E quem ousa dizer que o carnaval não combina com política?

Um textão de Letícia Tarciso

Caio Amaral
Lindíssima disse tudo
4 min readApr 30, 2018

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As escolas de samba tem sua origem, segundo alguns historiadores, nas primeiras décadas do século XX, com a fusão do carnaval das grandes sociedades de elite com os cordões que vinham das grandes camadas periféricas. Com o tempo, começaram a surgir muitos desfiles e enredos com temas políticos, principalmente porque, mais ou menos no ano de 1920, havia muita repressão pelas autoridades policiais ao samba e esses enredos não deixavam de ser uma resposta a isso.

Com o passar dos anos, os temas considerados mais “politizados” foram perdendo espaço para enredos patrocinados, feitos sob encomenda, focando bem mais a beleza das mulatas, o luxo e o esplendor das fantasias e questões como “será que essa nudez toda é realmente necessária?” foram ganhando maior espaço, juntamente com a ideia de que Carnaval é momento de esquecer os problemas a apenas aproveitar a beleza do festival. Com isso, assuntos como as mazelas sociais, racismo, corrupção ou direito das mulheres foram caindo num certo esquecimento e não despertavam mais o interesse, nem o debate público.

Mas, se tem algo que o carnaval desse ano nos trouxe, foi o fato dos enredos com as temáticas sociais, econômicas e políticas terem voltado com força, inclusive, no Carnaval do Rio de Janeiro. As escolas que ficaram em primeiro lugar foram exatamente as que exploraram essas abordagens de forma mais explícita, questionando (de forma oportuna, ou não) o grave e delicado momento histórico que vivemos atualmente no Brasil.

Talvez um dos desfiles mais comentados tenha sido o da Paraíso do Tuiuti — que ficou com a #Tuiuti entre os trending topics no Twitter — que, em seu enredo, tratou de forma ousada as questões trabalhistas, abordando a Reforma Trabalhista, desfilou com cópias de carteiras de trabalho, mas, acho que a imagem que mais tenha ficado representativa do desfile deles foi o Vampirão, representando ninguém menos do que o nosso “tão amado” presidente Michel Temer (FORA TEMER).

Essa imagem, acredito eu, percorreu vários veículos de comunicação do mundo que ressaltavam principalmente o teor político tão forte e presente, característica que não era vista há um bom tempo no Sambódromo. Além das temáticas trabalhistas atuais, a escola também trouxe para a avenida o importantíssimo debate que deu nome ao enredo desse ano: “Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?”, que trouxe uma ala exclusiva representando a exploração de africanos trazidos à força, passando pelo racismo brasileiro.

Outras escolas de nome como Beija-Flor e Salgueiro também abordaram questões ainda bem atuais. Como no caso do Salgueiro, que lembrou o abandono das mulheres negras e a Beija-Flor, que também teve um desfile bem comentado nas redes sociais, abordando os problemas de desigualdades sociais que são causados pela corrupção. Seu discurso, embora muito importante, foi abordado de forma mais branda, pois não apontava culpados diretamente e sim políticos de forma geral, talvez por isso não tenha causado tanto desconforto na parcela tradicional de comentaristas do carnaval.

E falando em desconforto, se teve uma coisa que incomodou muita gente foi a performace dos manifantoches no desfile do Paraíso de Tuiutí onde eles batiam panela pedindo JUSTIÇA ao lado dos mesmos patos amarelos que são participantes ativos da desigualdade social. Em uma entrevista, o diretor de carnaval da escola disse que, em seu desfile, eles falaram o que o povo quer, mas será que o que o povo quer é o mesmo que as autoridades querem para o povo? A resposta dessa pergunta requer muito pensamento, mas de fato, muitos meios de comunicação se incomodaram com o grito dado pela escola, principalmente porque tais meios ao invés de tentar informar, preferem omitir e direcionar a opinião pública sobre determinados fatos que não lhe convém.

Por fim, é importante ressaltar e exaltar essa retomada do espaço público que é a festa do Carnaval para o debate das questões políticas e sociais do país. É interessante também enxergarmos o evento como forma de a sociedade civil expor e demonstrar o seu papel ativo de presença e participação nas questões que nos afetam todos os dias. E você, não achou que o Carnaval desse ano foi muito mais emocionante?

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Caio Amaral
Lindíssima disse tudo

Product Manager @ idwall / Mestre em Comunicação pela UFF