Financiando a ciência com dinheiro público. A justificativa econômica.
Você provavelmente viu um print do Canal Do Pirula falando sobre ser “liberal na economia”, com uma resposta lacrativa do Saia da Matrix / Humberto Matos argumentando que, se for pra ser liberal na economia, a ciência fica sem financiamento público. Esse print foi postado pela página Anarcomiguxos, sendo mais do mesmo câncer rotineiro propagado por ela.
O problema todo dessa lacração barulhenta é que liberais não são, a princípio, contra financiamento público da ciência nem da inovação. A lacração não passa de um espantalho.
Liberais reconhecem a existência de falhas de mercado e entendem que, eventualmente, a intervenção pública pode ser justificável. O motivos de os liberais condenarem a GRANDE MAIORIA das intervenções públicas não é por terem o laissez-faire dos libertários como dogma absoluto, mas sim por entenderem que o mercado é a nossa melhor alternativa na grande maioria das vezes analisando-se caso a caso; e mesmo quando sabemos que há alguma falha em seu funcionamento, é difícil diagnosticar ou mesmo consertar por meio do estado, que também tem suas — MUITAS — falhas. O caso da ciência/inovação, entretanto, é especial, dada a existência excepcional de externalidades positivas, isto é, transbordamento de benefícios a terceiros não envolvidos na transação.
Neste post faremos a análise microeconômica do subsídio em um mercado com externalidades positivas. Para entendê-lo, você precisará saber alguns conceitos básicos de microeconomia, que serão explanados resumidamente.
1) Curva de demanda
Mostra a relação entre o preço de uma determinada mercadoria e a quantidade que os consumidores estão dispostos a comprar. Quando maior é o preço, menor a demanda por um bem e vice versa.
2) Curva de oferta
Mostra a relação entre o preço de uma mercadoria e a sua quantidade ofertada. Quanto maior o preço, mais produtores entram no mercado, elevando a oferta. Essa natureza da curva de oferta é melhor compreendida entendendo-a como um fenômeno social. Quanto mais de um bem uma sociedade produz, mais insumos escassos, que poderiam ser usados para a produção de outros bens, ela destina na sua produção. Ao tornar estes insumos menos disponíveis para as demais atividades, segundo o princípio da utilidade marginal decrescente, eles se tornam também relativamente mais úteis, e portanto, mais valorados pelos consumidores. Isso nos mostra que a curva de oferta precisa ser positivamente inclinada: Fica cada vez mais custoso produzir unidades adicionais de um bem porque os insumos que são necessários para a produção deste bem ficam cada vez mais escassos quando sua produção aumenta.
3) Excedente do consumidor
Representa o ganho de troca. Se um consumidor estaria disposto a pagar 100 reais em uma calça e paga 80, esta transação acrescenta “20 reais de bem-estar”. Melhor dizendo: Ele pagou 80 por algo que valorava em 100, ou seja, saiu ganhando 20 reais com esta troca.
4) Excedente do produtor
Análogo ao excedente do consumidor, mas para os produtores. Se meu custo marginal da mesma calça do exemplo anterior era 60 reais (o seu custo unitário de produção) e ela foi vendida por 80, esta transação me acrescentou 20 reais de bem-estar. Eu recebi 80 por algo que me custou 60 para produzir.
ANÁLISE DO SUBSÍDIO EM UM SETOR COM EXTERNALIDADE POSITIVA
Este é o mercado para a ciência. Temos um eixo horizontal Q, que mostra a quantidade ofertada, e o eixo vertical P, com seu respectivo preço de venda. Nele estão dispostos, em cada caso, uma curva de oferta e duas de demanda. A curva de demanda de baixo representa o quanto os demandantes de ciência estão dispostos a pagar pelo serviço, e a externa representa o quanto eles estariam dispostos a pagar caso o benefício da ciência pudesse ser internalizado.
Ex: Uma descoberta na paleontologia de base pode permitir determinado avanço científico que proporcione uma tecnologia que irá me beneficiar, mesmo que eu não tenha pago por seu desenvolvimento. Caso este benefício pudesse ser internalizado (só se beneficiasse quem tivesse pago), certamente eu estaria disposto a desembolsar mais do que eu efetivamente desembolsei em um cenário onde há externalidades, ou seja, onde posso me beneficiar da transação de terceiros a custo zero, e é isso que a curva externa representa. A distância entre o que o agentes pagariam e o que pagam dada a existência de externalidades positivas representa um benefício externo, que é a área roxa.
Antes do subsídio, a soma das áreas representa todo o benefício social gerado neste mercado. Ganho dos consumidores, produtores e ganhos externos.
Depois do subsídio, de tamanho (Pv — Pc) por unidade produzida, o preço pago pelos consumidores cai (Pc), o preço de venda dos ofertantes sobe(Pv). Por pagarem menos do que anteriormente, o excedente dos consumidores aumenta. Por receberem mais, o excedente dos produtores também aumenta. Como a quantidade total ofertada cresce (Q0->Q1), os benefícios externos também crescem.
Para um mercado sem externalidades, o custo do governo com o subsídio é maior que a soma dos excedentes ganhos pelos produtores e ofertantes. Isto é: Cria-se peso-morto, ineficiência econômica. Neste caso mostrado, o oposto ocorre. A soma dos excedentes ganhos pelos consumidores, produtores e externos supera o custo do subsídio, que é a área do retângulo (Pv-Pc)*Q1, acrescentando bem-estar líquido, representado pela área vermelha. Neste caso especial, o ganho de bem-estar social idealmente supera o custo do governo, melhorando a eficiência deste mercado. Este é o fundamento neoclássico ao subsídio à ciência e inovação, ou a qualquer área com grandes externalidades positivas.
Os nossos esquerdosos vulgares ainda não entenderam que os “neoliberais” não só defendem o gasto público com ciência e inovação, como também justificam isso do ponto de vista micro com muito mais fundamento do que eles. Dito isto, este post servirá tanto pra ensinar microeconomia aos ancaps que caírem de paraquedas aqui como ao próprio pessoal desonesto da Anargomiguxos e do canal Saia da Matrix. Olha que nobre da nossa parte: Estamos ensinando vocês a defenderem a atuação do estado subsidiando ciência e inovação da maneira correta.
~supremo
Publicado originalmente em:
https://www.facebook.com/liberaisantilibertarios/posts/2210805312574547
26 de dezembro de 2018.
Comentário dentro do post:
Para concordar com o princípio genérico de que a ciência e a inovação devem ser subsidiadas você não precisa ser gênio, só saber o elementar de economia. A nossa discordância evidente com a anarcomiguxos é que nós defendemos que esse subsídio seja avaliado em seus custos benefícios da maneira correta, isto é, estimando a diferença entre retorno social e privado em cada área para determinar o montante alocado. E é melhor que ele aconteça em universidades privadas, como os americanos fazem, e não de modo 100% estatal, como a anarcomiguxos deve defender.