Turismo espacial: como as empresas planejam popularizar o que antes era apenas campo da Guerra Fria e ciência

Lucas Guarnieri
Liga de Mercado Financeiro Bauru
7 min readMar 29, 2021
Fonte: gazetadopovo.com.br

Recentemente, no dia 18 de fevereiro de 2021, a agência norte-americana Nasa (National Aeronautics and Space Administration) aterrissou, em Marte, o rover Perseverance de US$ 2,7 bilhões. Totalizando cerca de 7 meses de viagem, o robô destinado ao planeta vermelho busca encontrar vestígios de vida, realizar experimentos como a geração de oxigênio a partir do gás carbônico da atmosfera do planeta e coletar amostras do solo para mandá-los de volta à Terra em 2026. Além disso, em um ato inédito, a Nasa pretende realizar um voo sobre o planeta com auxílio do drone Ingenuity, anexado no Perseverance que, caso demonstre sucesso em sua missão, abrirá portas para possíveis explorações aéreas no planeta que possui uma atmosfera rarefeita quando comparado com a da Terra.

Apesar de ser uma missão não tripulada e de caráter científico, tal ação despertou o interesse de muitas pessoas. Durante a confecção do rover, a Nasa lançou a campanha “Send Your Name to Mars” em seu site com o objetivo de coletar os nomes de interessados e enviá-los, em chips, na carcaça do robô. Ao final da campanha foram totalizados quase 11 milhões de nomes, sendo 180 mil deles de brasileiros.

Ilustração do drone Ingenuity. Fonte: tecmundo

Mas não é apenas a Nasa que está de olho em Marte e no espaço. A SpaceX, empresa privada do bilionário Elon Musk, também possui interesse em chegar no planeta vermelho. Com suas pesquisas e desenvolvimento de tecnologias que vem realizando desde a sua fundação em 2002, como o Falcon 9 (recentemente levando astronautas para a Estação Espacial Internacional, realizando um marco histórico como a primeira empresa privada a realizar tal feito) e mais recentemente o foguete Super Heavy e a nave Starship, a companhia pretende levar humanos para desenvolverem uma colônia no planeta vermelho. Apesar de um pouco distante de realizar o sonho de Musk de tornar a humanidade uma civilização interplanetária, a SpaceX também pretende utilizar-se da Starship para levar humanos à Lua. Recentemente, um contrato entre a Nasa e a SpaceX firmou um objetivo em comum às duas empresas: desenvolver e lançar uma nova estação espacial, mas agora na órbita da Lua, 50 anos após as missões Apollo. O projeto Artemis, que visa a permanência de astronautas na Lua, é composto por inúmeras missões e lançamentos de equipamentos para teste e demonstração de novas tecnologias, com previsão para 2024.

Teste de altitude do protótipo SN10 da Starship. Fonte: techcrunch.com

Apesar de a SpaceX ser uma empresa privada e fornecer o transporte à Nasa, que é uma agência pertencente ao governo dos Estados Unidos, também existem outras empresas totalmente focadas na nova aposta do turismo: o espacial. O bilionário Jeff Bezos, fundador da Amazon e atual CEO da empresa, pretende deixar, ainda em 2021, o atual cargo e atuar como presidente-executivo do conselho da companhia. A decisão de um dos homens que compõe o grupo das pessoas mais ricas do mundo representa, e como justificado pelo próprio, a sua vontade de focar em outros projetos que possui, sendo uma delas dedicar mais tempo e atenção para a Blue Origin, sua empresa espacial.

Assim como a SpaceX, a Blue Origin também possui contratos com a Nasa para as futuras missões do Projeto Artemis. Recentemente, a empresa de Bezos foi escolhida para ser a responsável em desenvolver uma tecnologia capaz de simular a gravidade da Lua na órbita da Terra, permitindo experimentos cruciais para o sucesso das missões da agência norte-americana. Para tanto, será usado o foguete reutilizável (como na tendência da SpaceX, que reduz significamente o preço de um lançamento) chamado New Shepard, que também deverá ser utilizado como meio para o transporte turístico para voos suborbitais. A tecnologia já deve estar disponível em 2022.

Foguete New Shepard. Fonte:olhardigital.com.br

Com base no que foi dito anteriormente, fica claro que a exploração e ocupação de humanos no espaço, Lua e, futuramente, outros planetas como Marte tem animado diversas pessoas pelo planeta, além de ter se mostrado como um mercado extremamente capitalizado com muitos (e altos) investimentos privados. A final do Super Bowl, evento aguardado por inúmeros fãs de futebol americano e até mesmo por quem não é fanático pelo esporte, reserva em seus comerciais certas expectativas por todos os espectadores, pois é nesse momento que grandes empresas apostam em seus anúncios. O evento de 2021, sendo o mais caro momento publicitário da TV, custando US$ 5,5 milhões por 30 segundos, contou com uma situação inusitada: Inspiration 4. A campanha convida os espectadores a entrarem no site da campanha e, caso se interessem, realizarem a inscrição no primeiro projeto totalmente civil que levará 4 pessoas ao espaço com auxílio dos foguetes da SpaceX. O objetivo proposto por Jared Isaacman, fundador e diretor-executivo da Shift4 Payments responsável pela campanha (sendo um dos ocupantes da missão) promete uma ajuda de US$ 100 milhões ao St. Jude Children’s Research Hospital e convida os espectadores a conseguirem chegar à marca de US$ 200 milhões doados, permitindo que os doadores concorram a duas das vagas da viagem.

Anúncio feito pela Inspiration 4 durante o Super Bowl LV. Fonte:businesswire.com

Outra empresa de peso no mercado espacial é a Virgin Galactic do (também) bilionário Richard Branson. Sua proposta é levar humanos ao espaço através de voos suborbitais de algumas horas ao custo estimado de US$ 250 mil. Apesar de testes mal sucedidos marcarem o início da história da companhia, com a morte de um funcionário em um desses testes, a companhia vem conseguindo resultados satisfatórios que já permitem sua operação ainda em 2021. O assento de Richard já está reservado.

Diferentemente do lançamento dos foguetes da SpaceX e da Blue Origin, a Virgin Galactic utiliza-se de um “lançamento em duas etapas”. Com o auxílio da aeronave White Knight Two, a espaçonave SpaceShipTwo é levada, acoplada na White Knight Two, até ambas atingirem uma altitude de 15 km e, a partir dessa etapa, a SpaceShipTwo aciona seus propulsores segue rumo ao seu destino de 80 km de altitude, fornecendo momentos de gravidade zero aos passageiros. Após concluir sua missão, retorna a superfície e pousa em uma pista como um avião convencional. Um ponto interessante é que, segundo a Federação Aeronáutica Internacional, o espaço começa a partir dos 100 km de altitude, sendo este um limite conhecido como Linha Kármán. Apesar disso, segundo a FAI, quem ultrapassa a linha dos 80 km já pode ser considerado um astronauta.

Desacoplamento entre as aeronaves da Virgin Galactic. Fonte: gfycat.com

A Virgin Galactic, diferentemente das companhias citadas anteriormente, já possui seu capital aberto. Negociada através do ticker SPCE na NYSE — New York Stock Exchange (em português: Bolsa de Valores de Nova Iorque), a empresa realizou seu IPO (oferta inicial de ações, momento em que a empresa passa a ser negociada em uma bolsa de valores através de ações) em outubro de 2019 e, já nos primeiros meses de 2020, acumulou uma alta de 200% em seus papéis. Apesar de muitos riscos e dúvidas a respeito desse novo setor, como recorrência na demanda e acidentes fatais que possam vir a acontecer, a expectativa com uma nova empresa, capaz de trazer uma tecnologia tão inovadora e realizar o sonho de muitos de ser um astronauta, anima muitos investidores. Além disso, a empresa possui uma meta de vender 115 voos em 2021.

Lançamento da VSS Eve. Fonte: cbsnews.com

Assim como as grandes empresas tech, as companhias dedicadas a esse novo ramo dependem de novas tecnologias e estudos na área, podendo configurar uma nova era de investimentos e avanços para tornar a humanidade interplanetária. A SpaceX, por exemplo, não possui capital aberto, mas recebeu um aporte de US$ 1 bilhão diretamente do Google para ajudar a companhia na constelação de satélites Starlink, que pretende fornecer internet de alta velocidade para qualquer área do planeta diretamente do espaço. Atualmente, é estimado que a SpaceX valha, segundo a CNBC, cerca de US$ 74 bilhões, já sendo uma das maiores empresas de capital fechado do mundo.

Como podemos notar, o turismo espacial e o investimento na ciência sobre novas tecnologias para o setor podem criar um dos segmentos mais capitalizados do planeta, e já existem sinais para que isso aconteça. O que antes parecia ser algo muito distante para pessoas civis, passa a se tornar realidade. Apesar de muito precisar desenvolvido e ainda contar com passagens relativamente caras, a popularização de novas tecnologias e a concorrência do mercado pode tornar tais atividades mais acessíveis com o passar do tempo, assim como aconteceu com a indústria de voos comerciais com os aviões. E você, leitor, possuía (ou ainda possui) aquele desejo de quando criança de se tornar um astronauta? Aparentemente, isso se tornará possível em algumas décadas.

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