Democracia e microinfluenciadores: por uma perspectiva econômica, racial e plural

Beatriz Matos
Lindíssima disse tudo
4 min readJul 2, 2018

A disciplina Meios de comunicação e vida democrática me chamou atenção pela ementa, mas confesso que ao longo do curso me desmotivou bastante, por abordar política na maioria dos temas, que é um assunto que não é muito do meu interesse, talvez por dificuldade de compreensão. Por exemplo, recentemente, entendi o que era de esquerda ou de direita, e até hoje preciso parar para definir na minha mente para dar continuidade a alguma fala e afins.

Assim, escrever sobre como um produto midiático pode colaborar na democracia, a partir do referencial teórico da disciplina não é tarefa fácil para mim. Porém, na loucura dos meus pensamentos e em meio aos autores trabalhados ao longo do curso de Estudos de Mídia, pensei no surgimento desmedido de microinfluenciadores e qual a sua relação com a democracia.

De acordo com visão de Carolina Terra (2017), “o que distingue um influenciador de um microinfluenciador é, em tese, a quantidade de audiência que um tem em detrimento do outro ou a sua especialização temática, o nicho que explora” (TERRA, 2017). Essa questão de nicho tem estreita relação com a atual crise política e econômica instaurada no Brasil.

Em um cenário marcado pela instabilidade, o baixo poder de consumo do brasileiro impulsiona a atuação de microinfluenciadores que visam democratizar o consumo. A atuação deles não é a partir da distribuição de renda, mas é mudando o referencial de consumo para algo mais acessível e próximo da população. De um lado existem as influenciadoras que usam roupas de grife e do outro microinfluenciadores montando looks que custam menos de 100 reais. Esse referencial se demonstra mais próximo, possível e menos excludente. Além disso, olhando pelo ponto de vista de quem está influenciando, percebe-se também uma democracia no poder de representar e influenciar. Para o autor Tomaz Tadeu da Silva, o conceito de representação está ligado ao de identidade e diferença, e os três são perpassados por sistemas de poder, porque “quem tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar a identidade” (SILVA, 2000). Além disso, segundo o autor, a representação serve para comprovar a existência da identidade e da diferença. Logo, representar algo é defini-lo e reconhecer seu lugar no mundo. Então, antes o que predominava eram grandes marcas, grifes, estilistas ditando o que era moda, hoje, garotas que podem ser nossas amigas ou até da família, a partir de um celular tem o poder de inserir sua visão na mídia e influenciar outras pessoas.

Importante ressaltar que, quando me refiro ao consumo, ele não deve ser entendido apenas como aquisição de bens, no livro “Cultura, consumo e identidade” (2006) organizado por Colin Campbell e Lívia Barbosa, esse conceito é ampliado visto que “nas duas últimas décadas, as ciências sociais passaram a tratar os processos de reprodução social e construção de subjetividades e identidades quase como “sinônimos”de consumo” (BARBOSA, CAMPBELL, 2006). Por isso, acompanhar o perfil desses microinfluenciadores, sem necessariamente adquirir os produtos que eles apresentam, significa consumir também.

Outro exemplo de nicho contemplado por esses novos microinfluencers, é o de mulheres negras que buscam vídeos sobre maquiagem e encontram majoritariamente, conteúdo de blogueiras brancas. Quando as blogueiras negras começam a atuar nesse tema, elas possibilitam a contemplação de outras meninas negras, que historicamente são excluídas em esferas sociais.

Djamila Ribeiro no texto “Avalanche de retrocessos: uma perspectiva feminista negra sobre o impeachment” do livro “Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil” aborda sobre grupos que historicamente tem seu direitos negligenciados, e pontua como os resultados desse golpe afeta mais ainda a vida dessas pessoas. Logo, a autora afirma que “Esses grupos mais vulneráveis precisam ter espaço para falarem a partir de suas realidades, para que seja possível a reconfiguração das ações políticas e debates” (RIBEIRO, 2016). Assim, a atuação de microinfluenciadores é essencial para construir um ambiente democrático.

O texto de Renan Quinalha: “Em nome de Deus e da família”: um golpe contra a diversidade” traz outra perspectiva ao mencionar o alto grau de conservadorismo do golpe, que entende “como ameaça as formas de sexualidade e de desejo que desafiam a heteronormatividade e a cisgeneridade”( QUINALHA, 2016). O autor acrescenta dizendo que “as diversidades e suas configurações nas tramas do poder ainda são um dos mais importantes termômetros da qualidade de uma democracia”( QUINALHA, 2016). Logo, quando surgem microinfluenciadores LGBT percebe-se uma tentativa de maior pluralidade de vivências pessoais.

A partir dessas perspectivas, compreende-se a visão apresentada por Nara Lya Cabral Scabin no artigo “Liberdade de expressão, uma liberdade complexa”. A autora defende que na modernidade há uma “dispersão de sujeitos políticos, organizados em torno de novos modos de associativismo e articulados não mais em torno de grandes projetos políticos ou das discussões sobre os rumos da nação, mas sim, em função de focos identitários” (SCABIN, 2017). Logo, a esfera privada se mistura com a esfera pública, e a identidade, conceito que anda junto com diferença, torna-se relevante para a democracia. Em outro momento do artigo, Scabin menciona o cenário brasileiro que é marcado por “uma mídia hegemônica/principal controlada por indivíduos particulares ou empresas que negam a membros de minorias a oportunidade de expressarem suas visões, se comunicarem com outras pessoas que compartilham do mesmo estilo de vida ou persuadirem outros a adotarem suas opções (SCABIN, 2017). Assim, a existência de microinfluenciadores que contrastam com esse perfil da mídia brasileira, é fundamental para ampliar a diversidade de temas e visões.

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