Série de Posts Favela Ancap

Chega num ancap e fala que as favelas são o mais próximo de ausência estatal que temos no Brasil. Ele vai ficar pistolaço. Vai dizer que o estado, mesmo se omitindo de suas funções clássicas nesses lugares (justiça, segurança, vias públicas) ainda existe, então a comparação é inútil para todos os efeitos.

Liberais Antilibertários
liberaisantilibertarios
4 min readMay 1, 2020

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Mas calma, percebe a descontinuidade do argumento?

Explico: É de se esperar que exista uma relação contínua e monótona entre uma causa que pode existir de maneira gradual e sua consequência. Quando o estado deixa de exercer efetivamente o monopólio da justiça nas favelas, não vemos surgir, gradualmente, tribunais privados arbitrando disputas. Vemos surgir linchamentos e “tribunais” do crime organizado. Mas o ancap acredita que essa relação vai se inverter no fim da rota, ou seja, no momento em que o estado deixasse de existir mesmo (não fazer porra nenhuma para ele não é suficiente), surgiria a justiça privada, maravilhosamente, para nos salvar do caos. Sentiu a descontinuidade?

Também não vemos agências de segurança privada substituindo a política estatal de maneira mais eficiente e barata. Vemos grupos armados assumindo o controle das regiões e impondo formas muito mais primitivas, violentas e coercitivas de controle social. Mas se o estado deixasse de existir PRA VALER, o resultado seria o completo oposto. Ué?

No planejamento urbano, o que temos não é nada agradável. Assim como no problema do carona lá da microeconomia, é impossível internalizar os benefícios. Todo mundo quer ter amplas e bem dispostas ruas e avenidas, mas ninguém está disposto a sacrificar um pedaço de área edificável para esse fim, e na dificuldade de fechar um acordo coletivo, é muito mais racional não colaborar. Você teria coragem de reservar um pedaço de terra para que os outros circulem, sem qualquer garantia de que eles fariam o mesmo? Pois é, eu também não (ver teoria dos jogos). Mais uma vez, a suposta cidade orgânica e eficiente não dá as caras. Temos becos e vielas. Mas calma, é assim porque o estado existe (mesmo que não cumpra sua função de zonear o espaço urbano). Se ele simplesmente não existisse, seria totalmente diferente. Por que? Porque sim ué hahaah

Isso não serve só para as favelas. O mesmo tipo de pensamento descontínuo aparece quando mencionamos todos os exemplos conhecidos de estados que foram derrubados ou enfraquecidos(e não puderam exercer suas tarefas básicas) na história humana. Na cabeça do ancap, faz sentido estar caminhando em uma direção e aparecer em outra de repente.

Bizarro, não é mesmo?

~supremo

Publicado originalmente em:
https://www.facebook.com/liberaisantilibertarios/posts/1935379666783781

08 de novembro de 2017.

Mais uma vez, superestimamos a capacidade interpretativa dos nossos amigos ancaps lá no posts das favelas.

Vamos responder os 3 questionamentos mais recorrentes:

1) “Existe estado na favela.”

O post fala várias vezes que NA FAVELA TEM ESTADO, e essa não é a questão. Estamos discutindo continuidade. A premissa de que, sem estado, emergiria uma ordem espontânea baseada no capitalismo de mercado deveria ter uma relação de continuidade com a própria presença do estado. Sim, favelado paga imposto… e quem não paga imposto no Brasil? A questão é que eles pagam menos imposto (devido aos lotes irregulares, alta informalidade e etc). Da mesma forma, polícia também entra na favela para patrulhar… mas em menor frequência. A burocracia fecha negócios na favela… mas em menor escala. Se existe uma relação de continuidade e o estado, de maneira geral, está MENOS PRESENTE (pelos motivos que eu acabei de citar e muitos outros) na favela, é de se esperar que os elementos do ancap ideal estejam emergindo (em maior escala que no asfalto) nos buracos deixados. De fato, as “soluções privadas” substituíram as soluções públicas, mas elas vão em uma direção diferente da que eles prometeram. Ou: a) O resultado de uma sociedade sem estado formal não se parece com o que eles acham que é, ou b) a relação não é contínua e em algum momento se inverte (o que seria bem esquisito).

2) “As soluções privadas no que diz respeito à segurança e justiça não tem como aparecer porque o estado proíbe.”

Amigo, o estado proíbe a entrada de fuzil, os julgamentos sumários, o monopólio de gás/gatonet pelos traficantes, a venda de drogas, a informalidade, o gato de energia e etc. Faça uma lista de tudo que o estado proíbe e EXISTE EM LARGA ESCALA NAS FAVELAS e perceba que a proibição vale de muito pouco devido à falta de fiscalização. A pergunta óbvia deveria ser: Por que a proibição estatal é tão efetiva na hora de impedir que apareçam protótipos de tribunais e agências de segurança privada e é tão bunda mole para impedir tudo que é proibido e de fato acontece AMPLAMENTE? Isso por si só revela que existe uma tendência na outra direção que não a que vocês alegam.

3) “O problema das favelas é a pobreza, que só existe por causa do estado.”

Mesmo que a gente aceite que toda pobreza é causada pelo estado, isso não faria o menor sentido. Também existe pobreza fora da favela, em especial nas periferias integradas, e isso não significa que inexistem leis de zoneamento ou existem poderes paralelos, pelo simples fato de que nesses o estado cumpre suas funções básicas descritas no post. Essa não é uma discussão sobre pobreza num sentido amplo e isso deveria ser bem óbvio. É uma discussão sobre favelas enquanto tal.

~supremo

Publicado originalmente em: https://goo.gl/SDihZ4

08 de novembro de 2017.

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