Por que as nações fracassam?

Sérgio Schüler
Libertarianismo Brasil
8 min readSep 15, 2018

Existe uma série de teorias por aí que tentam explicar porque país A deu certo e país B (de Brasil) deu errado. Por “certo” quero dizer predominantemente ser um país rico, com um alto padrão de vida — como EUA, Inglaterra, Japão e Alemanha — em contraste de países que deram “errado”, com um baixo PIB per capita, como Brasil, Venezuela, Coréia do Norte, Zimbabwe e Egito.

A ideia desse post é 1) desbancar as teorias estapafúridas de prosperidade; e 2) demonstrar o que de fato faz diferença na riqueza de uma nação.

A geografia e/ou clima é um fator predominante?

Quem nunca ouviu a teoria de que países frios fazem as pessoas trabalharem mais — pois se o inverno chegar e a pessoa estiver despreparada ela morre? Essa é frequentemente citada como um dos motivos do norte e nordeste brasileiro serem mais pobres que as regiões sul e sudeste. Mas será mesmo? Será que por viver perto da praia, em um clima quente, faz o cidadão ficar sentado o dia inteiro e por isso é pobre? O fator clima/geografia é frequentemente apontado como o motivo do hemisfério norte ser mais desenvolvido que o sul.

Apenas uma palavra e uma imagem para você que acredita nisso: Austrália

Sydney, Austrália

A Austrália, assim como o Brasil, é um país de proporções continentais e que tem todo o tipo de clima. Mas na imagem estamos mostrando Sydney, que tem comparativamente o mesmo clima de Buenos Aires: o subtropical úmido. Este é o clima presente em todo o sul do Brasil também e que tem verões quentes e úmidos e invernos bem leves.

A diferença entre Brasil e Austrália? O PIB per capita dos australianos é mais de 5x maior que o brasileiro:

+----------------+--------+-----------+
| | Brasil | Austrália |
+----------------+--------+-----------+
| PIB per capita | $9,821 | $53,800 |
+----------------+--------+-----------+

Mais uma série de estatísticas interessantes: o brasileiro morre em média 8.7 anos antes que o australiano, tem 24 vezes mais chance de ser assassinado e tem 4 vezes mais chance de morrer na infância que um australiano.

A Austrália é um exemplo de país do hemisfério sul que é bem sucedido, mas há também aqueles do norte, com climas frios, que são países pobres também: Bielorrússia ($5,736), Ucrânia ($2,657), Coréia do Norte ($619)...

É seguro dizer que geografia e clima não parece ser a chave para riqueza ou pobreza de uma nação.

Não está convencido?

Um exemplo muito melhor: Nogales no México e Nogales nos EUA

Nogales é dividida por uma cerca. Ao norte ela fica no estado do Arizona, nos Estados Unidos, enquanto ao sul ela fica no estado de Sonora, no México. Toda a cidade era parte do México até que em 1853 foi comprada pelos EUA no evento chamado Gadsden Purchase, nome dado pois seu principal influenciador foi James Gadsden (se você está se perguntando onde ouviu esse nome, a bandeira com frase “Don’t Tread on Me” com a cobra em fundo amarelo se chama Bandeira de Gadsden, graças ao avô de James, Christopher Gadsden, herói da guerra da independência dos EUA).

Nogales, Arizona e Nogales, Sonora

É seguro dizer portanto que geografia, clima, povo, etnia, doenças típicas da região e até mesmo sua história recente são relativamente iguais, porém a vida em cada um dos lados é bem diferente. Ao norte, na Nogales dos EUA, a média de renda anual de uma família é $30.000. A maioria dos adolescentes está na escola e a maioria dos adultos finalizou o ensino médio. Água, luz, telefone, saneamento básico, estradas… tudo isso é comum em Nogales, Arizona. Por fim, a lei e a ordem prevalecem: os moradores de Nogales (EUA) podem viver suas vidas sem medo de violência, roubo, expropriação ou outras coisas que poderiam prejudicar seu investimento em suas propriedades e empresas. E por mais ineficiente ou até ocasionalmente corrupto que seja o governo, os moradores de Nogales, Arizona consideram a democracia como algo normal, onde eles podem votar e decidir quem vai ser prefeito, governador, congresso, etc.

A vida ao sul da fronteira é bem diferente. Ainda que Nogales, Sonora esteja em uma das regiões mais prósperas do México, os habitantes da Nogales ao sul da fronteira têm uma renda familiar anual de cerca de 1/3 das famílias da Nogales ao norte. Em Nogales, Sonora, a maioria dos adultos não terminou o ensino médio e muitos adolescentes não estão na escola. Estradas são ruins, o crime é alto e abrir um negócio é um grande risco. Não só pelos possíveis assaltos, mas conseguir todas as licenças e dar todas as propinas necessárias não é fácil ou barato. Os cidadãos de Nogales (México) convivem com a corrupção e ineficiência todos os dias. Ao contrário dos seus irmãos do norte, a democracia em Nogales, Sonora é algo novo: até as reformas dos anos 2000, todo o México estava há 70 anos sob o controle corrupto do Partido Revolucionario Institucional (PRI).

Parece óbvio que geografia, etnia, clima, recursos naturais, doenças, etc não fazem diferença — já que ambas Nogales têm tudo isso em comum. Também parece óbvio que a diferença pode ser atribuída ao seus respectivos países, Estados Unidos e México. Mas o quê?

A lógica protestante é superior à católica?

Outra teoria muito citada é que as colônias dos ingleses (protestantes) e dos espanhóis/portugueses (católicos) resultaram respectivamente em países ricos e pobres porque culturalmente os protestantes valorizam o dinheiro e os católicos vêem a riqueza como um pecado. Isso explicaria a diferença entre Nogales no México, país colonizado por espanhóis católicos, e Nogales nos EUA, país colonizados por ingleses protestantes?

Olhando superficialmente isso pode fazer sentido, mas basta se aprofundar um pouco mais para ver que isso é bobagem. Algumas ex-colônias britânicas que hoje estão do lado das nações pobres: Uganda ($604), Índia ($1,940), Iémen ($660), Sudão ($2,899), Jamaica ($5,110), Belize ($4,906), Guiana ($4,725)… é preciso continuar?

A diferença crucial entre países ricos e pobres

Se nenhum dos itens acima é responsável pelo desenvolvimento ou subdesenvolvimento de uma nação. O que é? Observando os países que deram certo, é possível perceber uma característica em comum: o respeito à propriedade privada. Isso quer dizer que seus habitantes têm segurança e incentivo de investir seu trabalho e o fruto dele para progredir na sua vida com o mínimo de risco de roubo ou espoliação, seja por criminosos ou governos extrativistas.

O México e praticamente toda a América Latina foram colonizados por Espanha e Portugal, mas não por isso hoje são pobres. São pobres porque o modelo utilizado de colonização foi puramente extrativista: o Estado e/ou os aristocratas “amigos do rei” eram dono das terras e, através de escravidão, extraiam valor para enriquecer. Não havia qualquer chance de um trabalhador investir seus ganhos para sair dessa vida. Não havia motivo para trabalhar mais, pois não havia retorno nesse investimento. Não havia qualquer segurança jurídica: se os comandantes não fossem com sua cara, você poderia perder tudo. E quando os impérios caíram, o processo de independência dos países foi conduzido majoritariamente por aqueles que queriam o poder para si. Os países se mantiveram (ou ficaram até mais) extrativistas, apenas com novos aristocratas assumindo o vácuo de poder. Eles apenas continuaram a prática de cobrar impostos abusivos, criar uma série de feudos e burocracia para vender facilidades e um sistema que simplesmente perpetuaria o poder de um grupo seleto. Isso obviamente trouxe muito instabilidade política, revoluções e contra-revoluções, pois sempre há alguém querendo tomar o poder para pegar para si os benefícios do poder. Sem proteção à propriedade privada e a segurança de investir para prosperar, a nação se mantém pobre, com alguns amigos do rei enchendo os bolsos de dinheiro.

Qualquer semelhança com o que temos no Brasil não é mera coincidência.

Os EUA quase foram pelo mesmo caminho, pois essa era a intenção original do império inglês. Os ingleses primeiro estabeleceram uma colônia extrativista, onde a coroa era dona das terras. Porém eles não conseguiram fazer os nativos de mão de obra escrava como haviam conseguido os espanhóis na América Central. Também não havia metais preciosos a explorar. Então tentaram uma nova estratégia, onde os próprios colonos seriam obrigados a trabalhar para produzir seu sustento. Mas mesmo assim, eles eram proibidos de sair da colônia e não poderiam vender os frutos do seu trabalho a não ser pela própria companhia — o que era efetivamente escravidão. Não surpreendentemente, isso não funcionou muito bem, então a Companhia da Virgínia tentou uma nova e, finalmente bem-sucedida, estratégia: cada homem receberia a propriedade de 50 acres de terra e mais 50 acres por membro da família e criado. Os colonos viraram donos de suas casas e terras, além de terem sido liberados de seu contrato com a Companhia da Virgínia. E, por fim, em 1619 uma Assembleia Geral foi introduzida e efetivamente deu a todo homem adulto voz nas leis e instituições que governavam a colônia. Era o início da democracia americana. Em meados de 1720 todas as 13 colônias americanas tinham sistemas similares de governo.

Esses dois tipos de desenho institucional oferecem incentivos muito diferentes de comportamento. De um lado, o incentivo ao trabalho, invenção, empreendedorismo e investimento. De outro, o incentivo a chegar mais perto do poder e a trocar favores para conseguir incentivos do governo. O resultado disso é que em países como Estados Unidos, surgiram empreendedores e inventores como Thomas Edison e Bill Gates, enquanto no Brasil os bem-sucedidos são os amigos do governo, como Marcelo Odebrecht e Eike Batista. Se Bill Gates fosse nascido aqui, ele seria vendedor de CDs piratas no camelô.

O padrão se repete inúmeras vezes

O mesmo padrão dos Estados Unidos e México se repetiram inúmeras vezes, sempre gerando os mesmos dois resultados distintos: nações ricas e nações pobres. Nações fracassam porque têm desenhos institucionais e econômicos extrativistas, que atrasam ou até impedem o crescimento econômico. Países são bem-sucedidos quando suas instituições e economia protegem a propriedade privada e a livre-iniciativa.

A Austrália, mesmo sendo uma colônia penal inglesa, logo começou a respeitar a propriedade privada e a ter instituições democráticas.

Já a colônia inglesa na Índia era puramente extrativista, onde uma elite inglesa comandava o resto da população. Os resultados foram desastrosos para o país.

Coréia do Norte e Sul, antes um só país, partiram de um ponto comum, até a separação, onde os comunistas do Norte proibiram a propriedade privada e o então governo ditatorial da Coreia do Sul incentivaram a propriedade privada. Nos anos 80 a Coreia do Sul começou a transicionar suas instituições para mais inclusivas. O resultado é que hoje a Coréia do Norte é um dos países com menores PIB per capita, enquanto a Coréia do Sul é próspera.

A própria Inglaterra era extremamente pobre, com exceção da nobreza, até a Revolução Gloriosa, onde aconteceu o fim do absolutismo. Isso reduziu o privilégio das elites e aumentou a inclusividade das instituições políticas e econômicas. Com mais proteção à livre-iniciativa e a propriedade privada, o Império e seus habitantes prosperaram.

A União Soviética tinha instituições extremamente extrativistas, onde não havia nenhum incentivo a livre-iniciativa, pois toda a economia era planificada e comandada pelo governo. O resultado foi o esperado: crescimento inicial rápido e pobreza generalizada em alguns anos, mergulhando o país no caos e na pobreza.

Na história, por inúmeras vezes o padrão se repetiu. Porém, a maioria da população mundial ainda não aprendeu a lição. No Brasil, é comum clamarem por mais controle, mais regulamentação, mais impostos (para grandes empresas), etc. Isso mostra que não entendemos que esse desenho institucional só vai nos levar a um lugar: o fracasso.

O Brasil somente prosperará quando conseguirmos reduzir o poder das elites, tornando o país mais democrático, e aumentando muito o incentivo e proteção à livre iniciativa e à propriedade privada. Enquanto a espoliação for o modus operandi da Terra Brasilis, nada mudará, não importa se você eleger o nobre que veste a capa azul ou o nobre que veste a capa vermelha.

Esse post foi livremente inspirado no excelente livro Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity, and Poverty, de Daron Acemoglu e James Robinson.

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Sérgio Schüler
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11 years experience in product led B2B and B2C SaaS and marketplaces.