Obrigado por terem tornado o liberalismo econômico a doutrina dominante do mainstream acadêmico

Liberais Antilibertários
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5 min readMay 1, 2020

O liberalismo econômico é a doutrina dominante do mainstream econômico. Ele é consistentemente respaldado pelas ferramentas teóricas e empíricas mais sofisticadas da Ciência Econômica. Como disse Pérsio Arida em uma entrevista ao Valor, “todo economista bem formado, que entende de fato como o mercado funciona, tende a ser liberal” [1]. Em uma pesquisa sobre o posicionamento de economistas a respeito de vários tópicos, as posições que privilegiam o livre mercado tendem a ser dominantes dentro da profissão (pode-se dizer até que algumas posições liberais são consensuais, como a ideia de que tarifas de importação reduzem o bem-estar dos indivíduos) [2]. Até mesmo economistas que se consideram de esquerda, como Paul Krugman, adotam a respeito de muitos assuntos posições tradicionalmente ligadas ao liberalismo [3].

Pode-se dizer, portanto, que a posição liberal de ascendência neoclássica exerce quase uma hegemonia dentre os economistas mais destacados.

Mas, apesar disso, os libertários de internet — os consumidores de textos do IMB e vídeos do Ideias Radicais — pensam que a academia é tomada por <keynesianismo> e que tudo que é ensinado nela é lixo. É fato que a academia brasileira sofre de uma séria inclinação para a heterodoxia de esquerda. Mas é fato também que nos principais centros acadêmicos de economia do mundo — isto é, no mainstream econômico — a posição keynesiana é geralmente rejeitada.

E essa relevância toda do liberalismo foi alcançada graças aos esforços de grandes economistas que fizeram pesquisa de ponta e demonstraram a superioridade intelectual desta doutrina. Alguns deles estão na foto. Foi intencionalmente deixado de fora nomes de economistas famosos entre os libertários de internet, como Milton Friedman e Friedrich Hayek. Não porque eles não tenham contribuído enormemente para a ascensão liberal (é claro que contribuíram), mas porque tenho a certeza de que os libertários de internet não irão reconhecer se quer dois ou três economistas da foto. Nomes como Thomas Sargent e Robert Barro são reconhecidíssimos dentre os economistas — mas totalmente desconhecidos dentre os libertários de internet, analfabetos econômicos que são.

Ah, e é óbvio que Mises não contribuiu nem um pouco para a ascensão liberal no campo da economia. Acho até que ele mais atrapalhou do que ajudou. Se os liberais dependessem dele e de seus asseclas ancaps, o liberalismo seria uma doutrina marginal defendida apenas por sectários anticientíficos em algum lugar obscuro da internet, tal como o anarcocapitalismo. Jamais seria defendido pelas mentes mais brilhantes que a academia pode conceber.

[1] http://www.valor.com.br/cultu…/5006006/o-saldo-do-economista
[2] http://gregmankiw.blogspot.com.br/…/news-flash-economists-a…
[3] http://web.mit.edu/krugman/www/ricardo.htm

Publicado originalmente em:
https://www.facebook.com/liberaisantilibertarios/posts/1876334512688297:0
11 de julho de 2017.

Algumas palavras a respeito do post de ontem sobre o von Mises, pois ele gerou alguns mal-entendidos

I

Não se questionou a importância do Mises para o movimento liberal como um todo. Ele teve um papel fundamental como ativista e propagador de ideias liberais. Além disso, teve uma destacada influência sobre muitos liberais que vieram depois dele, sendo o exemplo mais notório o de Friedrich Hayek.

O que sim se questionou foi a importância deste autor PARA A ACADEMIA. Como foi argumentado, o liberalismo ocupa uma posição central dentro do mainstream economics, e isso graças aos esforços de muitos economistas brilhantes — sobretudo os de Chicago. Acontece que Mises NÃO ESTÁ no rol desses economistas que ajudaram a consolidar a posição central do liberalismo na academia. Grande parte de seus feitos intelectuais na área de economia foram, na verdade, na direção de AFASTAR o liberalismo do mainstream economics.

II

Aquilo que é considerado o seu grande tour-de-force, a praxeologia, é uma metodologia anacrônica. Ela estava em concordância com a metodologia corrente do séc. XIX, mas se tornou completamente obtusa depois das grandes mudanças metodológicas do séc. XX, que trouxeram grandes avanços ao campo da economia. Ela poderia até ser considerada adequada antes de Frisch, Tinbergen e Haavelmo criarem a econometria, antes de Samuelson lançar seu Fundations e antes da revolução empirista dos chicagistas — mas não depois disso.

Sua teoria da impossibilidade do planejamento socialista também não passou ao teste do tempo. Os modelos walrasianos de Lerner-Lange, a programação linear de Kantorovich e o modelo de input-output de Leontief tornaram exequível o planejamento centralizado, permitindo assim que a economia soviética viesse a crescer pujantemente nos anos 40 e 50, graças aos massivos investimentos em capital pesado com poupança forçada. Esse fato, portanto, tratou de provar que o planejamento centralizado é, pelos menos, possível (veja bem, a tese de Mises era de que isso era IMPOSSÍVEL). O argumento de Hayek, certamente uma evolução do de Mises, se mostrou muito mais resiliente: o problema com a economia soviética, ao fim e ao cabo, estava na dificuldade em lidar com a transmissão de uma rede de informações cada vez maior em uma economia cada vez mais complexa.

Por fim, outro grande feito que atribuem a Mises é a sua teoria dos ciclos. Bom, até que se prove o contrário, tal teoria está errada (e quando falo em provar não estou falando em escrever um textão mostrando o quão boa é a TACE, estou falando em escrever papers para grandes revistas científicas e que causem grande impacto entre os economistas especialistas em business cycle). Sim, deve-se admitir que no debate sobre ciclos econômicos entre Hayek e Keynes, quem se saiu vencedor foi este último.

III

O que eu escrevi acima são apenas os motivos pelos quais as contribuições de Mises para a economia não são consideradas relevantes dentro do mainstream economics. E é aqui que entra a pertinência do teor do post de ontem: para além de sua influência em alguns outros economistas e de sua relativa relevância acadêmica nos anos 20 e 30 na literatura econômica de língua alemã, qual foi a importância de Mises para a ascensão liberal na economia? Praticamente nenhuma.

Enquanto Milton Friedman iniciou a destruição do reinado keynesiano com seus trabalhos empíricos em política monetária e em consumo, o que fez von Mises? Bradou contra todo trabalho empírico e quis submeter toda a ciência econômica ao apriorismo ingênuo. Enquanto George Stigler destruiu o reinado das agências reguladoras americanas, demonstrando (de novo, com trabalhos empíricos) como elas concentravam o mercado e prejudicavam os consumidores, o que fez von Mises? Bradou contra as agências reguladoras na base do apriorismo ingênuo. Enquanto Alberto Alesina está fazendo trabalhos econométricos fantásticos demonstrando como consolidações fiscais via aumento de impostos são prejudiciais para a economia, ao passo que via corte de gastos governamentais são benéficas ou neutras, o que fazem os praxeologistas seguidores de Mises em sites como IMB? Bradam contra aumento de impostos na base no apriorismo (achismo?) ingênuo.

Mas essa irrelevância acadêmica de Mises não se reflete na internet, um lugar dominado por especialistas do mais alto nível de barbarismo intelectual. Nela, Mises é louvado em certos grupos como o grande patrício do liberalismo econômico. Pois então saibam, libertários/liberais de internet, que a relevância do ídolo de vocês para a academia é praticamente nula — ao passo que a relevância de outros economistas liberais, como Robert Lucas por exemplo, é enorme.

Pronto, chega de explicações.

~~Tomas Heckman .

Publicado originalmente em:
https://www.facebook.com/liberaisantilibertarios/posts/1876932182628530
13 de julho de 2017.

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