As Guerras Universitárias pela Liberdade de Expressão e os Estudantes Apolíticos

Por Joanna Willians*
Traduzido por Igo Araujo dos Santos
Artigo original: Free Speech Wars On Campus and The Apolitical Students

Qualquer um que, regularmente, passe tempo numa universidade não pode deixar de notar o abismo entre a imagem popular dos estudantes e a realidade mais quieta e mais chata. Nos últimos anos, dei palestras e aulas em universidades pelo Reino Unido e Estados Unidos. Em todas as vezes, esperei ser recebida por estudantes pedindo para que os palestrantes fossem desconvidados, exigindo trigger warnings, derrubando posteres, queimando jornais e gritando acusações de racismo, misoginia e transfobia. Em todas as vezes, fiquei desapontada.

Evidentemente, estudantes ativistas determinados a fazer justiça social nas universidades existem. Essa semana, no Reino Unido, a Balliol College, na Universidade de Oxford, é que está sob o microscópio por banir — e, depois, reintegrar — a União Cristã de sua Feira de Calouros. A antiga sociedade cristã foi inicialmente tachada de “perigosa” pelos organizadores da feira, que afirmaram que a história do cristianismo, por ser “uma justificativa para homofobia e certas formas de neo-colonialismo”, poderia “afastar” novos estudantes. Enquanto isso, nos EUA, estudantes da College of William and Mary chegaram às manchetes ao interromperem a palestra sobre liberdade de expressão, do diretor executivo da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU) da Virgínia. Os estudantes, segurando cartazes, gritavam “ACLU, liberdade para quem?” [“ACLU, free speech to who?”] e “Os oprimidos não estão impressionados” [“The oppressed are not impressed”].

Enquanto essas pesadas controvérsias se agarram às manchetes, assim o fazem na contramão de uma experiência estudantil que, em muitos aspectos, é menos política do que foi no passado. O faccionalismo de esquerda do campus do passado não passa de uma memória distante. No Reino Unido, a maioria dos alunos pode ter votado em Corbyn nas eleições gerais, mas na reunião do mês passado do Comitê Executivo Nacional do NUS, uma moção que apoia uma demonstração em apoio à educação gratuita nem sequer foi discutida, e muito menos aprovada.

Muitas pessoas que trabalham ou estudam em universidades estão simplesmente ocupadas demais seguindo com a própria vida. Acadêmicos tentam espremer o tempo entre dar aulas, fazer pesquisas e comparecer a reuniões administrativas. Estudantes vão às aulas, entregam trabalhos e se divertem. Alguns têm empregos, relacionamentos, problemas financeiros e situações familiares complicadas. Em resumo, a maioria das universidades, na maioria do tempo, é melhor caracterizada não pelos justiceiros sociais desconvidando palestrantes e protestando contra o currículo eurocêntrico, mas por uma monótona rotina e pela falta de interesse em política. Converse aleatoriamente com os estudantes e a impressão que se têm é de uma cordialidade esmagadora e uma necessidade de não incomodar.

O enigma, em ambos os lados do Atlântico, é que as disputas nos campi em uma parte do país coexistem com os estudantes em silêncio passando pela vida em outro lugar. Talvez, subvertendo as expectativas, os protestos contra palestrantes, acadêmicos recalcitrantes, fantasias extravagantes ou comidas de cantina culturalmente apropriadas surgem, mais provavelmente, em instituições de elite. Universidades academicamente seletivas e, nos EUA pelo menos, mais caras não admitem uma maior proporção de estudantes de origens desfavorecidas do que as instituições mais baixas nos rankings. Em vez disso, estudantes de classe média alta têm mais tempo para se sentirem ofendidos por microagressões e precisam se esforçar muito mais para provar seu próprio sofrimento ou demonstrar sua empatia com supostas vítimas. Estudantes bem-sucedidos academicamente são mais propensos a melhor absorver a mensagem de seminários de que as palavras podem ferir.

Diferenças práticas também fazem protestos a acontecer, mais provavelmente em alguns lugares do que em outros. Nas Universidades de Oxford, Cambridge e departamentos de humanas nas universidades americanas, estudantes das mesmas faixas etárias e sociais vivem lado a lado em pequenas comunidades. A análise de realidade advinda de amigos e colegas com vidas e empregos distantes da vida acadêmica fica prejudicada. Novas normas morais podem rapidamente se estabelecer e desafiar as vozes dominantes traz um risco social maior de isolamento.

O imperativo de “ser legal” pode significar que estudantes acompanham bovinamente os protestantes, quando são levados pela bandeira da justiça social e não questionam atos de censura. Esse é o caso especialmente quando a liberdade de expressão é desconsiderada como um valor fundamental. Uma pesquisa, feita entre estudantes universitários no Reino Unido em 2016, mostrou que apenas 33% dos homens e 22% das mulheres concordam completamente com a afirmação de que universidades jamais deveriam impor limite à liberdade de expressão. Essa relutância em desafiar o pensamento reinante faz com que os os pequenos grupos de ativistas sejam percebidos como mais dominantes do que realmente são, e isso permite que os protestos desenvolvam uma inércia própria.

Particularmente nos EUA, a guerra cultural nos campi inflama ainda mais o debate sobre liberdade de expressão. Quanto mais a liberdade de expressão é apresentada como um empecilho à justiça social, como “cultura do estupro” ou “políticas trans”, mais o assunto é tratado para chocar. Pessoas como Milo Yiannopoulos caíram de paraquedas nas universidades acompanhadas de muita publicidade, mas pouca substância política ou intelectual para contribuir para o debate. Uma troca razoável de ideias se torna impossível e subsequente histeria parece refletir as linhas da batalha pela liberdade de expressão.

É essa histeria que contrasta tão fortemente com as experiências diárias dos funcionários e estudantes nas universidades. Mas a existência dessa disjuntura significa que é possível falar aos estudantes sobre ideias desafiadoras e controversas. Na minha mais recente viagem aos EUA, falei com estudantes de diferentes instituições e faculdades. Em todas as vezes, critiquei as direções correntes do feminismo, interseccionalidade e políticas identitárias. Critiquei a necessidade de “trigger warnings”, argumentei contra os conceitos de apropriação cultural e microagressões e defendi a liberdade de expressão.

Os estudantes que conheci pareceram abertos à oportunidade de confrontar de cabeça questões que permeiam a vida nas universidades, mas raramente são abertamente discutidas. Tive bastante sorte em cada caso por ser convidada por professores que estavam determinados a fazer o evento funcionar e me apresentaram aos estudantes e funcionários para que pudesse, então, entender cada contexto institucional específico. No meu discurso, tentei ir além de slogans fáceis para explicar por que liberdade de expressão é importante para mim, pessoalmente, e como base acadêmica para a corrente problematização dela. Isso levou a um cativante e rigoroso debate. Certamente recebi perguntas difíceis e críticas, mas ninguém saiu traumatizado ou precisou de um espaço seguro para se recuperar.

--

--

EDALDEM - Eu Defendo a Liberdade de Expressão, MAS
Liberdade de Expressão em Debate

Perfil para publicação de traduções da página “Eu defendo a liberdade de expressão, MAS” no Facebook.