Dados econômicos dos Estados Unidos ajudam, mas Projeto “Renda cidadã” e pessimismo quanto ao cenário fiscal fazem com que Ibovespa termine a semana no vermelho

Lucas Guarnieri
Liga de Mercado Financeiro Bauru
9 min readOct 5, 2020

Introdução

A pandemia do novo coronavírus continua a assombrar os investidores ao redor do mundo. A possível segunda onda de contágio pela Europa preocupa o globo, assim como as eleições norte-americanas. No cenário nacional, entraves políticos e a preocupação com o anúncio do então projeto social “Renda Cidadã”, novo nome para a antiga Renda Brasil que viria, ainda, a substituir o Bolsa Família, gerou desconforto aos especialistas e investidores devido a sua estruturação e a origem de tais recursos, além de ser um assunto que já foi motivo de manchete nos jornais que diziam que a relação do presidente Jair Bolsonaro com o ministro Paulo Guedes estaria desgastada. Assim, mesmo o início da semana trazendo ganhos para bolsas europeias e estadunidenses, a grande instabilidade na política nacional não agradou à comunidade do mercado financeiro, refletindo em uma desvalorização de 2,41% do Ibovespa.

Ao decorrer da semana, a preocupação continuou sendo foco de altas oscilações da bolsa brasileira. Apesar disso, no meio da semana, o Ibovespa encerrou a quarta-feira (30) com alta de 1,09% devido ao cenário internacional, em que o pacote trilionário proposto nos Estados Unidos com o objetivo de mitigar os efeitos da pandemia na economia local passou a ser encarado com olhares mais positivos pelos congressistas.

Por fim, a semana que encerrou o mês de setembro e concomitantemente iniciou outubro voltou a apresentar um péssimo resultado. Após o debate presidencial entre Donald Trump, atual presidente da maior potência global, e Joe Biden, candidato a cadeira pelo partido democrata e vice presidente do governo liderado, na época, pelo ex-presidente Obama, no qual ocorreram discussões e ofensas a todo tempo, a preocupação com as eleições voltaram a crescer. Além disso, Trump e a primeira dama Melania Trump testaram positivo para a Covid-19, conforme divulgado pela Casa Branca na sexta-feira (02). No cenário nacional, o desgaste gerado pelo projeto Renda Cidadã continuou, e, segundo o Estadão, o governo já planejava voltar o nome do projeto para Renda Brasil.

Governo

Como dito anteriormente, a entrega do projeto Renda Cidadã pelo governo federal não agradou grande parte da sociedade. Após o anúncio de que o mesmo usaria precatórios (um título de dívida em que o Estado entrega, como garantia de pagamento, para uma pessoa física ou jurídica) e também parte do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) para poder, assim, aumentar os recursos do projeto social, inúmeras críticas foram lançadas contra a medida, nas quais foram mencionadas até mesmo a volta de pedaladas fiscais. Cabe destaque também ao Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2021, em que o governo fez uma reserva 18% maior que o atual, projetando R$ 34,8 bilhões para o próximo ano.

Ainda se tratando de economia nacional, o ministro Paulo Guedes comentou na segunda-feira a respeito da necessidade do país gerar vagas de emprego, e que em busca da concretização do feito, anunciou que ele e sua equipe já possuem a segunda parte da reforma tributária quase finalizada, e que agora basta aguardar pelos tradicionais trâmites políticos. Ainda sobre seu time, o ministro disse na quarta-feira que jamais foi sua intenção propor alguma medida que ultrapasse o teto de gastos, e garantiu que tal erro não será cometido. Apesar disso, a proposta da reforma tributária gera desencontro de ideias. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, postou em seu perfil no Twitter uma questão ao então ministro, questionando o porquê da interdição do debate da reforma. Um dos principais pontos geradores de desacordo é o imposto sobre transações financeiras, que muito se remete a antiga CPMF. Após tanta discussão, o governo chegou a conclusão que pretende mandar esse segunda parte apenas no ano que vem, em 2021, devido à proximidade das eleições municipais no país.

Se tratando sobre as novas sanções realizadas na semana pelo presidente Bolsonaro, foi realizada a mudança no teto permitido para a construção de obras pelo poder público durante o período de pandemia. Antes da nova medida provisória, o valor determinado para a área variava entre R$ 8 mil e R$ 15 mil, mas agora passa a ser de R$ 100 mil. Ademais, foi prorrogado por mais 60 dias a permissão da redução ou suspensão da jornada e salário dos funcionários das empresas que se interessarem na possibilidade.

Ainda sobre a mudança de valores de recursos para projetos, Bolsonaro apresentou uma proposta de redução de R$ 1,4 bilhões da educação com o objetivo de destiná-los para outros setores, como o Ministério da Infraestrutura e Desenvolvimento Regional. Tais medidas representam o acordo entre o presidente e o Congresso para a realização do plano Pró-Brasil.

Por fim, o encerramento da semana indicou-se a intenção do governo de realizar uma nova estruturação do Renda Brasil e fazer com que o mesmo caiba dentro do teto de gastos, mas que se for necessário, poderá furar o teto. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que os juros poderiam sofrer uma alta, referenciando em sua fala as medidas do governo federal para financiamento do projeto social.

Índices

Iniciando a semana, o Ibovespa refletiu em números as incertezas políticas do país. Tal acontecimento foi suficiente para que o Ibovespa encerrasse o dia em forte queda, de 2,41% aos 94.666,37 pontos, sendo este o menor patamar alcançado pelo índice desde 26 de junho. O dólar comercial subiu, com alta de 1,48% chegando a ser negociado por R$ 5,635. Ainda na segunda-feira, o Banco Central divulgou, pelo Boletim Focus, que a inflação deve ultrapassar 2% em 2020, mas ainda se encontra abaixo da meta de 4%, com variação percentual de 1,5. Se tratando do Produto Interno Bruto, a instituição projetou um leve aumento, passando de -5,05% divulgado na semana anterior para -5,04%. Além disso, manteve o patamar da atual taxa Selic (cotada em 2%) até o fim de 2020, com expectativas de que a taxa alcance 2,5% em 2021 e 4,5% em 2022.

Na terça-feira (29) foi divulgado pela FGV que o Índice Geral de Preços, o IGPM, principal indicador utilizado para realizar a correção de contratos de aluguéis, acumulou uma alta de 17,94% em 12 meses, e +14,40% só no ano de 2020. Considerando só o mês de setembro, o índice se subiu 4,34%, maior que do mês anterior, de 2,74%. Se tratando a bolsa de valores brasileira, o Ibovespa seguiu a tendência de queda do dia anterior e caiu 1,15% aos 93.580,35 pontos, refletindo ainda a genuína preocupação dos economistas e investidores sobre o polêmico projeto Renda Cidadã. O dólar comercial subiu novamente, chegando a R$ 5,6400, representando uma variação de +0,14%.

Na quarta-feira, último dia do mês de setembro, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística divulgou que a taxa de desemprego no país alcançou 13,8%, o que corresponde a 13,1 milhões de brasileiros. Em janeiro deste ano, a taxa se encontrava aos 11,2%, e no segundo trimestre, 12,6%, mostrando que mesmo com a flexibilização das medidas de isolamento social adotadas no país, a crise ainda permanece afetando a economia. Ainda no meio da semana, o Ministério da Economia divulgou dados de que a balança comercial registrou um superávit de US$ 6,164 bilhões em setembro. Apesar do saldo positivo, o ano ainda apresenta uma queda de 7% para as exportações de janeiro a setembro, e 14% para as importações. No cenário internacional, a fala do secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Steven Mnuchin, de que os congressistas poderiam estar tendendo para um bom resultado na discussão sobre o pacote trilionário que visa ajudar a economia norte americana, aliado ao comunicado realizado por Paulo Guedes que em momento algum foi intenção ultrapassar o limite de gastos ao anunciar o polêmico projeto social, refletiram uma alta de 1,09% no Ibovespa, aos 94.603,38 pontos. O dólar foi negociado a R$ 5,615, representando uma queda de 0,44%. No mês como um todo, a moeda acumulou uma valorização de 2,46% sobre o real.

Na quinta-feira (01), o início do mês de outubro trouxe consigo um dado positivo para as contas federais. O valor de R$ 124,50 bilhões, devido à arrecadação de impostos e contribuições federais, foi o melhor resultado para o governo dentro os últimos seis anos para o mês de agosto. Considerando ainda o resultado acumulado de janeiro até agosto, somaram-se R$ 906,461 bilhões, representando o menor volume desde 2010, em que no mesmo período, o valor foi de R$ 905,848 bilhões. O dia em questão se encerrou com uma valorização de 0,93% do Ibovespa, aos 95.478,52 pontos. O dólar também se valorizou, sendo negociado a R$ 5,6500, representando +0,62%.

No último dia útil da semana, 2 de outubro, o Ibovespa voltou a cair, com desvalorização de 1,53% aos 94.015,68 pontos. O medo com fisco brasileiro, assim como com as eleições norte-americanas fizeram com tal queda fosse a quinta consecutiva em um cenário semanal. O dólar avançou 0,21%, negociado por R$ 5,666. Na semana como um todo, o Ibovespa apresentou uma desvalorização de 3,08%, enquanto que o dólar avançou 1,93%.

Internacional

No cenário europeu, o início da semana trouxe ganhos para as bolsas locais, levados principalmente pelos bancos, após uma turbulenta semana de queda devido aos escândalos de lavagem de dinheiro. O HSBC alcançou 10,22% na segunda-feira pela bolsa de Londres, após o anúncio da seguradora China Ping An de que aumentou sua participação no banco.

Na Ásia, dados sobre a economia chinesa animaram os investidores. O aumento no preço das commodities resultaram em um aumento do lucro das empresas locais, representando um crescimento de 19,1% em agosto (comparado com o mesmo período do ano anterior) pelas mesmas, de acordo com o National Bureau of Statistics do país. Após ser o primeiro lugar do mundo a enfrentar os fortes impactos da pandemia, o país vem apresentando ótimos números que flertam com uma boa recuperação econômica, à frente de países europeus e americanos, por exemplo, que atualmente estão cautelosos com uma possível segunda onda de contaminação em massa.

Sobre os Estados Unidos, a polêmica de que o atual presidente do país, o bilionário Donald Trump, pagou apenas US$ 750 dólares de imposto de renda em 2016 e 2017 gerou repercussão mundial. O jornal The New York Times, responsável pelo relatório, disse também que Trump não havia pagado qualquer valor em 10 dos 15 anos anteriores. A notícia foi comentada durante o debate presidencial que ocorreu na terça-feira, em Cleveland, com Chris Wallace como mediador. Se tratando do debate em si, foi considerado como um total fiasco, com discussões nada fundamentada e baseadas em ofensas pessoais. Segundo Maurício Moura, pesquisador pela Universidade de George Washington e CEO da Idea Big Data, a audiência ao longo do programa foi diminuindo, algo incomum dentre debates anteriores. Além disso, a Casa Branca divulgou, na sexta-feira, que tanto o presidente quando a primeira dama, Melania Trump, testaram positivo para o novo coronavírus, representando mais um fator de preocupação com a política norte-americana.

Veja mais detalhes sobre o debate entre os presidenciáveis

Os olhares do mundo sobre as vacinas que estão em desenvolvimento receberam uma nova notícia, porém desanimadora. Segundo a empresa Moderna, que possui uma das vacinas consideradas promissoras para serem distribuídas para o mundo, disse que possivelmente não estará pronta antes das eleições norte-americanas, e que o pedido de uso emergencial para o FDA, órgão equivalente a Anvisa no Brasil, não deve ocorrer antes do dia 25 de novembro.

Destaques positivos e negativos

IRB Brasil Resseguros SA (IRBR3) +12,83%

A IRB é uma empresa referência em resseguros no Brasil, sendo detentora do maior market share do setor. Durante a semana, a empresa divulgou que será responsável pela emissão de R$ 900 milhões em debêntures senior unsecured, conforme relatório da S&P Global Ratings. Além disso, a companhia informou que utilizará os recursos para fortalecer seu capital, assim como se enquadrarem nos critérios determinados pela Superintendência de Seguros Privados.

Embraer SA (EMBR3) +6,05%

A Embraer, conglomerado brasileiro que realiza a fabricação de aeronaves destinadas para diversos setores como agrícolas e militares, foi a responsável pela segunda maior valorização na semana. Apesar de estar enfrentando empasses na justiça após anunciar no começo do mês de que iria demitir mais de 900 funcionários, a Azul comunicou ao mercado que passou a possuir certificações necessárias para o uso do jato Embraer E195, destinado à movimentação de cargas, fator preponderante para a valorização dos papéis da empresa.

Ultrapar Participacoes SA (UGPA3) -9,68%

A Ultrapar, companhia de distribuição de combustíveis proprietária dos postos Ipiranga, foi o segundo destaque negativo da semana. Com a forte queda do preço do Petróleo, o mercado global como um todo foi afetado. Apesar de ter sido aprovada no Supremo Tribunal Federal a medida que permite a venda de refinarias da Petrobrás sem a necessidade de aprovação pelo Legislativo, o que teria despertado o interesse da Ultrapar, não foi suficiente para cobrir as perdas da empresa.

CVC Brasil Operadora e Agencia de Viagens SA (CVCB3) -11,16%

Atuante no mercado de turismo, a CVC Brasil enfrenta fortes impactos causados pela pandemia e suas restrições com o distanciamento social e fechamento de fronteiras. Nesta semana, a companhia divulgou dados que mostram um prejuízo de R$ 1,15 bilhões no primeiro trimestre do ano, junto a um patrimônio líquido negativo de R$ 180 milhões, segundo uma auditoria realizada pela KPMG. Em suma, tais resultados podem apresentar incertezas para a empresa quanto a sua geração de resultados e continuidade operacional.

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