A comercialização da morte

Confundido o tributo com aproveitamento publicitário

Yan Lahud
Lindíssima disse tudo
4 min readApr 29, 2018

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Dia 20 de abril de 2018, uma tarde de trabalho como outro qualquer até que alguém faz o anúncio: “Avicii foi de vez!”. Passado alguns segundos, todos entendem que o (sumido — por isso o uso do: de vez) dj que emplacou diversas músicas nos tops musicais dos streaming de músicas havia partido dessa para uma melhor.

Passado mais ou menos 2 horas do ocorrido, enquanto eu ia em direção ao metrô, abri o spotify para escolher a trilha sonora até a volta pra casa quando a primeira opção de sugestão de playlist era: This is Avicii. Impulsivamente cliquei para ouvir a playlist e ao mesmo tempo pensei: meu deus, o que define tributo ou quem sabe uma publicidade?

Afinal, quando eu fui ver o número de seguidores da playlist recém-criada já beirava aos 800.000 seguidores, em 2 horas. O que gera mais engajamento, mais plays nas músicas, mais tempos de uso do aplicativo, mais clicks e obviamente, mais dinheiro. E até que minha intuição não errou — de certo modo:

g1.com — 21/04/18

Horas após sua morte, ele emplacou 7 músicas no top 50 do streaming de música mais popular, subiu para 24º artista mais tocado com 29.233.427 ouvintes mensais. O que gera alguns milhões de dólares para o artista.

E eis que cheguei na questão: Quem criou aquela playlist e botou na esfera pública? Já que essa esfera nada mais é do que a expressão pública do mercado capitalista em construção e que se tem essa mesma troca de dados e informações no melhor estilho: o que quero ouvir hoje (usuário) | o que eu vou te sugerir para ouvir hoje (streaming). Obviamente, o timing dos fatos faz surgir a oportunidade para publicidades em conjunto com os tributos prestados para os artistas. Onde os streaming estabelecem uma conexão e geram um espaço social gerado pela comunicação com seus usuários.

Além disso, podemos nos questionar o rumo desses tributos até mesmo com as pessoas que morreram em prol de questões político-sociais, como a vereadora do Psol: Marielle Franco, que logo após a criação do ato político “Marielle, Presente” surgiram itens que remetessem ao movimento.

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O que nos faz refletir é: será que precisamos de objetos publicitários para criar a identidade-eu através da identidade-nós pela objetificação de atos sociais? Atos políticos não devem buscar fins lucrativos e sim a amplificação da causa. Mas quando caímos nos questionamentos capitalistas, logo buscamos uma representatividade pautada em coisas materiais, deixando de lado a real finalidade política. Assim, sendo vulgarmente confundido o tributo com aproveitamento publicitário, cabe ao consumidor buscar sua identidade através do consumo consciente e defender as questões políticas do seu habitus social.

Voltando pro campo musical, podemos analisar em conjunto a essa objetificação, que Michael Jackson é o cantor que mais produz lucro mesmo estando morto há 9 anos, a venda da luva por -apenas- 700.000,00 reais é um dos maiores exemplos disso.

g1.com — jan/18

Traçando um paralelo entre o pensamento de que a imagem-do-nós se da por um passado que se estende muito além do seu passado individual e permite que coisas de pessoas que viveram e fizeram partes de culturas e épocas diferentes, continuem a viver no presente, a venda de objetos e shows em tributo ao falecido rei do pop concretiza essa afirmação.

Além disso, observamos as inúmeras teorias elaboradas pela opinião pública, por julgamento popular, acerca da morte de Michael como de que teria forjado sua morte devido às plásticas malfeitas, à família maluca, às acusações de pedofilia ou uma dívida estimada em US$ 500 milhões, que teriam motivado Michael a elaborar esse “plano de fuga”. Assim, notamos a que as opiniões têm ganhado mais visibilidade, o que era algo restrito para uma profissão capacitada em produzir opinião, perdeu espaço para as redes sociais onde cada um consegue se expressar e tornar pública sua opinião em julgamento dos fatos ou filtro das informações disseminadas.

Elucidando os números que mostram a crescente rentabilidade de artistas que já se foram, notamos que não é claro o que podemos definir como tributo ou publicidade nos tempos atuais. A internet aumenta expansivamente a veiculação de materiais e ideais que se disseminam na comunidade desse meio. O consciente humanitário deve prevalecer no consumo de itens que fazem homenagens ou amplificam e representam movimentos políticos-sociais.

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