Os princípios do Libertarianismo/Anarcocapitalismo no Espiritismo

Rafael Q. Moreira
libertarianismo-e-espiritismo
7 min readAug 25, 2020
Mises, Kardec e Rothbard

Vemos que as idéias e os conceitos do libertarianismo tem raízes desde o século XVI, onde iniciam-se com John Locke(1689), Frédéric Bastiat(1850), Lysander Spooner (1850), porém quem codificou estas linhas de pensamento junto com a escola austríaca de economia foi Murray N. Rothbard na década de 1950 e 1960, principalmente com os livros Man, Economy and State (Homem, Economia e Estado) e A ética da Liberdade. Sendo discípulo de Ludwig Von Mises, economista membro da escola austríaca de pensamento econômico, conhecido por vários livros como Ação Humana, As Seis Lições, O Cálculo Econômico sob o Socialismo, e muitos outros, Rothbard compilou em seu livro as bases para a ética do Libertarianismo, sendo elas a Liberdade, Propriedade Privada e o PNA(Princípio da Não Agressão) o qual descreve que ninguém pode ter sua propriedade violada se a mesma pessoa não violou a propriedade do próximo. Entretanto, estes princípios éticos já foram em uma única obra, desde 1857, quando foi publicado O Livro dos Espíritos, por Hippolyte Léon Denizard Rivail sob o pseudônimo de Allan Kardec, abordaremos aqui onde estão estes conceitos na obra, que é uma das que formam os pilares da doutrina espírita.

Separado em vários capítulos, o livro organiza bem as informações, abrangendo diversos assuntos, para o tema proposto iniciaremos pelo capítulo X, DA LEI DE LIBERDADE. Da pergunta de número 825 até a 872 é abordado a liberdade e as consequências dela, informando que a liberdade absoluta não existe, desde que exista outra pessoa a se relacionar, findando nos direitos do próximo, para dar um pequeno exemplo, se você desejar usar da sua liberdade, e atear fogo para uma limpeza pré-plantio, e existindo outro ser humano no mesmo local, o mesmo poderá ser afetado, logo você não é totalmente livre para fazer isto, visto que irá violar a o direito do seu próximo, falaremos deste ponto comentando a lei de justiça. Neste mesmo capítulo é abordado a escravidão, apontando como uma aberração à lei natural (Lei Divina), e que irá desaparecer gradualmente, conforme o progresso da sociedade se efetua. Também é discutido sobre a liberdade de consciência e de credo, deixando também bem claro a liberdade de todos para com elas.

O capítulo subsequente aborda diretamente a Lei de Justiça, mostrando nele que a mesma é uma lei natural, e este é um sentimento inato do homem, entretanto é questionado porquê os homens entendem a mesma de modos tão diferentes, e de pronto é respondido que misturam paixões que alteram este conceito, dando uma falsa opinião de justiça, porém à partir do momento em que se propõe a buscar a verdadeira justiça, o livro traz o conceito central da justiça defendida pelo libertarianismo:

875. Como podemos definir a justiça?
- “A justiça consiste em cada um respeitar os direitos dos demais.”

875-a. O Que determina esses direitos?
- “Duas coisas: a lei humana e a lei natural. Como os homens formularam leis apropriadas a seus costumes e características, elas estabeleceram direitos variáveis com o progresso das luzes. Vejam se hoje as suas leis — aliás imperfeitas — consagram os mesmos direitos que as da Idade Média. Entretanto, esses direitos antigos, que agora parecem monstruosos, pareciam justos e naturais naquela época. Então, o direito que os homens indicam nem sempre é de acordo com a justiça. Além do mais, este direito regula apenas algumas relações sociais, quando é certo que, na vida particular, há uma imensidade de atos unicamente da alçada do tribunal da consciência.”

876. Posto de parte o direito que a lei humana consagra, qual a base da justiça, segundo a lei natural?
- “Disse o Cristo: Queira cada um para os outros aquilo que gostariam para si mesmo. Deus imprimiu no coração do homem a regra da verdadeira justiça, fazendo que cada um deseje ver os seus direitos respeitados.
Na incerteza de como deva proceder com o seu semelhante, em dada circunstância, trate o homem de saber como quer que com ele procedam, em circunstância idêntica. Deus não poderia ter dado guia mais seguro do que a própria consciência.

Nas questões citadas acima fica bem claro os princípios da justiça que está intrínseca no PNA (Princípio da Não Agressão) do libertarianismo, o qual pode ser extraído facilmente como conclusão lógica destes conceitos.

Logo mais neste mesmo capítulo, temos ainda mais duas questões que destituem qualquer forma coercitiva de poder instituída pelo estado, assim como no libertarianismo isto não é aceito, no espiritismo é mostrado como algo não natural:

878. Podendo o homem se enganar quanto à extensão do seu direito, o que o fará conhecer o limite desse direito?
- “O limite do direito será sempre o de dar aos seus semelhantes o mesmo que quer para si, em circunstâncias iguais e reciprocamente.”

878-a. Mas, se cada um atribuir a si mesmo direitos iguais aos de seu semelhante, que virá a ser da subordinação aos superiores? Isso não seria a desarrumação de todos os poderes?
- “
Os direitos naturais são os mesmos para todos os homens, desde os de condição mais humilde até os de posição mais elevada. Deus não fez uns de material mais puro do que o de que se serviu para fazer os outros, e todos são iguais aos Seus olhos; esses direitos são eternos. Os que o homem estabeleceu, perecem com as suas instituições. Ademais, cada um sente bem a sua força ou a sua fraqueza e saberá sempre ter certa deferência para com os que o mereçam por suas virtudes e sabedoria. É importante acentuar isto, para que aqueles que se julgam superiores conheçam seus deveres, a fim de merecer essas deferências. A subordinação não se achará comprometida, quando a autoridade for deferida à sabedoria.”

No próximo tópico deste capítulo aborda o Direito de Propriedade:

880. Qual o primeiro de todos os direitos naturais do homem?
- “O de viver. Por isso é que ninguém tem o de atentar contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal.”

881. O direito de viver dá ao homem o de acumular bens que lhe permitam repousar quando não possa mais trabalhar?
- “Dá, mas ele deve fazê-lo em família, como a abelha, por meio de um trabalho honesto, e não como egoísta. Há animais que lhe melhor dão o exemplo de previdência.”

882. O homem tem o direito de defender os bens que tenha conseguido juntar pelo seu trabalho?
- “Disse Deus: ‘Não roubarás!’ E Jesus exclamou: ‘Dai a César o que é de César!’” tão sagrado quanto o de trabalhar e de viver.

883. É natural o desejo de possuir?
- “Sim, mas quando o homem deseja possuir para si somente e para sua satisfação pessoal, o que há é egoísmo.”

883-a. — Entretanto, não será legítimo o desejo de possuir, uma vez que aquele que tem de que viver não é um fardo para ninguém?
- “Há homens insaciáveis, que acumulam bens sem utilidade para ninguém, ou apenas para saciar suas paixões. Julgam que Deus vê isso com bons olhos? Aquele que, ao contrário, junta pelo trabalho, tendo em vista socorrer os seus semelhantes, pratica a lei de amor e caridade, e Deus abençoa o seu trabalho.”

884. Qual o caráter da legítima propriedade?
- “Propriedade legítima só é aquela que foi adquirida sem prejuízo dos outros.”

Vemos aqui que toma-se por base o primeiro de todos os direitos naturais, que é o direito à vida, consagrando posteriormente o direito à propriedade de bens, frutos do seu trabalho, e adquiridos sem prejuízo do próximo. Garante também o direito à defender estes bens. Conceitos estes defendidos pelo Libertarianismo. Entretanto no espiritismo aponta que em tudo deve haver um equilíbrio, e que o desejo em demasia de possuir tudo leva ao egoísmo, uma das chagas da humanidade que origina muitos males.

Como um pequeno adendo também iremos expor algo que tanto no libertarianismo e no espiritismo é algo que não é buscado, a igualdade das riquezas.

811. Será possível e já terá existido a igualdade absoluta das riquezas?
- “Não; nem é possível. A isso se opõe a diversidade das capacidades e do caráter dos homens.”

811-a. — No entanto, há homens que julgam que esse é o remédio para os males da sociedade. O que os Espíritos pensam a respeito?
- “Os que pensam assim são sistemáticos ou ambiciosos cheios de inveja. Não compreendem que a igualdade com que sonham seria em curto prazo desfeita pela força das coisas. Combatam o egoísmo, que é a sua chaga social, e não corram atrás de ilusões.”

Ou seja, vemos acima um ataque direto ao pensamento socialista, que utiliza o poder da força para uma caridade forçada, uma distribuição igualitária das riquezas, e com isso os espíritos apontam o real sentimento por trás deste pensamento, a inveja.

Portanto nestes pequenos trechos gostaria de apresentar tanto aos libertários os locais onde as idéias centrais desta filosofia já haviam sido pregadas, e também apresentar aos seguidores da doutrina espírita onde os conceitos libertarianismo estão no núcleo da doutrina.

Claro que o libertarianismo tem por objetivo ser um arranjo jurídico/ético da sociedade, e a doutrina espírita abrange além destes pontos, busca o aprimoramento moral, a continuidade da consciência e a pluralidade dos mundos habitados, porém podemos ver as intersecções de conceitos que auxiliam a criar uma sociedade justa, com uma real igualdade de direitos e que tem por premissa a liberdade da ação do indivíduo, dado o livre-arbítrio garantido por Deus, e limitando-se no direito do próximo.

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Rafael Q. Moreira
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