Estou feliz que a “Marcha das Sapatas” tenha banido Estrelas de Davi

Igo Araujo Santos
Liberdade de Expressão em Debate
5 min readJun 30, 2017
Participantes da Marcha das Sapatas, no sábado, em Chicago. Tyler LaRiviere / Chicagoist

por Bary Weiss, 27 de Junho de 2017

No fim de semana passada, numa marcha lésbica, em Chicago, três mulheres, carregando bandeiras de orgulho judeu — arco-íris sob uma Estrela de Davi — foram expulsas da celebração, porque as bandeiras eram um “gatilho”. Uma das organizadoras da Marcha das Sapatas contou ao Windy City Times que a estampa “fez as pessoas se sentirem ameaçadas” e que ela e outros membros da marcha não queriam nada que “pudesse, intencionalmente ou não, expressar o Sionismo” no evento.

Laurel Grauer, uma das expulsas, disse que ela sempre carregou a bandeira de Orgulho Judeu na marcha, que acontece no sábado anterior à Marcha do Orgulho oficial, por mais de uma década. Ela “celebra minhas identidades homossexuais e judaicas”, explica. Esse ano, porém, Grauer perdeu a conta de quantas pessoas a intimidaram por carregar a bandeira.

Sinto muito por mulheres, como Grauer, que se viram sob genuína ameaça por carregar um pedaço de pano colorido falsamente acusado de ser pernicioso.

Mas também estou grata.

Já houve demonstração mais nítida das consequências da “interseccionalidade” do que expulsar uma lésbica judia da Marcha das Sapatas?

Interseccionalidade é a grande ideia da esquerda progressista no momento. Em teoria, é a noção benigna de que toda forma de opressão social está ligada a outra forma de opressão social. Essa observação — cunhada em 1989, por Kimberlé Williams Crenshaw — parece ser uma paráfrase de um poster que tinha na época de faculdade: minha libertação está conectada à sua. Ou seja, a luta pelos direitos das mulheres está conectada aos direitos dos homossexuais, direitos civis e assim por diante. Quem daria as costas para a sedutiva noção de uma sororidade global?

Bem, na prática, interseccionalidade funciona como um sistema de castas, no qual pessoas são julgadas de acordo com a quantidade de sofrimento que sua respectiva casta sofreu no passado. Ser vítima, da perspectiva de mundo da interseccionalidade, é similar a ser santificado. Poder e privilégio são profanos.

Por essa hierarquia, você poderia imaginar que pessoas judias — enfrentando uma nova onda de antissemitismo aqui e no exterior — deveriam ser categorizadas como vítimas. Mas não.

Por quê? Muito por causa de Israel, o Estado Judeu, que, hoje, progressistas vêem apenas como um veículo de opressão dos palestinos — não importa que Israel tenha procurado, repetidamente, corresponder às reivindicações palestinas pacificamente e não importa que progressistas não usem os mesmos padrões para julgar outros países. A China pode brutalizar budistas no Tibet a muçulmanos em Xinjiang, enquanto nega direitos básicos aos seus 1,3 bilhões de cidadãos, mas ativistas “conscientes” da interseccionalidade não tocam nesses assuntos.

Uma das mulheres que recebeu o pedido para deixar a Marcha das Sapatas, Eleonor Shoshany Anderson, não entende o porquê dela estar sendo expulsa de um evento que se define como interseccional. “A Marcha das Sapatas deveria ser interseccional”, disse. “Não sei por que minha identidade é excluída da marcha. Sinto que, como judia, não sou bem-vinda aqui.”

E não é mesmo. Porque, apesar da interseccionalidade se vestir sob um manto de humanismo, tem uma visão maniqueísta da vida, em que só pode haver opressores e oprimidos. Ser uma lésbica judia, ainda mais uma que ousa apoiar o Estado de Israel, é uma impossibilidade categórica, oprimido e opressor na mesma pessoa.

Por isso que as organizadoras da marcha e seus simpatizantes estão acusando Grauer de ser uma espécie de provocadora direitista. A evidência: ela trabalha para uma organização chamada A Wider Bride, que põe em contato a comunidade gay judaica americana com a comunidade gay em Israel. As organizadoras também estão fazendo a declaração espúria de que a Estrela de Davi é um símbolo da opressão sionista — uma declaração absurda para aqueles que já viram fotos de judeus obrigados por Nazistas a usar uma estrela amarela de seis pontas.

Não, a verdade é que isso é, nada mais nada menos, do que anti-semitismo. Apenas leia a postagem de Shoshany Anderson sobre a experiência que ela teve:

“Eu quero estar em público como uma lésbica judia de ascendência persa e germânica. Nada mais, nada menos. Então, fiz uma camisa que dizia ‘orgulho de ser uma sapata judia’ e levantei uma bandeira de Orgulho Judeu — uma bandeira com a Estrela de Davi no centro, um símbolo centenário do povo judeu […] Durante o piquenique no parque, organizadoras do evento, em uniformes oficiais, começaram a cochichar e apontar para mim, e, logo, uma delegação se aproximou, anunciando que foram enviados pelas organizadoras. Disseram que minhas opções eram guardar minha bandeira ou ir embora. A Estrela de Davi a deixava muito parecida com a bandeira israelense, disseram, e isso disparou gatilhos nas pessoas e as deixou inseguras. Essa foi a reclamação.”

Ela tentou explicar que a estrela era “o símbolo ubíquo do judaísmo” e que ela queria simplesmente “expressar sua fé em público”. Então, tentou “usar a linguagem delas”, explicando que “essa é a minha intersecção. Eu deveria ter o direito de celebrá-la aqui”.

Não adiantou. Shoshany Anderson partiu soluçando. “Fui expulsa de uma Marcha das Sapatas por ser judia”, disse. Precisamente.

Para judeus progressistas na América, interseccionalidade os força a uma escolha. Qual lado de sua identidade você mantém e qual você descarta e repugna? Você se alinha com o opressor ou com o oprimido?

Esse tipo de escolha pode ser familiar para gerações mais antigas de judeus de esquerda, particularmente aqueles na Europa, que sentiram a tensão entre sua herança étnica e suas inclinações ideológicas pelo “internacionalismo”. Mas estamos nos Estados Unidos. Aqui, progressistas deveriam estar confortáveis com a ideia de identidades hifenizadas e afinidades sexuais, políticas e étnicas sobrepostas. Desde quando políticas que celebram a escolha — e escolhas — se tornaram essa imposição para escolher.

Judeus de esquerda, especialmente nos últimos anos, tentam acomodar esse crescente desconforto ao se tornarem mais anti-Israel. Mas se a história ensinou algo aos judeus é que esse tipo de contorcionismo nunca acaba bem.

Pode ser equivocado ler tanto num desagradável incidente numa única marcha, mas judeus deveriam tomar o que aconteceu em Chicago como uma lição de que eles talvez não sejam tão bem-vindos entre os progressistas quanto pensam. Esse é um aviso pelo qual ser grato, mesmo que seja como um lembrete de que o antissemitismo permanece um problema tanto na extrema-esquerda quanto na extrema-direita.

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Igo Araujo Santos
Liberdade de Expressão em Debate

Falso designer, escritor-wanna-be. Você não deve me levar a sério, mas deveria pelo menos me ouvir