Democracy Simulator

Mariana
Lindíssima disse tudo
4 min readJul 3, 2018

Imagino que todo mundo com menos de trinta e cinco anos e acesso a gaymes conhece algum jogo de simulação de construção de cidades ou países, ao estilo Sim City. Porém, quantas dessas pessoas já pararam para pensar na importância e ligação de tais games com o exercício de nossa famosa e amada democracia? Até hoje eu achava que teriam sido apenas os sortudos obrigados a escrever sobre isso… Estava enganada!

Pois bem, vou contextualizar pra vocês: nas últimas férias, em busca de entretenimento rápido e vazio, encontrei o jogo Civilization V. Sabendo que meu amor por jogos de simulação e estratégia nesse tom estava apenas atrás do amor por joguinhos bestas de cozinha, tratei de fazer um download e jogá-lo, resultando em um total de quarenta e duas horas de jogo (and counting).

Civilization V (ou 5) é a penúltima versão da “saga” Sid Meier’s Civilization. Lançado em 2010, o jogo é baseado em turnos e se resume à construção e controle estratégicos de uma nação em diversos períodos históricos. Nele, você constrói fazendas, templos, contrata trabalhadores, exércitos, cientistas, artistas e basicamente usa várias das diversas ferramentas ofertadas para sair como a civilização vencedora (em quesitos como cultura, dominação, ciência ou diplomacia). Como é natural desse tipo de game, é altamente viciante e a competição e diferentes formas de ganhar de seus adversários diminui a tendência ao enjoo que jogos como Sim City possuem.

Na maioria das vezes, canceriana como sou, opto por ganhar com cultura ou ciência, enquanto meu namorado (leonino com marte em escorpião, devo adicionar, embora ele odeie astrologia e com sorte não lerá isso aqui) obviamente prefere guerrear com as nações e cidade-estado vizinhas e tomá-las para si, obrigando seus pobres cidadãos a obedecer seu way of life e religião. Ele costuma sempre agir dessa forma com as nações que o irritam durante o jogo e possuem uma forma de agir que ele julga incorreta — e eu também, nas raras vezes que entro em guerra.

Dentro da possível política social a ser adotada “Liberty”, encontramos opções bem republicanas para as nações que desejam seguir um código de ética mais “democrático”.

Dentro desse pensamento in game, forçamos a nossa democracia (por favor, não namoraria pessoas que não teriam nações democratas em Civilization!) em países menos democratas e pacifistas… Bem estadunidense de nossa parte. Entretanto, como já dizia Rancière, “a democracia se ergue no rastro dos exércitos americanos, apesar daqueles idealistas que protestam em nome do direito dos povos de dispor de si mesmos” e, também, “a democracia triunfava, mas era necessário ter em mente tudo que seu triunfo significava: levar a democracia a outro povo não é levar apenas os benefícios do Estado constitucional (…) é levar também a bagunça”.

O povo conquistado se revolta e, com isso, a infelicidade da minha nação aumenta exponencialmente, pois os moradores dos territórios anexados, mesmo sem sofrer represálias, sentem-se oprimidos por essa mudança drástica de governo. Recusam-se a produzir por algum tempo e talvez distribuam nas praças e universiadades material anti-colonialista, quem vai saber? Só sei que, mesmo “forçadamente livres” de um governo que, visto de fora, parecia tirano, essa liberdade tem um custo. Tanto para eles quanto para os jogadores… Que perdem vários ouros com isso…

Como comentado no primeiro parágrafo e após minha breve enrolation, em meio a minhas pesquisas para este textão que você lê, encontrei uma notícia de 2016 sobre um grupo de jogadores de Civilization V que jogam em conjunto como em uma “real” democracia. Essa forma de jogo, que batizaram de Democraciv, possui partidos políticos, poder legislativo, constituição e poder executivo — esse ultimo sendo as pessoas que realmente jogam o jogo.

Todos esses indivíduos peculiares decidem as jogadas do poder executivo em conjunto. Há votações sobre a criação de um canal para transporte de comida, prefeitos decidem onde certas cidades serão construídas e ministros cuidam das questões diplomáticas. Mesmo dessa forma, conseguiram encontrar formas de entrar em guerra com um país dentro do jogo e, provavelmente, após seu fim, um dos dois países será anexado ou destruído.

Ao ter consciência desse claro teste de paciência e excentricidade a que essas pessoas se submetem, minha mente se abriu para as reais possibilidades de Sid Meier’s Civilization como um todo. Na próxima vez que o tédio me vencer e eu clicar no ícone de Civ5, me sentirei menos procrastinadora e mais consciente do exercício democrático que estarei praticando.

Agora posso jogar com a consciência limpa. Ou quase.

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