Alguma contribuição para democracia? Civilization… Talvez

Otavio mariano gonçalves
Lindíssima disse tudo
6 min readJun 30, 2018

Me apresentam agora um desafio ingrato: devo escrever um texto apontando um produto midiático que traga alguma contribuição para a democracia. Em um primeiro momento várias coisas passaram pela minha cabeça, todas elas foram rebatidas logo em seguida no meu próprio debate interno. Vou listar algumas das razões.

  1. Não existe democracia real no Estado burguês, principalmente nos países que se encontram na periferia do grande Capital. Não faltam exemplos atuais que evidenciam países adotando medidas que são completamente contra as que foram eleitas pelos seus cidadãos, um belo exemplo disso é o Golpe de 2016.
  2. O aparelho Estatal foi feito para ser impenetrável para as pessoas independentemente do governo Eleito. Historicamente ele surge de uma revolução burguesa com o intuito de criar uma tecnologia capaz de gerir os interesses da classe dominante em acensão. E esse objetivo tem sido cumprido com sucesso durante toda a sua história.
  3. Nos países dependentes o Estado vai também defender os interesses da burguesia, mas não só da local e sim majoritariamente a internacional. Por quais outras razões um judiciário agiria de uma forma que ajuda no esvaziamento das empresas estatais e na entrega dos nossos recursos naturais? Que tipo de medida nacionalista justificaria no que foi feito com o PreSal?
  4. A construção da hegemonia está diretamente ligada a um aparato midiático que responde aos interesses da burguesia. Os grandes meios de comunicação agirão sempre de acordo com os interesses de seus patrocinadores. Você tem dinheiro para contratar um horário de propaganda na Globo? Se não tiver, sinto muito, mas seus interesses e o da empresa são contrários.
  5. O Estado burguês possui o monopólio dos meios de violência. Você sabe qual é o seu lugar de acordo com a visão daqueles que de fato gerenciam o Estado Burguês? Ouse sair dele que as forças de repressão terão o prazer de ensinar. Seu lugar está bem demarcado e escrevo com tranquilidade quando digo que ele não é uma posição de poder, mesmo não sabendo quem lerá esse texto.

Um pensamento do senso comum aponta que o problema do Estado é a corrupção, um outro erro crasso. Novamente, o Estado segue cumprindo a função pela qual foi criado e jamais se afastou dela, apesar das modificações pontuais que não são decisivas para mudar as estruturas de poder. A corrupção é como um lubrificante aplicado pelo próprio Grande Capital para fazer as coisas funcionarem de acordo com suas premissas.

Se essa é a democracia para qual temos que buscar um produto midiático para defender, então não tenho nada a dizer . Pois eu mesmo não acredito em sua funcionalidade da forma que é atualmente estabelecida. Então qualquer produto que não planeja debater imperialismo (em uma visão econômica) e luta de classes não me interessa.

Porém, gastando algumas horas da minha madrugada jogando o bom e velho civilization IV, me peguei pensando em alguns conceitos que ajudariam a produzir esse trabalho. O jogo é evidentemente burguês, usa uma forma positivista de analisar cultura e provavelmente usa pior conceito de “civilização” de todos. O de que aquilo que é “civilizado” é bom, é avançado, é mais tecnológico e superior aos outros.

Esse jogo foi criado para fazer Nerds em proporções gigantescas, como eu, perderem seu tempo e não conseguirem se focar nos estudos tanto quanto realmente precisavam. Além disso ele, apesar de todos os pesares, trabalha em torno de conceitos um tanto quanto interessantes para se pensar democracia. Ele te coloca na visão de líderes competindo pelo mesmo espaço, disputador por recursos de diversos níveis: culturais, econômicos, científicos e militares.

Vou exemplificar:

Essas são as Civics (não sei traduzir) que eu escolhi para minha civilização. Elas fortemente beneficiam o meu modo de jogo explorando as estratégias que tomei desde o início. O que cada uma significa é irrelevante, o que realmente importa é que certas combinações servem para estratégias de jogo ou podem te atrasar muito se não forem escolhidas com sabedoria.

Eu escolhi Luis XIV, O Rei Sol (o livro do Peter Burke sobre ele é ótimo, recomendo). Tenho certas habilidades pela escolha desse líder que me permitem usar certas estratégias como por exemplo um estado teocrático já que ele é do tipo criativo. Sem contar vantagens na construção das “maravilhas do mundo” que me dão uma vantagem absurda se eu conseguir edificá-las antes dos outros líderes. Foi exatamente o que aconteceu e o resultado foi isso aqui em baixo:

Ignorem os recalcados que declararam guerra a mim, eles não tem chance de vencer. Vamos pensar os líderes que estão num estado de vassalagem. Hannibal, Hatshepsut, Carlos Magno e Suleiman. Após eu ter demonstrado meu poder bélico, eles passaram a fazer exatamente o que mando. Se eu quiser eu defino as civcs deles, mesmo que não tenha absolutamente nada a ver com o que é melhor para o desenvolvimento de suas civilizações.

Essa é uma situação imperial, não muito diferente das que nós vivemos. Não existe forma do povo individualmente de cada um dos líderes me vencerem, eu sou muito poderoso e investi pesado em tecnologia armamentista desde os primeiros turnos. No entanto, eles são maioria. Caso eles se unissem contra a minha civilização seria muito difícil de me defender apesar de tudo.

E, vamos sair um pouco do foco dos líderes, o que faz minha civilização crescer? Seus trabalhadores. É a partir deles que eu consigo dinheiro para minhas pesquisas e força de trabalho que me permite construir desde os monumentos até meu exército. Que são exatamente as coisas que eu uso para manter a ordem. Vejam a imagem abaixo:

Os rostos vermelhos estão infelizes e o exército especificado na parte inferior da tela está lá para impedir que eles se revoltem. Ninguém se beneficia nessa guerra toda a não ser eu e outros líderes que não declararem guerra contra ninguém. Tanto nas cidades que eu fundei quanto nas que eu tomei dos meus vassalos a situação é a mesma. No final tudo se reduz a dois fatores:

  1. Poder
  2. Legitimação

Acredito que Civilization é um jogo que tenha boas lições de política. muitos conceitos de vários autores das ciências sociais estão inseridos ali dentro das limitações de um produto midiático que NÃO TEM COMPROMISSO ALGUM COM O REAL. E, como já disse, trabalha com conceitos de cultura e civilização eurocêntricos e rasos.

O ponto central é: Se você quer algo tem que ser pela conquista, seja qualquer coisa. Os movimentos identitários não ganharam força pelo diálogo racional na esfera pública, foi através de resistência e muitas vezes um discurso que foi considerado violento.

Violência essa que não aparece quando os EUA mandam 12 mil drones com objetivos militares no Iêmen, sem ninguém considerar isso guerra. Esse é um bom exemplo daqueles que possuem o poder simbólico de definir o que é guerra ou não; o poder de escolha dos critérios.

Não existe melhora sem luta. E se alguém deseja uma democracia que realmente seja democrática ela terá que ser conquistada aos moldes de civilization. Qualquer outra forma que não priorize um viés econômico e busque mudar estruturalmente o que é o Estado não têm possibilidades de emancipar o cidadão brasileiro para além de um trabalhador superexplorado de um sistema análogo a vassalagem dos grandes países imperialistas.

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Otavio mariano gonçalves
Lindíssima disse tudo

O self é uma construção social e eu não tenho mais saco de criar uma personalidade.