Rebalanceamento de carteira: como aplicar essa estratégia aos seus investimentos?
Em outubro de 2021, a B3, bolsa do Brasil, alcançou a marca histórica de 4 milhões de contas de pessoas físicas em renda variável, quantia bastante expressiva ao considerarmos que em dezembro de 2020 haviam 3,2 milhões de contas. Além disso, juntamente com o aumento da quantidade de investidores, a forma que o brasileiro vem investindo também está se modificando. Em 2016, 78% da base de pessoas físicas detinha somente ações, mas em setembro de 2021 esse valor caiu para 49%, assim como apresentado na tabela a seguir. Isso mostra que as pessoas estão diversificando seu portfólio de investimento incluindo diferentes produtos, tais como FIIs (Fundos de Investimento Imobiliário) e ETFs (Exchange Traded Funds). Inclusive, o número de investidores que passou a diversificar seu portfólio com a combinação “Ação + FII + ETF” subiu de 1%, em 2016, para 8% no terceiro trimestre de 2021.
Dados da B3 também indicam que, em 2016, 39% das pessoas físicas possuíam apenas 1 ativo em carteira, enquanto que no 3º trimestre de 2021 esse número caiu para 21% (veja no gráfico abaixo). Além disso, reforçando ainda mais a ideia de que o investidor pessoa física está buscando diversificar seu portfólio, no 3º trimestre de 2021, 46% desses investidores possuía mais de 5 tickers, ou seja, 1 a cada 2 investidores alocaram seu patrimônio em mais de 5 empresas diferentes.
Embora os dados sejam animadores e indiquem uma entrada significativa de novas pessoas na renda variável, o investidor que está iniciando sua jornada na bolsa de valores acaba se deparando com uma infinidade de estratégias diferentes de gestão de carteira, sendo que muitas delas não se adequam ao seu perfil e/ou são muito complicadas para serem implementadas. Como consequência, esse cenário pode desestimular a continuidade dos aportes e afastar o investidor iniciante da bolsa de valores.
Entretanto, quando o investidor está consciente do comportamento dinâmico do mercado financeiro e se prepara de forma consistente, ele é capaz de se expor com segurança para “surfar boas ondas”.
O que é a estratégia de rebalanceamento de carteira?
Visando contribuir de forma didática com a formação do investidor iniciante, esse artigo tem como objetivo apresentar uma estratégia frequentemente utilizada na gestão de carteiras de investimentos: o rebalanceamento.
O rebalanceamento de carteira tem como principal objetivo readequar a proporção dos ativos que compõem a carteira com base em uma “proporção ideal”. Assim, quando o patrimônio alocado em um ou mais ativos estiver se afastando significativamente da porcentagem previamente estabelecida, a estratégia de rebalanceamento atuará para corrigir as eventuais defasagens e reequilibrar o portfólio.
O investidor pode escolher o momento mais adequado para aplicar o rebalanceamento da carteira definindo alguns gatilhos, tais como: a cada período específico de tempo (trimestralmente, por exemplo); quando um ou mais ativos ultrapassarem determinado valor limite de representação na carteira (20% acima da proporção ideal, por exemplo); se houver mudança na tese de investimento (alteração na política de dividendos, por exemplo), entre outros.
A princípio, cabe ao investidor definir o gatilho que mais lhe convém. O ideal é que a estratégia não seja aplicada em períodos muito curtos de tempo, uma vez que algumas corretoras cobram taxas para movimentar ativos da carteira (isto é, comprar e vender). Contudo, os períodos de tempo também não podem ser muito longos, pois assim o investidor poderia perder as oportunidades com oscilações de curto prazo. Assim, o investidor deve estar atento ao comportamento de sua carteira para definir os momentos mais adequados para efetuar seu rebalanceamento. Logo, é importante que isso seja feito de forma clara, objetiva e criteriosa.
Exemplo prático de rebalanceamento de carteira
Para facilitar a compreensão da estratégia de rebalanceamento, vamos considerar um exemplo prático. Vale ressaltar que tal exemplo não representa, de forma alguma, nenhum tipo de recomendação de investimento e que seu intuito é puramente didático, servindo simplesmente para quantificar hipoteticamente a estratégia. Pois bem, vamos ao exemplo:
Suponha que um investidor iniciante que já possui sua reserva de emergência e estudou os principais conceitos acerca do mercado financeiro esteja interessado em realizar seu primeiro aporte na renda variável. Assim, com o valor de R$ 500,00, ele decide montar uma carteira composta apenas por ações nas seguintes proporções:
· 30% em ações da empresa A => R$ 150,00;
· 20% em ações da empresa B => R$ 100,00;
· 20% em ações da empresa C => R$ 100,00;
· 20% em ações da empresa D => R$ 100,00;
· 10% em ações da empresa E => R$ 50,00.
Para esse investidor, considere que tais porcentagens o deixam confortável e tranquilo, pois estão alinhadas a seu perfil e tolerância a risco. Sendo assim, para fins didáticos, vamos considerar que essa seria a “proporção ideal” da carteira desse investidor.
Após 5 meses com o valor investido e, obviamente, sujeito às oscilações da bolsa de valores, vamos supor que o investidor tenha revisitado sua carteira e se deparado com o seguinte cenário:
· Ações da empresa A: R$ 147,00 (-2,0% de variação);
· Ações da empresa B: R$ 94,00 (-6,0% de variação);
· Ações da empresa C: R$ 103,00 (+3,0% de variação);
· Ações da empresa D: R$ 112,00 (+12,0% de variação);
· Ações da empresa E: R$ 54,00 (+8,0% de variação).
Note que o patrimônio variou de R$ 500,00 (momento em que o investidor fez o aporte) para R$ 510,00 (momento atual, isto é, após os 5 meses). Tal variação representa uma valorização total de +2,0% da carteira como um todo, isto é, do patrimônio investido. Entretanto, a proporção atual que cada ativo representa na carteira está diferente daquela estabelecida no momento do aporte (criação da carteira), a qual correspondia a 30% de alocação na empresa A, 20% nas empresas B, C e D e 10% na empresa E.
Esse é um cenário típico no qual a estratégia de rebalanceamento de carteira pode ser utilizada. Assim como apontado anteriormente, o objetivo dessa estratégia consiste em manter a carteira adequada segundo a proporção ideal estabelecida pelo investidor. Portanto, sabendo que seu patrimônio agora é de R$ 510,00 e tomando como base a proporção definida na criação da carteira, a alocação de patrimônio ficará da seguinte maneira:
· 30% em ações da empresa A => R$ 153,00;
· 20% em ações da empresa B => R$ 102,00;
· 20% em ações da empresa C => R$ 102,00;
· 20% em ações da empresa D => R$ 102,00;
· 10% em ações da empresa E => R$ 51,00.
Portanto, para rebalancear a carteira e, consequentemente, adequar as porcentagens de seu investimento, o investidor precisaria realizar as seguintes operações:
· Vender R$ 1,00 da empresa C => R$ 103,00 — R$ 1,00 = R$ 102,00;
· Vender R$ 10,00 da empresa D => R$ 112,00 — R$ 10,00 = R$ 102,00;
· Vender R$ 3,00 da empresa E => R$ 54,00 — R$ 3,00 = R$ 51,00;
· Aportar R$ 6,00 na empresa A => R$ 147,00 + R$ 6,00 = R$ 153,00;
· Aportar R$ 8,00 na empresa B => R$ 94,00 + R$ 8,00 = R$ 102,00.
Perceba que, ao efetuar o rebalanceamento da carteira, o investidor está efetivando o lucro das empresas que se valorizaram no período e utilizando-o para compensar as perdas das outras empresas.
Vale ressaltar que, no exemplo acima, a situação descrita considerou uma carteira que se valorizou 2,0% no período. Porém, seria totalmente possível que a carteira tivesse se desvalorizado, cenário no qual o patrimônio investido teria diminuído (afinal, estamos falando de renda variável). Contudo, mesmo em casos de desvalorização, a estratégia de rebalanceamento permanece igual, ou seja, vender a parte dos ativos que estão com exposição acima da proporção ideal e redirecionar o valor para os ativos que estão com exposição abaixo da proporção ideal.
Realizando um novo aporte
Agora, vamos ampliar o cenário discutido acima para uma situação na qual o investidor decide que, ao invés de vender ou comprar ativos para rebalancear a carteira, ele fará um novo aporte no valor de R$ 500,00. Nesse caso, o interesse do investidor é que o aporte seja distribuído de forma a compensar a defasagem da carteira.
Portanto, o primeiro passo é saber qual será o patrimônio total investido com esse novo aporte:
· Primeiro aporte: R$ 500,00;
· Rentabilidade no período: +2,0% (isto é, R$ 10,00);
· Segundo aporte: R$ 500,00;
· Patrimônio total investido: R$ 1010,00.
Agora, sabendo também qual é a proporção ideal, podemos verificar qual deve ser o patrimônio alocado em cada ativo, o qual corresponde a:
· 30% em ações da empresa A => R$ 303,00;
· 20% em ações da empresa B => R$ 202,00;
· 20% em ações da empresa C => R$ 202,00;
· 20% em ações da empresa D => R$ 202,00;
· 10% em ações da empresa E => R$ 101,00.
Apenas para refrescar a memória, vamos recuperar a proporção do patrimônio atual da carteira do investidor, isto é, aquela que ele encontrou após os 5 meses:
· Ações da empresa A: R$ 147,00;
· Ações da empresa B: R$ 94,00;
· Ações da empresa C: R$ 103,00;
· Ações da empresa D: R$ 112,00;
· Ações da empresa E: R$ 54,00.
Portanto, para que o aporte seja distribuído de modo a reequilibrar o portfólio, basta que o investidor respeite a alocação associada à proporção ideal de cada ativo. Assim, o aporte deve ser realizado da seguinte maneira:
· Aportar R$ 156,00 na empresa A => R$ 147,00 + R$ 156,00 = R$ 303,00;
· Aportar R$ 108,00 na empresa B => R$ 94,00 + R$ 108,00 = R$ 202,00;
· Aportar R$ 99,00 na empresa C => R$ 103,00 + R$ 99,00 = R$ 202,00;
· Aportar R$ 90,00 na empresa D => R$ 112,00 + R$ 90,00 = R$ 202,00;
· Aportar R$ 47,00 na empresa E => R$ 54,00 + R$ 47,00 = R$ 101,00.
Montando sua própria planilha de rebalanceamento
Se você chegou até aqui e compreendeu o exemplo descrito nesse artigo é provável que queira automatizar os cálculos e montar sua própria planilha de rebalanceamento. Pois bem, a seguir está um guia detalhado de como montar essa planilha, lembrando que seu intuito é puramente didático e a decisão de comprar e/ou vender algum ativo é de inteira responsabilidade do investidor.
1º passo:
Abra uma planilha no Excel e, na primeira linha, coloque as seguintes informações ordenadas da coluna A à coluna K:
Ticker, Cotação, Quant., % Ideal, % Atual, Pat. ideal, Pat. atual, Diferença, Ajuste, Total inv., Aporte.
2º passo:
Na coluna A (Ticker), especifique quais ativos que você gostaria de ter ou já tem em carteira.
3º passo:
Na coluna B (Cotação), coloque a cotação mais recente de cada um dos ativos.
Obs.: formate as células da coluna B como “moeda”.
4º passo:
Na coluna C (Quant.), digite a quantidade de ações que você possui de cada ativo. Caso você não tenha nenhum ativo, pode deixar como zero.
5º passo:
Na coluna D (% Ideal), insira a porcentagem que você gostaria que cada ação representasse em sua carteira. Assim, essa será sua “proporção ideal”.
6º passo:
Na coluna E (% Atual) será indicado qual é a proporção que cada um dos ativos estará representando em sua carteira no momento atual. Esse valor vai depender da cotação do ativo e também de sua quantidade.
Note que, ao longo do tempo, as colunas D e E tenderão a apresentar valores muito próximos, uma vez que a estratégia de rebalanceamento atua justamente para equilibrar a carteira, sendo que, inclusive, os novos aportes serão incorporados segundo a proporção ideal.
Sendo assim, coloque a seguinte expressão na célula E2:
=SE($C2=0;0;$C2*$B2/($J$2-$K$2))
Na sequência, expanda a fórmula para as linhas abaixo. Não se preocupe nesse momento com o alerta de “divisão por zero”, pois em breve ele será corrigido.
Obs.: formate as células da coluna E como “porcentagem”.
7º passo:
Na coluna F (Pat. ideal) será apresentado qual o valor de patrimônio que deve estar alocado em cada um dos ativos, obviamente, com base na porcentagem inserida na coluna D (% Ideal).
Desse modo, insira a seguinte fórmula na célula F2 expandindo-a para as linhas abaixo:
=$J$2*$D2
Obs.: formate as células da coluna F como “moeda”.
8º passo:
A coluna G (Pat. atual) irá apresentar o patrimônio atual alocado em cada um dos ativos. Para tal, basta inserir a seguinte fórmula na célula G2:
=$C2*$B2
Em seguida, expanda para as linhas abaixo.
9º passo:
A coluna H (Diferença) indicará qual a diferença entre o “patrimônio ideal” e o “patrimônio atual” em cada ativo. Sendo assim, tal coluna corresponde à divergência de alocação de patrimônio e apresenta qual valor seria necessário somar ou subtrair para que cada ativo se enquadre na proporção ideal dentro da sua carteira.
Portanto, tal valor pode ser obtido inserindo-se na célula H2 a seguinte fórmula:
=$F2-$G2
Expanda a fórmula para as linhas abaixo.
10º passo:
Sabendo o valor do patrimônio necessário para rebalancear a carteira, a coluna I (Ajuste) indicará quantas ações deveriam ter a mais ou a menos para que a carteira esteja com as proporções ideais.
Para tal, a fórmula a ser inserida na célula I2 e depois expandida para as demais corresponde a:
=ARREDONDAR.PARA.BAIXO($H2/$B2;0)
11º passo:
Na coluna J (Total inv.) será apresentado o valor que corresponde ao total investido, isto é, a soma de todo o patrimônio com o aporte a ser realizado. Logo, basta colocar a fórmula:
=SOMA(G:G)+K2
Nesse caso não há necessidade de expandir a fórmula para as linhas abaixo.
Obs.: formate a célula J2 como “moeda”.
Note que, nesse ponto, a planilha já está apresentando na coluna I (Ajuste) quais correções deveriam ser realizadas para rebalancear a carteira. Assim, valores negativos correspondem à quantidade de ações a ser reduzida, pois a representação desse ativo na carteira está acima da proporção ideal. Analogamente, valores positivos indicam a quantidade de ações a ser acrescentada ao portfólio, uma vez que sua proporção atual está abaixo da proporção ideal.
É sempre válido reiterar que esse tutorial não representa nenhum tipo de recomendação de investimento. Seu objetivo é puramente didático.
12º passo:
Finalmente, na coluna K (Aporte), insira o valor do aporte a ser realizado. Nesse caso, é importante ressaltar que o Ajuste a ser realizado (coluna I) já considera a distribuição do aporte seguindo a proporção ideal automaticamente.
Como última observação, formate a célula K2 como “moeda”.
VOILÀ! Sua primeira planilha de rebalanceamento de carteira está pronta! Nada impede de você inserir outros ativos nessa planilha, tais como títulos de renda fixa, FIIs, ETFs, criptoativos etc., atribuindo a cada um deles uma proporção que você considera ideal. Além disso, você também pode aprimorar a planilha acrescentando outras colunas com fórmulas que são de seu interesse, bem como melhorar a formatação visual, por exemplo, estipulando cores diferentes para cada classe de ativo.
Conclusão
A estratégia de rebalanceamento de carteira é utilizada por diversos tipos de investidores, desde os mais experientes, como gestores de fundos de investimento, até os menos experientes, isto é, aqueles que estão no início de sua jornada na bolsa de valores. Por meio do rebalanceamento o investidor consegue se proteger da exposição excessiva a riscos indesejáveis, além de permitir que as posições da carteira permaneçam sob controle do investidor.