O abandono dos mais pobres

Como a pandemia está afetando quem tem menos

Lais Godinho
levantelab
4 min readSep 29, 2020

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Ilustração de Jaqueline Antunes Oliveira— Levante Lab

O abandono é definido como ‘’Falta de amparo’’, ‘’Falta de cuidado’’, ‘’Que não recebe proteção ou ajuda’’.

No momento que estamos atravessando, como em qualquer outro, quem sofre mais é quem tem menos. Quem está ou foi abandonado. Primeiro, pela própria sociedade, entendendo-a como aquela que constrói o lugar para todos aqueles que são parte de sua dinâmica social. Segundo, pelas políticas públicas, que não ampararam de modo total as pessoas mais pobres.

Como medida paliativa de assistência social, o Governo do Brasil criou o auxílio emergencial, benefício instituído pela Lei de nº 13.982/2020 para os brasileiros desempregados e autônomos com renda familiar de até meio salário mínimo per capita (R$ 522,50) ou três salários mínimos total (R$ 3.135,00). O valor de R$ 600 — R$1200 para mães solo — começou a ser pago em abril. Neste mês, o valor foi reajustado para R$ 300, sendo prorrogado por mais quatro parcelas mensais a serem pagas entre setembro e dezembro.

O novo valor, conforme estudo realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), sequer é suficiente para comprar a cesta básica nas capitais brasileiras pesquisadas. O menor valor foi registrado em Aracaju, R$ 398,47. O maior, em São Paulo, R$ 539,95. O alto preço de alimentos básicos como arroz e feijão, constantemente reajustados desde o início da pandemia por causa do aumento do valor do dólar, impactaram diretamente na mesa do brasileiro.

Além disso, com a insegurança econômica que enfrentamos, o desemprego disparou no Brasil. Em quatro meses de pandemia, o índice subiu em agosto 27,6%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — em maio, eram 10,1 milhões de pessoas, em agosto passou para 12,9 milhões. O índice de desocupação no país, em relação a população total, é de 13,6%. As mulheres têm taxa de desemprego maior que a dos homens, 16,2% e 11,7%, respectivamente. Em relação a cor ou raça, negros e pardos têm índices maiores que brancos, 15,4% e 11,5%.

Brasil corre o risco de voltar ao Mapa da Fome

Em meio a todo esse cenário de desemprego, falta de assistência social e alta nos valores de alimentos básicos, nosso país está correndo o risco de voltar ao Mapa Mundial da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), o qual conseguimos sair em 2014. O relatório “O estado da segurança alimentar e da nutrição no mundo”, publicado pela ONU no ano passado, já apontava que a curva de desnutrição no Brasil, há muito descendente, voltou a crescer.

Neste mês, o IBGE publicou a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017–2018, que chegou a uma conclusão similar: a segurança alimentar no Brasil caiu para 63,3%, abaixo do observado em 2004, que era de 65,1%. Em 2003, a fome preocupava o nosso país e, por isso, o Governo Brasileiro, por meio do mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recriou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que atuou pela primeira vez entre 1993 e 94, durante o governo de Itamar Franco.

As perspectivas de futuro não são boas. A estimativa do Banco Mundial é de que cerca de 14,7 milhões de brasileiros — maior que a população total da Bélgica — passem para a extrema pobreza, definida como a renda inferior a US$1,90 (cerca de R$ 10,47) por dia, até o fim de 2020 por causa dos agravamentos econômicos causados da pandemia. O número corresponde a 7% da população.

O que podemos fazer como indivíduos desta sociedade

Entendemos que não é possível mudar a realidade do nosso país de um dia para o outro, sequer acreditamos que possa ser feito no período de um mandato eleitoral. Requer ação política contínua. A desigualdade social brasileira é algo que está nas entranhas da nossa história, tendo início desde a chegada dos portugueses, em 1500. De acordo com o sociólogo Jessé Souza, em seu livro “A Elite do Atraso”, tem raiz nos trezentos anos escravidão, sucedidos pela exclusão social dos negros às margens da sociedade.

Com todo este cenário, é comum nos sentirmos de mãos atadas para reagir. É difícil, entendemos. Mas podemos construir uma consciência que contribua para a sociedade ao realizar ações pontuais:

  1. Participação em ações solidárias;
  2. Não desperdice comida;
  3. Busque uma alimentação mais sustentável, dando preferência a pequenos produtores e negócios locais;
  4. Defenda a #FomeZero;
  5. Nas eleições municipais, em novembro, vote consciente de que o seu voto pode amparar ou abandonar os que mais necessitam.

Sabemos que essas ações não resolvem o problema a longo prazo, mas entendemos que quem tem fome, tem fome hoje!

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