Democracia e jornalismo andam juntos? Muita calma nessa hora!

Gabriel Massena
Lindíssima disse tudo
4 min readJun 5, 2018

Há uma forte crença na sociedade (inclusive na academia) de que liberdade de imprensa, jornalismo e democracia caminham juntos. Porém, as atitudes de grande parte da imprensa (sobretudo a hegemônica) diante dos acontecimentos políticos advertem que é preciso ter cautela ao afirmar isso com veemência.

Para mim, um exemplo de que nem sempre assim foi o comportamento da imprensa no episódio que levou o presidente Getúlio Vargas ao suicídio. Eleito pelo poder do voto em 1950, “nos braços do povo” e com apoio das esquerdas, Vargas tinha uma orientação política nacionalista. Por isso, enfrentou uma forte perseguição dos donos de jornais e de rádios, que se uniram para combater o presidente. Quem mais personificava essa perseguição era Carlos Lacerda, que pregava abertamente um golpe. Antes mesmo de Getúlio tomar posse, Lacerda dizia: “O senhor Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”. Getúlio, quatro anos depois, sem saída devido ao cerco da imprensa e de setores militares, se suicidou, saindo da vida para entrar para a História. Isso atrasou a revolução de Lacerda em dez anos, pois gerou uma grande revolta na população, sobretudo nos mais humildes.

Capa do jornal Última Hora, único jornal aliado de Vargas
Leonel Brizola com uma metralhadora na Cadeia da Legalidade

Outro bom exemplo é a postura dessa mesma imprensa durante o governo trabalhista de João Goulart, principal herdeiro político de Getúlio Vargas. Antes mesmo de assumir, Jango teve contra ele grande parte da imprensa (inclusive Carlos Lacerda). Assim como setores golpistas militares, não queriam que Jango assumisse o poder, em 1961, após a renúncia do presidente Janio Quadros. Porém, Leonel Brizola, pelo também pelo rádio, garantiu sua posse, no episódio conhecido como a Cadeia da Legalidade. Porém, isso não foi suficiente para evitar que ele fosse golpeado por militares, com apoio da imprensa e de empresários, anos depois.

O governo de Jango foi muito conturbado e nessa época a televisão já era uma realidade e, apesar de estar longe de ter a inserção que tem hoje na sociedade, assumiu um papel importante no golpe. Todas as emissoras, tirando a Excelsior, atuaram para sua queda. Uma grande rede de comunicação que incluía estações de TV e rádios foi usada para atuar jogando a opinião pública contra o governo. Era a chamada “Cadeia da Democracia”, organizada pelo jornalista João Calmon, dos Diários Associados. Dois institutos foram criados para contribuir para isso: o IPES e o IBAD. Sua estrutura era montada sobre o dinheiro de empresários e dos EUA. A Cadeia da Democracia contribuiu imensamente para um golpe militar que implantou uma ditadura de 21 anos no Brasil.

O Globo de 2 de abril de 1964 comemorando o golpe militar

O Jornal do Brasil, o Estadão, a Folha de São Paulo, a Tribuna da Imprensa (de Carlos Lacerda), entre outros, apoiaram o golpe de 1964, mas nenhum deles superou em entusiasmo e a alegria pela vitória dos militares quanto o jornal O Globo, de Roberto Marinho. O editorial do veículo publicado no dia 2 de abril do mesmo ano chega a ser um escárnio. O título era: “Ressurge a Democracia!”.

O jornal O Globo, no dia 7 de Abril, ainda divulgou uma lista de intelectuais que, segundo eles, “trabalharam ativamente pela implantação do regime comunista no Brasil”, ou seja, agindo como dedo-duro para os militares. Na lista havia nomes como Ferreira Goullart, Carlos Diegues, Chico Anysio, etc.

Durante a ditadura, a Rede Globo de televisão se transformou em um império, possuindo diversas emissoras, jornais e rádios pelo país. Leonel Brizola dizia que a Globo foi “o sustentáculo da ditadura”.

Brizola, eleito em 1982 governador do Rio de Janeiro, após a ditadura, também foi perseguido. Socialista e também de tradição getulista, não agradava alguns barões da imprensa, que inclusive tentaram fraudar a eleição que o levou ao Palácio Guanabara. O episódio ficou conhecido como “Caso Proconsult”.

Esses são apenas alguns exemplos de que a imprensa e o jornalismo nem sempre andaram de mãos dadas com a democracia. Portanto, é preciso defender uma política diferente para os meios de comunicação no Brasil. Atualmente eles estão concentrados nas mãos de poucas poderosas famílias, agindo muitas vezes como um partido político, assassinando reputações e trabalhando para consolidação de um pensamento único.

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