Hoppe e o argumento da monarquia absolutista ser melhor que democracia

Liberais Antilibertários
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6 min readAug 12, 2020

Já falei em outro post como a tese do Hoppe que monarquias absolutistas serem melhores que democracias é uma das coisas mais ridículas que eu já vi na minha vida e como fica especialmente ridículo quando tal frase é dita por um ancap. Pois se levamos em conta o fundamentalismo “ético” ao extremo dos ancaps, deveríamos ainda sim concluir que democracias são melhores que monarquias absolutistas por ao menos permitir um número maior de pessoas exercerem sua individualidade. Além desse erro interno de coerência, a tese do Hoppe está errada tanto pelo guru ancap mal saber o significado de ambos termos quanto por simplesmente não ter respaldo algum na realidade. Tudo isso foi demonstrado nesse post:

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O livro “Porque as nações falham” do Acemoglu também deixa isso bem claro. Nele é mostrado os exemplos como o de Francisco I da Austria, do Imperador chinês Hongwu, de imperadores absolutistas etíopes, dos imperadores otomanos, do Czar Nicolau I e dos absolutistas Fernando e Isabel da Espanha. Se há algo em comum entre todos eles é o não respeito a propriedade privada e o subdesenvolvimento econômico que isso levou.

Francisco I impediu o desenvolvimento da indústria no seu país, mantendo o país agrário e atrasado em relação a outras regiões da Europa, literalmente proibindo a criação de novas fábricas em Viena em 1802 e proibindo a importação de novos equipamentos até 1811. Também se opôs a construção de ferrovias, o que também contribuiu ainda mais para manter o seu império atrasado. O imperador chinês Hongwu temia que o aumento do comércio ultramarino levasse a desestabilização política de seu país, por isso a princípio monopolizou o comércio ultramarino e destinado exclusivamente a missões tributárias, executando várias pessoas que tentaram converter missões tributárias em missões comerciais, e depois entre 1377 e 1397 até as tributárias foram banidas. Seus sucessores, principalmente o imperador Xuande, baniram todo comércio ultramarino e chegou a declarar ilegal a construção de embarcações marítimas em 1436.

No império Otomano, fortes restrições, e as vezes até literalmente proibições, levaram a um atraso significativo de quase 300 anos na disseminação da prensa tipográfica, uma nova tecnologia que permitia a disseminação de livros e consequentemente informação mais facilmente. Na Etiópia entre 1768 e 1773, literalmente todas terras eram propriedade do absolutista e esse simplesmente passava sua posse para quem quiser a hora que quiser, o fazendo todo ano e por vezes até várias vezes em um mesmo ano, não havendo qualquer segurança quanto a direitos de propriedade e consequentemente nenhum estímulo a produção e inovação.

O Czar Nicolau I junto de seu ministro das finanças Kankrin eram ferrenhos opositores da indústria, por isso reabriram um banco de empréstimos do estado e passaram a emprestar dinheiro sob a condição de quem pegar o empréstimo dar servos como garantia, ou seja na prática só os grandes senhores de terra conseguiam empréstimo. Tal banco foi financiado com a transferência de ativos do Banco Comercial, ou seja tirou dinheiro do que financiaria a indústria e matou dois coelhos com uma cajadada só. Também sob governo de Nicolau I, exposições industriais que divulgariam novas tecnologias foram banidas, haviam severas leis sobre abertura de indústrias e proibição de algumas como de lã e algodão. Houve também forte oposição a construção de ferrovias e censura ao debate sobre os benefícios que ela traria. Fernando e Isabel da Espanha simplesmente baniram judeus de seu país, monopolizaram o comércio com as américas na guilda de Sevilha e proibiram o comércio interno entre as colônias, ou seja alguém de onde hoje é o México não poderia comercializar com alguém de hoje é a Colômbia, por exemplo.

Diante de tudo isso e da já explicada no outro post tendência de monarquias absolutistas de ser mais irresponsáveis fiscalmente e se envolver mais em guerras (essa segunda também já comprovada por Steven Pinker em “Os anjos bons de nossa natureza”) fica claro que a tal preferência temporal do monarca absolutista é algo completamente mentiroso, só existindo na cabeça lunática do Hoppe. Se tais absolutistas tivessem qualquer visão a longo prazo perceberiam as vantagens do comércio e da indústria e permitiriam a adesão a tais tecnologias, seriam responsáveis fiscalmente e não se envolveriam tanto em guerras, mas o que fizeram foi justamente oposto.

Na prática o que vemos é justamente o oposto do que o guru ancap diz, democracias tendem a ser mais inclusivas e consequentemente trazer maior desenvolvimento econômico, trazer maior responsabilidade fiscal e reduzir o número de guerras.

“Mas também não ocorrem tais restrições econômicas visando agradar pequenos grupos nas democracias?”, pode alegar um anarcocapitalista. Sim, pode ocorrer mas em um nível muito menor afinal o poder do chefe de estado é muito menor. Quantas vezes você já viu democracias simplesmente proibirem comércio ultramarino o algo parecido sem uma justificativa plausível? Quantas vezes você já viu uma democracia simplesmente proibir o comércio de uma região com a outra porque o presidente simplesmente quis? Ou banindo certo povo? O máximo que você verá são altas regulamentações a certos setores, subsídio a outros por puro lobby, entre outros problemas.

Além do mais ninguém disse que não há problemas econômicos por intervenção estatal em democracias, o X da questão é que em monarquias absolutistas ele é mais potencializado pelo poder absoluto do rei. Além do mais devemos considerar que mesmo democracias podem não ser totalmente inclusivas, ou não serem democracias plenas e promoverem parcialmente o mercado. Mas por pior que seja os direitos de propriedade em um Brasil corporativista atual ainda sim ele é melhor que na China da dinastia Ming ou na Rússia dos Czar.

Quanto mais inclusiva uma democracia for ela será mais plena, terá maior representatividade de vários setores da sociedade e será mais difícil passar leis que beneficiam só alguns setores. Na Rússia dos czares, Nicolau I pode simplesmente proibir a criação de novas fábricas de algodão, quando pessoas ligadas a indústria da lã tentaram o fazer com o mercado interno da Inglaterra não conseguiram pois as pessoas ligadas a fabricação de algodão também estavam representados no parlamento e obviamente não aceitariam leis que os prejudicasse. Assim, quanto mais inclusiva e mais plena for uma democracia mais pessoas estarão representadas e terão voz para fazer leis, diminuindo a chance de leis que beneficie um grupo em detrimento de maior parte da sociedade.

Pois bem, acontece que por resultado de um processo histórico a maioria dos países democráticos hoje não são democracias plenas, são instituições ainda extrativistas que tem maior representação de certos grupos no parlamento que de toda a sociedade em geral. Vide Brasil, com seu passado escravista e colonialista que excluía grande parte da população da participação política e isso reflete até os dias de hoje. O resultado são políticas que beneficiam em maior parte grandes empresários que toda a sociedade em si. Isso não é motivo para jogar a democracia fora, até porque os avanços dela já estão bem documentados, as evidências históricas mostram que ela é o melhor já criado. Pinker mostrou que o comércio internacional na era dos impérios absolutistas era ínfimo se comparado a era democrática, como a democracia promove o comércio e como isso consequentemente foi responsável por reduzir a violência da sociedade, Acemoglu também mostrou como sociedades mais democráticas se desenvolveram mais que não democráticas por serem mais inclusivas. A tendência para o desenvolvimento já está apontada, não há porque seguir pelo caminho oposto, apenas refinar as instituições de modo que siga ainda mais na tendência democrática, o que obviamente não é uma tarefa fácil pois do contrário já teria sido feito. Assim, não há motivo algum para preferir uma monarquia absolutista a uma democracia, a tese do Hoppe está amplamente refutada.

~degenerado

Postado originalmente em 05 de julho de 2020 em: https://www.facebook.com/liberaisantilibertarios/posts/2657787917876282

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