Análise fundamentalista — ENGIE (EGIE3)
Introdução/História
O setor de energia elétrica no Brasil é composto por empresas bastante consolidadas, geralmente com bom pagamento de dividendos. Atuando na geração, transmissão e distribuição, além de, em muitos casos, ocorrer geração de receita através da comercialização de energia e oferecimento de serviços relacionados, o setor energético é muito dependente da atividade da cadeia produtiva do país, reagindo e performando conforme as perspectivas de crescimento econômico. Dentro desse contexto, a Engie é uma empresa do setor que atua principalmente na geração de energia elétrica, obtendo receita também através da comercialização e transmissão, além da detenção de uma malha de transporte de gás natural e, por fim, oferecimento de serviços relacionados à gestão de energia para empresas.
Desse modo, a história da empresa se inicia em 1994, quando houve a criação da Nacional Energética, pelo Banco Nacional, uma instituição financeira privada. Já no ano seguinte, a empresa Tracbel Electricity and Gas International, que faz parte da empresa belga Tracbel, veio ao Brasil com o intuito de formar parcerias, tornando-se uma gestora da empresa. No mesmo ano, a Nacional Energética e a Furnas fecharam uma parceria público-privada para concluir a obra da usina hidrelétrica Serra da Mesa que até então estava parada, a qual se localiza no rio Tocantins e possui uma capacidade de geração de 1.275 MW de potência. Após esse ano, a Tracbel abriu o primeiro escritório no Rio de Janeiro, sendo registrada, posteriormente, como Tracbel Brasil Ltda.
Um dos pontos cruciais para o crescimento da companhia foi em 1998, quando foi realizada uma concessão da usina hidrelétrica Cana Brava (com 450 MW de potência), localizada no Rio Tocantins. Além disso, no mesmo ano, houve a aquisição, por meio de um leilão de privatização, da companhia estatal Gerasul com capacidade de geração de 3.719 MW de potência, resultando em um investimento de USD 801,5 milhões com recursos próprios da empresa, sem financiamento local. Dois anos depois, em 2000, houve a conclusão da obra e início de operação da usina hidrelétrica Itá com 1.450 MW de potência, localizada no Rio Uruguai, além da assinatura do primeiro contrato de venda direta de energia elétrica a um consumidor livre.
O ano em que ocorreu o histórico “apagão” no país, período em que o governo aplicou o racionamento de energia para os consumidores, também foi importante para a companhia, já que a empresa colocou em operação a usina termelétrica William Arjona (MS), tornando-se a primeira usina a ser movida pelo gás natural proveniente do gasoduto Bolívia-Brasil, e sendo também a primeira colocada em operação pelo projeto “Plano Prioritário de Termelétricas” (PPT) do governo federal, com uma capacidade geradora de 190 MW. No ano seguinte, a companhia promoveu o primeiro leilão de venda de energia elétrica do país, e as usinas hidrelétricas de Cana Brava (450 MW) e Machadinho (1.140 MW) entraram em operação, junto à ocorrência de uma vitória em uma concessão da hidrelétrica Estreito, no rio Tocantins, com capacidade de 1.087 MW.
Em consonância com a grande participação da empresa na geração de energia renovável, em 2003 iniciou-se a operação da unidade de cogeração Lages (SC), sendo a primeira usina a ser registrada pela Engie no mecanismo de desenvolvimento limpo da ONU, sendo esta responsável pela geração de energia elétrica através de biomassa. Em 2004, ocorreu a consolidação da participação da empresa no mercado livre de energia elétrica, sendo que o contrato com grandes consumidores ultrapassaram a marca de 700 MW médios, o que veio a aumentar ainda mais em 2006, com 1000 MW médios.
Para os investidores, o ano mais importante da empresa foi 2005, já que foi o momento em que ocorreu o seu IPO (Initial Public Offering), ou seja, quando a empresa lançou suas primeiras ações no mercado, sendo a coligada ENGIE Brasil Energia a nova integrante do Novo Mercado da Bolsa de Valores e Mercados Futuros BM&FBovespa, a atual B3 (Brasil Bolsa Balcão). No mesmo ano, a empresa foi selecionada para compor o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da B3, que reúne empresas com comprometimento com a responsabilidade socioambiental e sustentabilidade empresarial reconhecidas.
Nos anos seguintes, ocorreram diversas aquisições e concessões para a empresa, sendo a maioria dessas para energias renováveis, como as usinas hidrelétricas. Em 2008, ocorreu uma fusão da empresa com a estatal Gaz de France, passando a se chamar GDF SUEZ. Após 2 anos, a Engie desenvolveu o sistema Maestro, pertencente às receitas de serviços, é uma aplicação que pode ser utilizada para vigilância e supervisão de áreas urbanas ou privadas e na gestão de cidades inteligentes, assim como operação remota de usinas geradoras de energia.
Em 2011, foi consumada a combinação entre os ativos da GDF Suez e da inglesa International Power, e em 2013 entrou em operação o complexo eólico Trairi, com 115,4 MW, no Ceará, além disso, entrou no segmento de eficiência energética através da aquisição da empresa EMAC, por meio de sua subsidiária Cofely. Em 2015, a empresa entrou no segmento de geração fotovoltaica distribuída e também adotou a marca “ENGIE” em todo o mundo. No ano seguinte, entrou nos segmentos de linhas de transmissão, com 1.000 km no Paraná, e também no segmento do varejo de energia (comercializadora varejista).
Por fim, nos últimos anos, entre 2018 e 2019, a empresa entrou também no segmento de monitoramento de energia, iluminação pública e transporte de gás natural, o que reflete a sua história de ampliação, sendo perceptível através de suas ações o quanto a empresa vem se desenvolvendo por meio de aquisições de outras empresas e também ampliações das fontes geradoras de receita, o que sempre vem acompanhado de um foco maior em energias renováveis.
Governança
Em relação à governança da empresa, é muito importante destacar que ela está inserida no Novo Mercado, o qual se caracteriza pelo nível mais alto de governança corporativa dos níveis ditados pela B3. Desse modo, para a empresa se enquadrar nesse nível ela tem que respeitar alguns pré-requisitos, por exemplo, ter apenas ações ordinárias (ON), que são aquelas que garantem direito a voto em assembleias aos acionistas. Outro ponto importante de se destacar é o Tag Along de 100%, o que garante aos acionistas minoritários uma proteção legal em caso de venda do controle da empresa. Por fim, outro ponto de atenção é o free-float, que é o indicador que mostra quantas ações em relação ao total estão disponíveis para circulação na bolsa de valores, isto é, aquelas ações que podem ser negociadas, e no caso da Engie, o nível de free-float era de 31,23% na data em que este texto foi escrito (28/01/2021).
Como se observa na figura acima, 68,71% das ações são da ENGIE Brasil Participações Ltda. e 9,86% pertencem ao Banco Clássico S.A. (que a título de curiosidade também possui participações na CEMIG, Eletrobrás e Petrobrás). A subsidiária do Brasil, por sua vez, é controlada pela Engie International.
Linhas de receita
Como pode ser visto na história da empresa, uma estratégia que foi empregada ao longo do tempo foi a aquisição de diversas usinas de geração de energia, sendo essas, na maioria das vezes, geradoras renováveis, englobando desde as mais comuns (no Brasil) usinas hidrelétricas, até usinas eólicas. Além disso, a empresa buscou muitas vezes concessões que permitiram ampliar ainda mais sua atividade de geração e transmissão. E, além dos serviços de geração de energia elétrica, outros serviços também vieram a fazer parte da área de atuação da companhia, englobando desde a administração de um gasoduto, até um sistema de monitoramento para cidades inteligentes.
Desse modo, iniciando pelas atividades de geração de energia elétrica da empresa, há um total de 61 unidades de geração espalhadas pelo território brasileiro, como se observa na figura abaixo, totalizando uma capacidade instalada de 10.431,2 MW (no 3T20). Desse total, 8.102,3 MW fazem parte da geração por meio de usinas hidrelétricas, 1.202,0 MW por usinas termelétricas e 1.126,9 MW por usinas complementares (eólicas, biomassa, solar e PCH).
Além da matriz geradora de energia, a companhia possui participação em ativos de transporte de gás natural através da Transportadora Associada de Gás S.A. — TAG, sendo essa a maior transportadora de gás natural do Brasil. Essa transportadora possui uma infraestrutura de 4.500 km de gasodutos de alta pressão, se estendendo por grande parte do litoral do país e possuindo também um trecho entre Urucu e Manaus, na região norte. Tal presença no mercado de transporte de gás natural é garantido à empresa por meio de contratos de longo prazo, apresentando uma média de aproximadamente 10 anos.
Por fim, é importante citar a atividade que a empresa desempenha na transmissão de energia elétrica, em consequência de sua expansão para o segmento através da linha de transmissão Gralha Sul e Novo Estado. As atividades de transmissão são importantes pois requerem contratos de longo prazo, além disso, sua construção também deve ser muito bem planejada, já que podem influenciar o meio ambiente, necessitando, desse modo, de uma regulação e alta supervisão do governo.
Pontos positivos/negativos
O setor de energia elétrica possui pontos positivos e negativos muito semelhantes entre as empresas. Por outro lado, o que pode diferenciar essas companhias é a estratégia por ela adotada, podendo muitas vezes mitigar fatores negativos e melhorar pontos já positivos.
- Positivos
Nesse ponto, é importante citar o caráter anticíclico do setor de energia, já que é muito difícil as pessoas pararem de utilizar energia elétrica, portanto, esse se torna um setor estratégico e bastante perene.
Outro fator de destaque, nesse caso observando unicamente a Engie, é a complementaridade das fontes de geração de energia, já que ela possui usinas hidrelétricas, em maior parte, termelétricas, além de notar-se um crescimento nas atividades de geração eólica e solar.
Por fim, em consequência da perenidade do setor e dos contratos de longo prazo, o fluxo de caixa da empresa pode ser altamente previsível, o que é bom para os acionistas.
- Negativos
Em contrapartida a perenidade do setor, a alta exposição da empresa pela geração de energia por meio de usinas hidrelétricas traz o risco hidrológico, isto é, em períodos de seca a geração pode não ser satisfatória.
Além disso, dentro do setor como um todo, há uma alta regulação por parte do governo, o que ocorre por conta dos impactos ambientais que causam a construção das usinas e linhas de transmissão, e também por ser um recurso estratégico para uso de toda a população. Vale ressaltar ainda o impasse na grande dependência de concessões oferecidas pelas agências de regulação.
Resultados
Comparando alguns indicadores com outras empresas do setor, vemos:
Desse modo, observamos aqui que comparativamente com outras empresas do setor, tanto o indicador P/L (Preço sobre Lucro) como P/VP (Preço sobre Valor Patrimonial) mostram-se um pouco acima da média. Além disso, observando os indicadores de eficiência, a margem bruta e a margem líquida estão bem abaixo das margens das empresas Isa CTEEP e Taesa. Já observando o endividamento, vemos que, comparativamente, a Engie está mais endividada que as outras empresas e, por fim, vendo os indicadores de rentabilidade, percebemos um ROE (Return on Equity) acima da média e um ROA (Return on Assets) um pouco abaixo.
Fluxo de Caixa
Em um primeiro momento, é possível destacar, dentro do fluxo de caixa da empresa, a redução de seu lucro antes de impostos, partindo de aproximadamente R$1.059 bilhões, para cerca de R$610.337 milhões, em comparação com o mesmo período do ano passado. Porém, ao considerarmos todas as atividades operacionais da empresa, chegamos em um lucro ajustado de R$1.464 bilhões no 3T19 e R$1.203 bilhões no 3T20, o que representa uma queda menos acentuada.
Outro ponto interessante presente no Fluxo de caixa da empresa, diz respeito à forma atual de como ela busca se financiar. No 3° trimestre do ano passado a empresa não buscou empréstimos diretamente, optando por emitir debêntures como forma de financiamento de suas dívidas.
Balanço Patrimonial
O balanço patrimonial da empresa nos trás resultados muito interessantes e positivos sobre a empresa, ao realizarmos a comparação entre o terceiro trimestre de 2020 e o mesmo período do ano passado (3T19). Apesar das adversidades geradas pela pandemia e, devido ao fato de o setor ser não cíclico e estratégico, a demanda por energia não sofreu tantas alterações em comparação com outros setores.
Dessa forma, temos um aumento de aproximadamente 35,4% em seu ativo circulante (ativos de curto prazo com vencimento em até 12 meses), indo de R$6.745 milhões no terceiro trimestre do ano passado para R$9.135 milhões no ano de 2020. Seu ativo não circulante (realizável no longo prazo, acima de 12 meses) teve um aumento bem menos expressivo, porém apresentou um resultado positivo, registrando alta de 8%.
Por fim, pode-se citar o aumento da dívida da empresa na comparação entre os dois períodos, tendo em vista o valor de empréstimos e financiamentos, bem como de emissão de debêntures.
Demonstrativo de resultado e exercício
Já em relação a DRE, é possível notar mais alguns resultados positivos apresentados pela empresa, como o aumento de seu lucro bruto em 9%, em comparação com o penúltimo trimestre do ano passado, chegando ao valor de R$1.168.455 milhões.
Indicadores
A empresa vem demonstrando franco crescimento em sua receita operacional líquida, bem como em seu EBITDA, o que demonstra que a saúde financeira da empresa caminha tranquila, além de mostrar sua eficiência operacional. Por outro lado, seu lucro líquido caiu um pouco no ano de 2020 e apresentou uma queda no comparativo 3T19 e 3T20.
ROIC
P/L
Um dos principais indicadores financeiros utilizado para avaliar as ações de forma primária, ele procura correlacionar o preço de negociação do papel com o lucro da empresa, sendo a razão entre eles, respectivamente.
O P/L da Engie no presente momento da análise é de 13,69, o que demonstra ser interessante, uma vez que alguns outros concorrentes apresentam uma faixa semelhante, tendo a AES Tiete com um P/L de 19,14 e a TAESA com um 7,16. Todos os dados foram retirados do site Status Invest.
Conclusão
A empresa se encontra em um setor que possui demanda constante e com tendência de crescimento, além disso, o setor elétrico se mostra como um dos que mais paga proventos aos seus acionistas, prova disso é o payout da companhia, se mantendo constantemente acima dos 50% nos últimos 4 trimestres apresentados, conforme a imagem abaixo:
Além disso, a empresa vem aumentando sua produção própria no decorrer do tempo, acompanhando o aumento de demanda natural por energia elétrica, como consequência do aumento demográfico brasileiro e da expansão do setor industrial.
Com base nos dados apresentados, nota-se que a ENGIE já é uma empresa consolidada no setor de energia elétrica, sendo uma das maiores geradoras de energia privada do Brasil, com a maior parte de suas operações focadas em energias renováveis. Tal fato demonstra não só uma maior responsabilidade por parte da empresa com relação às políticas ambientais, mas também uma preocupação com seu sistema de produção futuro, uma vez que, com o passar dos anos, a forma de adquirir energia de fontes não renováveis ou que poluem muito o meio ambiente tendem a ser deixadas de lado.
Escrito por: Matheus Errera e Saulo Vitti