Público assistindo a competição de Luge, em PyeongChang.

PyeongChang à luz das três Coreias

A Coreia do Tanto Faz emerge cada vez mais entre todas as faixas de idade, do Norte e do Sul

Caio Macedo
Lindíssima disse tudo
3 min readMay 2, 2018

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Há pouco mais de um mês, voltava pro Brasil depois da incrível experiência de ter sido voluntário nos Jogos Olímpicos de Inverno, na cidade que ficou conhecida por parecer homônima à capital da Coreia do Norte: PyeongChang. Mais do que ver o esporte acontecer ao vivo, pude conhecer e me tornar quase um habitué da cultura coreana.

Nos raros momentos que conseguia engatar alguma conversa com sul-coreanos (aqui vale quase um parágrafo próprio mas em resumo: além de eu não saber coreano, estes eram – e ainda são – pessoas muito fechadas a interações com pessoas fora de seus grupos de amigos que são amigos desde o jardim de infância), buscava fazer a clássica conversa entre pessoas de países diferentes, que basicamente vai de similaridades a diferenças entre os países de seus nativos. Vez ou outra conseguia arrancar opiniões da pessoa com quem eu conversava.

Ao mesmo tempo, a postura do lado norte da península mudou de uma região hostil e potencialmente perigosa com o resto do mundo para um país mais aberto à conversa. Claro que trouxe as diferenças entre as duas metades de uma só Coreia para a pauta de bate-papo ocasional com sul-coreanos e estrangeiros e sempre perguntava se acreditavam em uma possível reunificação das duas metades de um país que perdeu sua identidade depois de anos de colonização direta ou indireta (somente cultural ou em outras áreas) de outros países.

Aos poucos, surgiu uma terceira Coreia, cada vez maior que as duas que todos conhecem: a Coreia do Tanto Faz.

E o mais interessante era que, entre os jovens, era um grande “tanto faz”, sobre a hipótese possível de uma só Coreia, com alternados “seria um desastre econômico pro Sul o exílio de todos do Norte” e “o Kim nunca vai querer ceder o poder”. Por mais que o Kim Jr., como se referiam os russos, realmente não enseje deixar o posto de Líder Supremo, esse assunto me mostrou que essa parte da história do pós-Guerra das Coreias, por mais recente que seja (afinal o armistício foi assinado 60 anos atrás), soa como uma realidade muito distante para os jovens, grande maioria da população.

Quanto mais se passaram os anos, as ajhummas e seus esposos foram morrendo, seja no Norte ou no Sul, os escassos encontros entre as famílias dos dois lados (uma clara situação encenada pelos dois lados com aval da ONU e da URSS/China) foi tornando-se ainda mais raro e mais distante o sonho de um só país. Aos poucos, surgiu uma terceira Coreia, cada vez maior que as duas que todos conhecem: a Coreia do Tanto Faz, onde nem a real situação de estado de guerra chega a afetar o senso comum.

Depois da volta ao Brasil procurei algo que me mostrasse o outro lado da península (ou da moeda, se preferirem) e o primo do Norte se parece em muito com o primo do Sul. Mesmo sem nenhuma forma de contato oficial há seis décadas, com toda a comunicação/jornalismo censurado e alterado, vítimas de lavagens cerebrais ideológicas desde o jardim, os norte-coreanos também são desacreditados de uma possível reunificação. Na verdade, para muitos, a Coreia do Sul nunca evoluiu após a guerra e está numa realidade econômica pior que a deles próprios.

Os jovens de lá são completamente incrédulos com o sistema político da família Kim e, sem entrar em minúcias, os poucos que sobreviveram à guerra e a escassez de alimentos norte-coreana da década de 90, junto de seus filhos, não lembram mais que a Coreia, algum dia, foi um só território. As atuais iniciativas de unificação nada mais são que teatros bem encenados pelas duas metades, algo que eles sabem fazer com certa experiência.

A realidade de uma só Coreia, sob o regime comunista ou capitalista, entrou para os livros de história e aparenta nunca mais sair de lá. A terceira Coreia – a Coreia do Tanto Faz – emerge cada vez mais entre todas as faixas de idade, do Norte e do Sul, e aparenta ser a única força que existe nos pensamentos e políticas dos dois lados da península.

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