Saneamento básico e quando o ódio ao mercado supera o suposto amor pelos mais pobres.
Cerca de 30 milhões de brasileiros não estão conectados à rede de abastecimento de água. Isso equivale a toda a população da Austrália sem água potável. 100 milhões de brasileiros não têm seu esgoto tratado. Destes, 73% não possuem a coleta, dependendo de fossas. É de se pensar que, tendo em vista o estado de calamidade que é nosso saneamento básico, não seria preciso explicar porque o Marco do Saneamento que será votado amanhã precisa passar, mas cá estamos.
O Marco do Saneamento irá, entre outras coisas, facilitar a entrada da iniciativa privada no setor, e deixe-me assegurá-los de que aqui opto pelo pragmatismo: tanto faz para mim se o serviço for entregue pela iniciativa pública ou privada, desde que esse serviço essencial seja de fato entregue. Ocorre que o estado brasileiro é muito ineficiente nesse quesito. Atualmente 83% da população brasileira tem acesso a água tratada, e apenas 51% tem acesso a um serviço de esgoto, ficando atrás de países como Iraque, Marrocos, África do Sul, México e Peru, além de outros 105 países.
Para o Brasil poder alcançar a universalização desses serviços até 2033, seria necessário investir mais de 21 bilhões anuais, patamar esse jamais atingido. Em 2016, por exemplo, foram investidos R$ 11,51 bilhões em saneamento, ou seja, 0,18% do PIB nacional, já em 2017 caiu para R$ 10,96 bilhões. (a meta do PLANSAB para o setor é de 0,33% do PIB). Atrair o dinheiro da iniciativa privada é uma saída, já que atualmente apenas 6% dos municípios brasileiros são atendidos por empresas privadas, porém, mesmo com essa limitada participação, a iniciativa privada injeta em média 20% do total investido no setor.
Alcançar a universalização em tratamento de esgoto traria dois grandes benefícios, sendo o primeiro de natureza ambiental. O lançamento do esgoto in natura é a principal causa de poluição dos corpos hídricos, notadamente nas cidades. Segundo a ANA (Agência Nacional das Águas), mais de 110 mil quilômetros de rios estão poluídos por terem contato direto com esgotos.
O segundo seria relativo a saúde, já que existem muitas doenças relacionadas fortemente aos serviços de saneamento, e também há uma relação clara entre a taxa de mortalidade infantil e o acesso aos serviços sanitários. Segundo pesquisa do IBGE, 1.933 municípios (34,7% do total) registraram ocorrência de epidemias ou endemias provocadas pela falta de saneamento básico em 2017. Algumas dessas doenças podem não ser graves, mas tem o potencial de impactar na renda dos adultos e os estudos das crianças carentes, devido aos afastamentos provocados pelas doenças. Por exemplo, em 2013, o país teve 14,9 milhões de casos de afastamento por diarreia ou vômito, doenças fortemente relacionadas ao saneamento. Os dados oficiais mostram que, em média, a cada afastamento as pessoas ficaram longe de suas atividades por 3,3 dias. Ao mesmo tempo em que a falta de saneamento provoca os afastamentos laborais e escolares, a sociedade também incorre em despesas públicas e privadas com o tratamento das pessoas doentes.
Essa relação entre saneamento básico e saúde fica bem evidenciada em um exemplo concreto, que ocorreu na cidade gaúcha de Uruguaiana, na fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. A concessionária privada que assumiu há 9 anos ampliou o atendimento de esgoto de 9% para 97%, e o impacto pode ser visto na saúde. Em 2012, foram registradas 3.002 ocorrências de diarreia aguda na cidade. Com a evolução do saneamento ao longo desses anos em Uruguaiana, em 2018 foram registrados 106 casos, número esse 28 vezes menor do que em 2012.
Diante de tudo isso, é esperado que o Marco do Saneamento passe no Senado, mas sob protestos da turma de sempre, a que diz amar os pobres e odiar o mercado, embora seu ódio pelo mercado algumas vezes supere, e muito, o seu suposto amor pelos mais pobres.
~Parkman
Fontes:
http://www.tratabrasil.org.br/uploads/Estudo---PANORAMA-SETOR-PRIVADO-NO-SANEAMENTO-2019.pdf
http://www.tratabrasil.org.br/images/estudos/itb/beneficios/sumario_executivo.pdf
Publicado originalmente em 23 de junho de 2020:
https://www.facebook.com/liberaisantilibertarios/posts/2647641355557605
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