento produtos úteis à maternidade, arrisco dizer que outro motivo que levou à mudança sobre essa percepção seja o fato de que as mulheres passaram a utilizar as tecnologias digitais como forma de expressão, promoção e divulgação dessa atividade das mães.

Empreender para mães é realmente uma escolha?

Cristiane Dourado, em seu mestrado, reflete sobre o impacto positivo do comércio eletrônico para viabilizar novos negócios gestados por mães. Sabemos que as mulheres encontram algumas barreiras para voltar ao mercado de trabalho após a licença maternidade. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas metade das mulheres deixam o mercado de trabalho em até 12 meses após o fim da licença maternidade de 120 dias (4 meses). Uma das causas disso é a flexibilidade de horários. Na maioria dos regimes de trabalho, os horários são rígidos e conciliar o cuidado das crianças sem uma rede de apoio é um grande desafio quase impossível. A pesquisadora estudou a realidade de mulheres que fazem a opção por não voltar a trabalhar e utilizam o comércio eletrônico para obter visibilidade no trabalho que realizam e vender seus produtos. Ela concluiu que essa tecnologia digital é um importante meio de inclusão socioeconômica para essas mulheres.

Mas preciso dizer que num país como o nosso, onde a licença paternidade pode chegar apenas a 20 dias (na maioria dos regimes de trabalho somente a 5 dias), trabalhar de casa não é uma escolha para a maioria das mulheres que conciliam os cuidados dos filhos com a carreira.

Essa é a opinião de Raquel Marques que é mãe e escreve sobre a dores e as delícias da maternagem e também sobre assuntos relacionadas a sua profissão de sanitarista. Ela acredita que apesar de grande parte da mídia tradicional tratar o empreendedorismo feito por mulheres como uma tendência libertadora, o caminho que leva até ele vem de uma insegurança relacionada até mesmo ao trabalho assalariado. Se juntarmos a isso às condições de trabalho, que para as mulheres são ainda mais exaustivas, vemos que a decisão por empreender para muitas mulheres pode ser a consequência de um mercado de trabalho que não condiz com as necessidades dessa parte da população.

Créditos: NeONBRAND

Diante desse cenário, empreender não é uma questão de escolha. Tendo essa consciência, separei algumas dicas para as mães que precisam empreender para continuar garantindo ganho financeiro para suas famílias:

  1. Horários flexíveis não significam menos horas de trabalho: trabalhar em casa pode significar trabalhar enquanto a sua criança dorme, antes de ser interrompida por alguma função cotidiana, etc. Fiz isso com ajuda da minha sogra quando minha filha tinha 5 meses e me sentia às vezes muito culpada de não estar com ela e às vezes frustrada por não dar conta totalmente das demandas. O que nos leva ao próximo ponto.
  2. Peça ajuda: não exite em pedir ajuda! Você vai precisar de atenção plena para focar no seu negócio. Busque redes de apoio que acolham seus filhos, se não conseguir com a família, com a vizinhança, hoje em dia já existem espaços acolhedores para crianças onde você pode trabalhar. Se você conseguir, separe pelo menos um período do dia para focar no seu negócio.
  3. A comunicação no meio digital: a sua comunicação precisa ser direcionada ao seu público de interesse! Ao invés de abraçar o mundo, estude o perfil dos seus clientes e busque comunicar o seu produto de forma direcionada.

Quero finalizar esse texto voltando para o lugar de onde em vim.

Trabalhando de casa, inclusive exatamente o que estou fazendo agora, enquanto minha filha passeia com sua madrinha, permito-me refletir sobre a história das mulheres que me antecederam e honrar suas batalhas. Hoje eu tenho a possibilidade de refletir sobre suas histórias, valorizar o trabalho invisível que realizaram durante grande parte de suas vidas, e dar visibilidade a ele. Tirar ele de um lugar perigoso na história: tirá-lo do apagamento.

Reconhecer que sempre trabalhamos mais e agora que temos o direito de estudar, também estudamos mais. Cuidamos mais de nossas crianças e de nossos idosos. Tudo isso é trabalho. Por isso, 8 de março não é sobre consumo, como querem nos enfiar as propagandas. É sobre a história e o trabalho das mulheres.

--

--

Milene Loio
levantelab

Mãe, educadora, pesquisadora, doula. Escrevo porque sinto que a escrita move as pessoas e o mundo.