Desdobramentos em diferentes crises afetam o câmbio: instabilidades político-econômicas no Brasil, novas escaladas no conflito comercial entre os EUA e China, crescimento na Europa abaixo das expectativas e diálogo entre o Brasil e Argentina.

Matheus Errera
Liga de Mercado Financeiro Bauru
7 min readAug 29, 2020

Análise cambial (25/jul a 28/ago)

Euro (EUR) +5,1376%

Máxima: R$6,7101 em 20/ago

Mínima: R$ 6,0030 em 29/jul

Maior variação diária: -2,58% em 28/ago

O Euro, moeda adotada na União Europeia, sofreu forte valorização em relação ao Real no último mês. A situação da pandemia no velho continente começa a mostrar sinais de melhoras, porém ainda fica abaixo do previsto por economistas.

No dia 28 de julho, o Banco Central Europeu (BCE) pediu aos bancos da zona do euro que não comprassem suas próprias ações e nem distribuem seus dividendos até janeiro de 2021. Tais medidas visam manter a capacidade dos bancos de absorverem as perdas, e poderem continuar emprestando dinheiro. No quarto trimestre deste ano, a necessidade de se prolongar tais medidas deverá ser reavaliada e a expectativa é de, que com a chegada da vacina, não seja necessário um novo prolongamento dessas medidas.

Um dos fatores que estimulou a alta da moeda europeia foi a retomada do crescimento da atividade industrial. Por conta do alívio nas medidas de restrição, o índice PMI subiu a 54,9 no mês de julho, uma alta de 7,5 em relação ao valor do mês anterior, salienta-se que, quando o índice fica acima de 50,0 ele mostra crescimento no mercado e, quando fica abaixo, indica retração. Devido ao aumento das demandas, a produção tem seu maior ritmo de crescimento nos últimos dois anos, tendo o número de encomendas superado a produção. Nesse aspecto, o principal aumento vem de bens duráveis, como refrigeradores e automóveis, mostrando confiança do consumidor sobre a recessão econômica.

No fim do mês de agosto, o índice PMI voltou a cair, motivado pelo aumento do número de novos casos da COVID-19, no dia 21 de agosto recuou para 51,6. Com isso, o euro, que tinha atingido sua maior cotação dos últimos anos, entrou em processo de desvalorização. Desde o dia 20 de agosto, quando a moeda atingiu a marca de R$ 6,71, ela vem se desvalorizando praticamente de constantemente.

Dólar (USD) +2,9550%

Máxima: R$ 5,6733 em 20/ago

Mínima: R$ 5,1145 em 29/jul

Maior variação diária: -3,27% em 28/ago

Meio a crises mundiais e diversos fatores internos e externos, o dólar vem se valorizando comparado a moedas emergentes, sendo o Real, uma das principais afetadas pela busca de segurança de investidores em moedas mais fortes. Por outro lado, ainda que haja uma forte valorização do dólar, outras moedas fortes têm mostrado uma valorização ainda maior por conta de alguns países (principalmente da Europa) estarem lidando melhor com as crises trazidas pela pandemia.

Sendo assim, observando os fatores internos do Brasil que ocasionaram em uma desvalorização do Real frente ao dólar, percebe-se principalmente uma preocupação dos investidores com as questões fiscais brasileiras, influenciadas pelo auxílio emergencial pago pelo governo, o que piora a questão fiscal do país, e também por dificuldades na aprovação e entendimento das reformas tributárias propostas. Além disso, o corte na taxa básica de juros (Taxa Selic) para 2%, uma mínima histórica, também favoreceu a valorização da moeda estrangeira, já que os investidores tendem a buscar países com taxas de juros maiores em busca de maiores rentabilidades.

Um importante evento interno que causou desvalorização do real frente ao dólar foi a saída dos secretários especiais do Ministério da Economia Salim Mattar (Desestatização) e Paulo Uebel (Desburocratização) que, por estarem insatisfeitos com o andamento das reformas propostas pelo Ministério, pediram demissão no dia 11/08, sendo que o próprio ministro Paulo Guedes disse que o ocorrido foi uma “debandada”.

Ademais, outro ocorrido econômico que influenciou negativamente no câmbio foi a derrubada do veto de reajuste salarial dos servidores públicos, que veio a ser revertida em seguida, mas deixou uma “má impressão” no mercado, sendo que, no dia 20/08, a moeda atingiu o valor máximo do período. O Bradesco, em nota, afirmou que “Após aumento relevante das despesas neste ano, para limitar os efeitos da pandemia, o desafio de cumprir o teto e cortar gastos persiste”. Na ata da reunião do Fed do dia 19/08, também houve uma menção ao Brasil: “Em contraste, o real brasileiro desvalorizou cerca de 5% em relação ao dólar, em meio a continuação dos cortes nas taxas de juros pelo Banco Central do Brasil, casos crescentes de coronavírus e turbulência política no Brasil”.

Externamente, o que pode ser observado para a mudança no câmbio é uma alteração na perspectiva a respeito da pandemia do coronavírus e também novos desdobramentos na guerra comercial entre EUA e China. No dia 24/08, por exemplo, houve uma divulgação da universidade de John Hopkins que mostrou uma redução no número de casos de Covid-19 nos EUA, trazendo o dólar para baixo. Além disso, no dia 07/08, ocorreu uma desvalorização percentual de 1,99% do real por conta da continuidade do conflito dos EUA com a China, gerada devido ao decreto assinado por Donald Trump, que deu o prazo de 45 dias para uma empresa dos EUA comprar as operações do aplicativo TikTok (pertencente a uma empresa chinesa), o qualificando como ameaça à segurança nacional e econômica.

Peso argentino (ARS) -0,0686%

Máxima: R$0,0772 em 20/ago

Mínima: R$0,0708 em 29/jul

Maior variação diária: -3,32% em 28/ago

O peso argentino sofreu várias oscilações no último mês sendo, de modo geral, a maioria delas favorecendo o país. No dia 19 de agosto, o embaixador argentino Daniel Scioli se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro para tentar amenizar o desgaste entre os dois países, isso porque, desde que Alberto Fernandez assumiu a presidência, este não se encontrou com Bolsonaro. Pelo contrário, trocaram farpas desde a posse, isso tudo motivado por divergências políticas, já que o presidente argentino é de centro-esquerda. Nesse aspecto, o mercado reagiu de forma positiva ao encontro, valorizando o peso argentino em relação ao real.

Porém, a Argentina vem travando as importações vindas do Brasil, sendo que, até o dia 17 de agosto, haviam 139 milhões em mercadorias brasileiras pendentes de liberação. Essa tentativa de dificultar as importações é devida a crise cambial que afeta o país e, segundo o ministro das relações exteriores, o governo precisa segurar as importações para reter dólares, pois o peso vem sofrendo uma forte desvalorização frente ao dólar, recuando cerca de 26% no último ano. As reservas cambiais diminuíram, então o governo tenta segurar as importações e aumentar as exportações, para assim manter o equilíbrio.

No dia 25 de agosto, o presidente do Banco Central argentino defendeu a taxa de câmbio atual, afirmando que não espera que novos controles sejam necessários e, com isso, o peso sofreu uma valorização frente ao real. Ainda, o novo acordo da reestruturação da dívida argentina com os credores deverá ajudar a reduzir a diferença entre a taxa de câmbio oficial e a do mercado paralelo, valorizando assim o peso. Dessa maneira, a tendência é que a taxa de inflação continue desacelerando no próximo ano.

Yuan (CNY) +5,2159%

Máxima: R$ 0,8199 em 20/ago

Mínima: R$ 0,7303 em 29/jul

Maior variação diária: -2,85% em 28/ago

A moeda do gigante asiático, assim como o dólar, vem sofrendo muitas variações nesse período de crise, mas, no geral, manteve valorizações frente ao Real. Do mesmo modo, os principais motivos são a guerra comercial com os EUA e também a mudança das expectativas para a pandemia. Como o país é um grande parceiro comercial do Brasil, diversos exportadores podem tirar vantagem da desvalorização do Real, tendo mais lucros.

No dia 27/07, a China confirmou o fechamento do consulado americano na cidade de Chengdu em resposta ao fechamento do consulado chinês pelos EUA em Houston, o que foi considerado por Pequim ‘uma escalada sem precedentes’ da tensão entre os dois países. Semanas antes, o conflito entre os dois países também já havia outras escaladas como no caso da imposição da lei de segurança nacional sobre Hong Kong por parte de Pequim. Tais conflitos tenderam a desvalorizar o Real ante o Yuan. Por outro lado, quase um mês após o ocorrido, no dia 25/08, ambos os países voltaram a conversar sobre a primeira fase do pacto comercial, tendo a China relatado que houve uma discussão comercial “construtiva” e os EUA afirmando que ambas as partes “veem progresso e estão empenhadas em tomar as medidas necessárias para garantir o sucesso do acordo”, trazendo ânimo aos investidores.

Aproveitando-se da desvalorização do Real frente ao Yuan, o mercado de soja brasileiro tem tido bastante vantagem na venda da commodity para a China, trazendo até um desabastecimento ao mercado nacional, o que reflete nos preços do grão e seus derivados no Brasil, que precisou suprir o déficit, segundo a Folha de São Paulo, importando 455 mil toneladas no período de janeiro a agosto, superando o mesmo período de 2019 em 290%.

Por fim, no dia 17/08, a China injetou uma quantia de 700 bilhões de iuanes em empréstimos através do Banco do Povo da China, por uma taxa de juros de 2,95% a médio prazo para instituições financeiras, o que, para Fernanda Consorte, estrategista do banco Ourinvest, “seria bom para moedas emergentes”. Além do mais, em relatório do BC chinês divulgado no mesmo dia, a China quer tornar o yuan mais acessível para atrair o investimento estrangeiro, removendo algumas restrições atuais ao uso do yuan além das fronteiras chinesas, continuando a abrir os mercados financeiros do país, permitindo que o yuan concorra melhor com outras moedas.

Escrito por: Lucas Strutz & Matheus Errera

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