Memes e as opiniões feitas públicas

Precisamos ser cuidadosos para não confundirmos opiniões feitas públicas com uma expressão de um desejo comum a maior fração de uma sociedade

Andrews
Lindíssima disse tudo
5 min readApr 28, 2018

--

Como um bom usuário de redes sociais, sou completamente viciado em usar memes e acredito que são fundamentais para eu conseguir me expressar dentro delas. Já tornou-se algo orgânico no meu dia a dia, usá-los como um recurso para me ajudar a elaborar as postagens que faço no meu perfil do Twitter, por exemplo. Talvez por ter começado lá em seu contexto raiz, onde nós tínhamos um limite de apenas 140 caracteres para elaborar um tweet, o surgimento dos memes contribuiu muito para aperfeiçoar a comunicação dos usuários da plataforma de microblogging através de associações de ideias. Um velho ditado diz que “uma imagem vale mais que mil palavras”, já eu diria que um meme vale mais que mil caracteres.

E digo mais, acredito que tal recurso é fundamental para a atual dinâmica da nossa comunicação online, pois aprendemos a nos expressar através dos memes. Apesar de geralmente carregarem uma conotação humorística, os memes estão longe de se restringirem a isso. Existem os mais diversos tipos de memes, que carregam em si outros significados para além do viés cômico — principalmente aqui no Brasil, onde parece existir uma cultura do rir da nossa própria desgraça, em que nos acostumamos a fazer graça mesmo quando o assunto é sério.

Existe uma diversidade de formatos de memes circulando pela web: os imagéticos (imagem estática, GIF ou vídeo); as catchphrases; esquemas de textos estruturados de modos específicos; ou até mesmo a soma de alguns dos elementos citados anteriormente; entre muitos outros que podemos encontrar por aí. Mas o que todos têm em comum é que eles são recursos utilizados para manifestar ideias e criar contexto para as mensagens que queremos transmitir às nossas redes sociais. Considerando a (suposta) democratização da fala — desencadeada pela popularização das mídias sociais — onde a voz dos atores sociais passam a ter um alcance muito maior do que era possível antes, me parece imprescindível compreender a força e o uso de ferramentas como os memes, sobretudo quando utilizados para manifestações políticas.

Não há dúvidas de que a política do nosso país está (já há algum tempo) vivendo uma crise e a mesma vem servindo de forte estímulo para uma incalculável produção de conteúdos nas redes sociais. Se antes, tudo terminava em pizza por aqui, agora, tudo termina em meme. Todos parecem ter algo a dizer e não precisam necessariamente de palavras para tornarem públicas as suas opiniões pois basta postar um meme, ou compartilhá-lo, ou retweetá-lo. E não importa muito o posicionamento político do indivíduo, tal movimento independe disto, pois virou mania nacional expressar-se através de memes, seja para criticar algo ou para defender o que se acredita. Através deles, os atores sociais estão tomando posições sem perder o “bom humor brasileiro” e, na minha opinião, espertos são aqueles que estão atentos a isso.

Para exemplificar: recentemente, a revista VEJA publicou uma matéria onde atribuía a crescente popularidade de Jair Bolsonaro nas redes sociais ao uso de bots (rôbos) e de perfis falsos. A publicação gerou inúmeras reações por parte dos seguidores do pré-candidato à presidência, que saíram em sua defesa a partir da criação de um meme: os robôs do bolsonaro, que deu origem à uma série de montagens tragicamente cômicas e a um vídeo que acabou viralizando nas redes. Mas, dentre todas as respostas dadas ao texto, a que mais me chamou a atenção veio justamente de um dos filhos de Bolsonaro, que se manisfestou através de sua conta no Twitter:

Bastante ciente de onde se encontra o público-alvo que os elege, o bolsofilho aproveitou a polêmica para atacar diretamente a (grande) impressa em seu tweet, acusando-a de manipular a opinião pública de acordo com os seus interesses próprios, claramente em busca de uma invalidação do discurso presente no texto da VEJA. Então, ele afirma que é na internet, e não através do meios de comunicação tradicionais, que poderemos encontrar a verdadeira expressão da opinião pública, a partir de argumentos totalmente discutíveis — como a acessibilidade da internet, por exemplo. Por fim, ele termina afirmando que uma “rápida pesquisa” pode provar “quem está falando a verdade”, fazendo referência ao vídeo em anexo ao tweet, onde um youtuber apresenta ainda mais acusações e outros dados contra as principais redes de televisão e grandes jornais.

Apesar de acreditar que as mídias sociais estejam nos incentivando cada vez mais a nos posicionar e a expor o que pensamos, estou longe de acreditar que se uma coisa está na internet, significa que é verdade. Preciso deixar claro aqui que não nego a influência da mídia tradicional na formação da opinião pública e também não acredito que a mesma seja de forma alguma imparcial. Entretanto, me parece bastante presunçoso, e também bastante inteligente, da parte do deputado federal de São Paulo tentar instituir a internet como uma fonte segura de averiguação da opinião pública, afinal, é lá que está presente a maioria do eleitorado de sua família. O que não significa, necessariamente, que a maioria do eleitorado presente nas redes seja a favor da candidatura de seu pai, como já nos provou seu próprio irmão:

Com tudo isso, o quero dizer é que acredito que a internet não sirva como uma ferramenta capaz de mensurar a opinião pública, porém não nego que seja uma excelente plataforma onde podemos publicizar nossas opiniões de diversos modos: através de textões, do uso de hashtags e, principalmente, através do uso de memes, como defendi na primeira parte deste texto. A minha intenção aqui é destacar que precisamos ser cuidadosos para não confundirmos opiniões feitas públicas com uma expressão de um desejo comum a maior fração de uma sociedade. Primeiro, porque é preciso ter em mente que a internet ainda não é um lugar democrático, como alguns fazem questão de defender. Aqui no Brasil mesmo, muitos brasileiros ainda não têm acesso à rede e são completamente silenciados quando esse discurso é defendido. Além disso, tal confusão pode ser uma grande oportunidade para candidatos como os mencionados neste texto, que ganham popularidade através da disseminação online de suas ideias, conquistarem uma expressiva parcela de usuários e tentarem vender sua popularidade nas redes como uma manifestação dessa opinião pública.

Texto para a disciplina Meios de Comunicação e Vida Democrática.
Professora: Seane Melo.
Universidade Federal Fluminense, 2018/1.

--

--