A TV na TV bem democrática?

Leticia Tarciso
Lindíssima disse tudo
5 min readJul 3, 2018

Diferentemente do que estamos acostumados à ver em programas de humor da televisão aberta, o Tá no ar: a TV na TV (2014 — Presente) é um programa subversivo, que ataca diretamente a crescente onda de conservadorismo e pode ser julgado transgressor, considerando que na exibição nais recente, no ano de 2018, teve um beijo gay e uma música de paródia sobre a bissexualidade. E, ao menos neste texto, vamos deixar de lado o triste fato de que demonstrações simples como estas ainda são o suficiente para serem consideradas “transgressoras”.

Para quem não conhece ou já ouviu falar sobre ele, mas não sabe do que se trata — até porque o programa é exibido no horário das 23h, numa quinta feira, ou seja, nem tão democrático assim — é um programa da humor da Rede Globo, escrito e estrelado por Marcelo Adnet e Marcius Melhem, que possuí uma visão crítica e bem humorada a respeito de diversos conteúdos audiovisuais, alguns são sátiras da própria emissora que exibe o programa, e outros de emissoras concorrentes da Globo, como a Record, por exemplo. A idéia do programa é misturar informações críticas, desde corrupção a questões como Lgbtfobia, sempre com um tom crítico, de denúncia, mas ao mesmo tempo com apelação a quadros com esquetes cheias de merchandising. O programa parece literalmente que você ou a pessoa mais sem paciência da sua casa, não consegue ficar quieta assistindo apenas um único canal, e fica mudando o tempo inteiro, para meio que assistir “tudo ao mesmo tempo” focando em nada. Assim como os Bolsonaros da vida quando não desmaiam e comparecem em um debate, sabe? Aquilo de não se saber o que está falando e sair falando demais…

É um programa muito conhecido por não ter medo do politicamente correto — e como seria bom se o nosso atual governo também não tivesse receio disso! — , por fazer críticas sociais bem duras, ridicularizando personalidades midiáticas famosas no universo da política e de celebridades, tudo isso considerando que é exibido em uma emissora super conhecida exatamente por ser conservadora e, por uma parcela, golpista.

Um dos quadros do programa, de 2015 (https://globoplay.globo.com/v/4099654/), é uma espécie de sátira aos programas de relacionamentos, aonde pessoas solteiras vão para encontrar seu “par perfeito”, só que, nesse caso ao invés de um solteiro ir em busca do amor, é um deputado, que nunca foi flagrado por uma câmera do Fantástico e está atrás de um par para ser seu vice para as eleições a governador. Nisso, aparecem três candidatos, o primeiro tem que fazer um discurso com alguma promessa e ele promete um “super faturamento”. O segundo tem que responder uma pergunta sobre escândalo de corrupção, na qual responde “fez conchavo, tem que apoiar e ficaria do lado até o dia da cassação”. E o último é um corpo à corpo, fazendo uma brincadeira direta aos programas de namoro em que as pessoas são vendadas e podem passar a mão no corpo da outra para conhecer melhor, e o deputado encontra dólar no bolso do outro, sendo ele o escolhido para o cargo exatamente porque tem dólares escondidos no bolso. O esquete termina com a apresentadora do programa falando “o programa que ainda acredita em fidelidade partidária e alianças políticas estáveis”. Ah, e como eu gostaria de também poder acreditar em qualquer coisa que coloque “política” e “estabilidade” na mesma frase.

Esses são exemplos de como o roteiro é desenvolvido, de forma bem irônica, associando formatos da televisão que existem com assuntos da atualidade. Mas por que será que logo a Globo vai se envolver numa polêmica dessas falando sobre assuntos como corrupção de forma tão irônica? Será que ela é tão boazinha assim e só quer ajudar a gente a criar um senso crítico? Bem, acho que já passamos da época de acreditar em Papai Noel ou conto de fadas e podemos perceber que se a emissora está investindo nesse tipo de conteúdo é porque provavelmente ela tem intenções por trás disso. Ela tem consciência de que precisa atrair um novo tipo de público consumidor com essa proposta, levando-o a um consumo frequente de obras da emissora, aumentando o seu próprio prestígio e posicionando a empresa de forma positiva a respeito dos temas levantados no programa.

Outro quadro dentro do programa é de um militante “anti- Rede Globo” sendo caracterizado por um homem nordestino e que grava semanalmente, através de vídeos caseiros, abusos, denuncias e mentiras da “toda poderosa Rede Globo”. É claro que para ter um tipo de esquete assim, o homem em questão mais parece um lunático, que só sabe falar de teorias da conspiração acerca do poder da emissora e caracteriza bem aquela idéia de “deixa eu falar mal de mim mesma mas de forma engraçada para dar aquela disfarçada”. Rsrs

Se considerarmos que Câmera e Melo (2018) acreditam que

“enxergar o jornalismo como um projeto informativo e enriquecedor de ideias, que é fundamental para a democracia por partilhar ideias e discussões úteis para os cidadãos tomarem decisões políticas, faz parte da mítica missão do jornalismo.”

Podemos tentar fazer uma ligação disso com o Tá no ar, mesmo não sendo jornalístico, pois o programa também tem o poder de expor idéias e discussões que podem ajudar as pessoas que assistem ao formarem suas opiniões sobre assuntos políticos.

Segundo Scabin (2017)

“do ponto de vista jurídico, a contemporaneidade é marcada pela emergência de tensões entre a liberdade de expressão e outros direitos democráticos, assegurados pelas constituições das democracias liberais. Ao mesmo tempo, assistimos ao surgimento de vozes que problematizam, em diferentes medidas, os argumentos consagrados na tradição liberal de pensamento para justificar a defesa da liberdade de expressão como um princípio independente de outras liberdades.”.

Com isso, podemos dizer que o programa utiliza de seus esquetes “engraçadinhos” sobre políticos corruptos, para satirizar a alta sociedade paulista e seus consumismo fútil ou até mesmo um militante alienado que acredita em tudo. Isso é uma forma que os autores do Tá no ar encontraram de utilizar seu direito à liberdade de expressão para exatamente problematizar essas questões.

É importante lembrarmos sempre que mesmo a Globo tendo trazido de volta os programas de humor mais irônicos — pois havia um tempinho que esses conteúdos deixaram, pelo menos na televisão aberta, de exibir shows mais críticos para apresentar assuntos mais mastigados-, precisamos ter em mente que isso é uma estratégia da emissora para criar um posicionamento perante as críticas que são levantas, ou seja, formar uma opinião pública que distancie eles dessas críticas e consequentemente evitando posicionamentos negativos no futuro. Mas é aquilo, né, antes de falar algo bom, mesmo com segundas intenções, do que não exercer nem um pouco, de maneira positiva, a sua capacidade de influenciador.

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