Os lentos passos da educação financeira no Brasil

Matheus Errera
Liga de Mercado Financeiro Bauru
4 min readDec 4, 2020
Fonte: radiocaxias.com.br

“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.” A frase do respeitado filósofo e educador brasileiro Paulo Freire expõe seu pensamento a respeito da influência da educação na formação e transformação da sociedade. O Patrono da educação brasileira foi o acadêmico responsável pela solidificação das bases da pedagogia crítica e trouxe ideias usadas amplamente no mundo todo sobre como a educação deve se desenvolver de modo que a sociedade evolua, mitigando problemas sociais como a desigualdade e formando uma consciência crítica nos alunos. Trazendo os ensinamentos do acadêmico ao contexto do mercado financeiro, pode-se relacionar o desenvolvimento educacional da sociedade brasileira na área da educação financeira aos problemas sociais e econômicos enfrentados pelo país, que é um dos mais desiguais atualmente.

Favela de Paraisópolis ao lado de apartamento de alto padrão no Morumbi. Fonte: Exame

Para meios de comparação, o Brasil que possui quase 210 milhões de habitantes, possuía, no início do ano, 61 milhões de brasileiros com o nome negativado no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Além disso, segundo o Banco Mundial, apenas 3,64% da população economiza para a aposentadoria, sendo que a média da América Latina é de 10,6% e de outros países emergentes como México, África do Sul e Rússia são 20,85%, 15,93% e 14,56%, respectivamente. Observando outro dado importante, apenas 28% dos brasileiros declararam ter poupado algum dinheiro nos últimos 12 meses, sendo o décimo quarto pior índice do mundo. Tais indicadores são fruto de diversos fatores sociais e históricos, e um deles é a educação financeira. Segundo o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), através de um de seus parâmetros, o analfabetismo financeiro, o Brasil ocupou a última posição entre os 17 países avaliados no mesmo quesito em 2015.

Os fatores educacionais financeiros foram fortemente influenciados por acontecimentos históricos nacionais que moldaram o comportamento econômico da sociedade de modo a refletir nos indicadores mostrados pelo PISA. Primeiro, a economia brasileira sempre foi inflacionária, sendo que nos anos 80 e 90 isso tudo foi intensificado com a hiperinflação, fazendo com que toda uma geração aprendesse a gastar rapidamente o seu dinheiro para que ele não “virasse pó” em questão de horas. No meio disso, o país acompanhou três trocas de padrões monetários e também o confisco das poupanças no governo de Fernando Collor. Sendo assim, essas gerações conviveram com muitas incertezas em relação aos planos governamentais econômicos, desestimulando o acúmulo de capital.

Inflação brasileira — Variação anual — 1930 a 1989. Fonte: Cointimes

Infelizmente, a melhoria dos indicadores de endividamento, aumento do acúmulo de capital e investimento da população não é uma questão meramente resolvida com a educação financeira, já que uma grande parte do país não tem acesso ao ensino e também muitos trabalham apenas para pagar as próprias contas ou ainda sua sobrevivência, cabendo, nesse caso, ao governo empregar programas sociais e medidas econômicas que tragam o mínimo de dignidade a essas pessoas. No entanto, ajudar a população em geral a planejar seus gastos e entender um pouco mais sobre aspectos econômicos, como juros, investimentos ou a analisar se vale a pena comprar parcelado ou à vista, pode fazer com que o dinheiro tenha um destino mais útil aos cidadãos e os indicadores de endividamento sejam mais próximos dos países emergentes, ao menos.

Vale ressaltar que a educação financeira não é uma área do conhecimento isolada, ela se relaciona com diversas outras de igual importância, como interpretação de texto, matemática e história. Sendo assim, não apenas a adesão dessa área é necessária na base nacional comum curricular, mas também a evolução dos métodos de ensino das matérias já ensinadas, trazendo aos alunos capacidade crítica e também criatividade na hora de correlacionar os assuntos. A leitura, por exemplo, é imprescindível nessa trajetória, sendo que de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), em 2019, o percentual de analfabetos no Brasil é de 6,6%, o que representa 11 milhões de pessoas, o que mostra a grande evolução que ainda precisa acontecer.

Taxa de analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais de idade. Fonte: IBGE Educa

Por fim, de modo a fazer a educação mais atrativa aos estudantes, Paulo Freire defendia uma maneira de conectar o cotidiano dos estudantes e suas experiências ao assunto ensinado, sendo assim, a educação financeira deveria seguir esse padrão, pois eventualmente todo aluno irá vivenciar ou já vivencia experiências relacionadas ao assunto. Os professores, portanto, devem estimular o pensamento crítico dos alunos, tornando-os em aprendizes ativos, evitando o método de apenas “depositar” o conhecimento no receptor, o que ele chamava de “educação bancária”.

“Transformar os alunos em objetos receptores é uma tentativa de controlar o pensamento e a ação, leva homens e mulheres a ajustarem-se ao mundo e inibe o seu poder criativo.” Paulo Freire.

Escrito por: Matheus Errera

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